Valorizar produtos para salvar a floresta

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Ao sair de Macapá em direção a Almeirim, ao Sul do Pará é possível observar que, daquele ponto em diante, os índices de desenvolvimento humano dos municípios começam a baixar. São 12 horas de estrada de terra no meio da Floresta Amazônica. O difícil acesso e a falta de infraestrutura garantem à região uma paisagem de mata nativa intacta. A cidade está fora do arco do desmatamento, para onde a fronteira agrícola avançou em direção à floresta. Na contramão da maioria dos municípios do Pará, a região tem 80% de mata preservada. O setor da indústria de celulose representa 47% do seu PIB. De Almeirim, são mais três horas de voadeira pelo Rio Amazonas e Puru até a Comunidade de Cafezal.

Mas ao chegar, a impressão é outra. Nem de longe essas pessoas parecem viver perto do que se entende por pobreza. Cercados por uma natureza exuberante, como a maioria dos paraenses, os ribeirinhos têm uma alimentação riquíssima. Embora as frutas do norte sejam a bola da vez nas grandes cidades, ali as crianças crescem na mamadeira de mingau com açaí. Galinha caipira, peixes como pirarucu e tambaqui, fazem parte da alimentação diária. Dizem até que o paraense não adoece nunca.

A visita faz parte do projeto Almeirim Sustentável, realizado pelo Instituto Floresta Tropical (IFT) e Instituto Peabiru, com apoio do Fundo Vale. O grupo é formado por técnicos da Embrapa, do setor da agroindústria, empresários, extrativistas de outras localidades e especialistas no tema. "A ideia é encontrar os gargalos das cadeias produtivas florestais, contribuir para que essas comunidades estabeleçam mercados duradouros e ampliem possibilidade de comércio", explica Richardson Ferreira Frazão, coordenador do Programa Casa da Virada e do Programa de Abelhas Nativas e Populações Tradicionais do Instituto Peabiru.

O projeto envolve cerca de 300 famílias extrativistas, muitas já organizadas em associações. A harmonia é tão grande que por instantes se pode questionar se o lugar paradisíaco no meio da Amazônia carece mesmo de alguma mudança. Após algumas conversas, fica nítido que alguns processos precisam ser diferentes.

Há décadas, o extrativista é visto meramente como um coletor de castanha. O trabalho é árduo. Durante a safra, que dura sete meses, estas pessoas acordam cedo e andam por horas em trilhas no meio do mato até chegar aos castanhais. "Com o gambito na mão - bastão de bambu feito para coletar os ouriços da castanha - chegamos a encher, cada um, cerca de 60 cestos diariamente", explica o extrativista Gilson de Souza Alves, 37. Num ano, são 1,5 toneladas do fruto.
Divulgação / DivulgaçãoGilson de Souza: "Com gambito na mão, enchemos 60 cestos por dia"

Depois, é preciso selecionar, lavar e transportar as melhores sementes para o paiol da comunidade. Os extrativistas chegam a dormir no local da colheita. O transporte da castanha pode levar 24 horas no lombo de animais ou quatro horas de barco, correndo o risco de as águas revoltas do Amazonas jogarem boa quantidade do fruto para o rio. Ao chegar na comunidade, a castanha passa por uma nova seleção e secagem. O processo garante a ausência de fungos e a qualidade do produto.

Essa atividade é mais um fator que contribui para os baixos índices de desmatamento da região. Barcos em busca de madeira ilegal rondam a área, mas o orgulho de ser extrativista impede a derrubada das árvores. Depois de todo esse trabalho, a castanha - encontrada nas grandes cidades a R$ 70 o quilo - é vendida por 60 centavos o quilo para empresas e compradores esporádicos. A presença do atravessador é o que mais incomoda.

"A saída é abandonar o modelo da venda da castanha e passar a comercializar seus subprodutos. É preciso agregar valor à cadeia produtiva", diz Frazão. "Estamos repetindo um modelo que não funciona há 50 anos. É hora de apresentar novos produtos para a sociedade e exigir novas políticas sociais."

A conta é simples. Se no lugar de vender castanha, a comunidade produzisse e vendesse óleo, a realidade seria outra. Nesse processo de produção ainda sobraria torta da castanha para fazer farinha, biscoito, bombom e manteiga. São subprodutos que valorizam a cadeia produtiva, o dispensa tecnologia ou infraestrutura.

A produção de biscoito da castanha já é realidade para muitos. A Comunidade do Cafezal participa do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que destina 30% do orçamento da merenda escolar para a compra de produtos da biodiversidade, oriundos de extrativistas, comunidades tradicionais e da agricultura familiar. O arranjo deu outra cara à comunidade. Uma cozinha foi montada e as mulheres passaram a trabalhar na fabricação do biscoito. Mensalmente, 500 quilos de biscoitos são adquiridos pelo governo a R$ 12 o quilo.

"É o pontapé inicial para uma outra história. É preciso aproveitar este tipo de política que já existe e encontrar núcleos de consumo, sem precisar pensar em grandes parques industriais para absorver a produção", diz Frazão.

Entrar na política do PAA não foi simples. Seis meses se passaram até que a comunidade conseguisse organizar a documentação necessária. Depois, foram mais dois anos a comercialização. Apenas em 2012 conseguiram de fato fazer as entregas. "Havia sempre uma nova exigência. E a comunidade nunca era chamada", diz Otarcilio Alves, 42, presidente da Associação de Extrativistas do Cafezal. "Existe uma descrença de que somos capazes de produzir."

No ano passado, a comunidade fez um inventário de seus castanhais. Foram identificadas mais de 700 árvores produtivas em uma área de 225 hectares, o que ajuda a fazer uma estimativa da produção para o ano seguinte. Cada vez mais organizada, a comunidade aguarda a mais uma chamada pública para a venda de seus produtos.

Na visão do Fundo Vale, que até 2012 investiu R$ 62,8 milhões em projetos no Bioma Amazônia, o trabalho nas comunidades passa por um momento de maturidade. "Já é possível notar que os extrativistas começam a se apoderar dos instrumentos criados. É importante que ao final do programa as famílias estejam fortalecidas e coordenem suas próprias ações", diz Carina Pimenta, coordenadora da área de Gestão de Parcerias do Fundo Vale. "Este modelo de projeto respeita as características locais, mas ao mesmo tempo pode ser replicado também em outras localidades."

A jornalista viajou a convite do Instituto Peabiru Instituto e IFT



veículo: Valor Econômico



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