Operação com rede de cosméticos mostra como a Nestlé enxerga seu futuro

Leia em 4min

Executivos que se destacam nos negócios sabem, com a experiência que têm, que suas histórias vão convencer alguns investidores e confundir outros. É assim com a transação de € 6 bilhões pela qual a L'Oréal vai comprar 8% de suas ações da Nestlé - em troca de € 3,4 bilhões em dinheiro, mais uma participação de 50% na Galderma, a joint venture da área de cuidados com a pele firmada entre as companhias francesa e suíça.

Pelo menos quatro motivos estão por trás da estrutura e da escala deste negócio. Nenhum contradiz qualquer um dos outros três, mas há quem esteja incerto sobre o que acontece em seguida.

Em primeiro lugar, o negócio responde à demanda dos acionistas da Nestlé - famintos por uma recompra, dividendos melhores, ou ambos - por pelo menos uma venda parcial da fatia de 29,4% que o grupo tem na L'Oréal, adquirida originalmente em 1974.

Depois, ele oferece à L'Oréal, o maior grupo de cosméticos do mundo em vendas, o que há muito ela almeja: um controle maior sobre seu futuro.

Em terceiro lugar, o negócio foi cuidadosamente elaborado para que a fatia da família Bettencourt na L'Oréal permaneça pouco abaixo do teto de 33,33%, pelo qual, sob as leis francesas, ela teria de fazer uma proposta pelo controle pleno. Este é um passo que eles não desejam dar.

Finalmente, a transação reforça a determinação da Nestlé de se reorganizar como um grupo menos dependente dos alimentos e bebidas tradicionais, e mais comprometido com a nutrição calcada na ciência, os cuidados com a saúde e a categoria chamada de "bem-estar". A Nestlé está convencida a transformar a Galderma, que alega ter 6,9% do mercado global de dermatologia, no núcleo de uma nova divisão chamada 'skin health' (ou saúde da pele).

Até aí, tudo bem. Mas o quê os investidores farão com a declaração de Peter Brabeck, presidente do conselho de administração da Nestlé, de que o grupo suíço classifica sua fatia restante de 23,3% na L'Oréal como um investimento financeiro e estratégico de longo prazo? Ele falou em alto e bom som: "Não vejo isso como um primeiro passo para sair da L'Oréal. De maneira nenhuma. Estamos aqui visando o longo prazo".

Mas talvez as atitudes falem mais alto que as palavras. Sob os termos do negócio, a Nestlé está deixando sua representação no conselho diretor da L'Oréal cair de três assentos para dois. Isso não se parece com uma medida de uma companhia interessada em manter uma influência forte no longo prazo. Tendo já reduzido sua participação uma vez, não há nada que impeça a Nestlé de fazer isso novamente - e, na próxima vez, os compradores poderão não ser automaticamente a L'Oréal.

Tais interpretações subestimam até onde a Nestlé e a L'Oréal se veem como tendo estabelecido, em 40 anos, hábitos harmoniosos e recompensadores de cooperação. Os benefícios para a Nestlé e seus acionistas são substanciais. Sem a contribuição firme da L'Oréal para os lucros, será que o grupo suíço teria conseguido aumentar seu dividendo ano após ano?

Mas o negócio da semana passada contém, na verdade, uma pista sobre o pensamento fundamental da Nestlé. Ela está no 'takeover' da Galderma pelo grupo. Apesar do crescimento mais lento das vendas no ano passado, a Galderma é um empreendimento criado há apenas 33 anos e que vem se desenvolvendo rapidamente. Com operações de fabricação, pesquisas e vendas nas Américas, Europa e Japão, a Galderma condensa o alcance global e a expansão para linhas pioneiras de negócios que a Nestlé quer em todas as suas operações.

Neste contexto, o 'takeover' se encaixa em um padrão de aquisições e alienações que ganhou força nos últimos dois anos. A Nestlé está se desfazendo de marcas de alimentos e bebidas de margens de lucro baixas, substituindo-as por combinações de novos produtos saudáveis e medicinais, especialmente para crianças e idosos.

Em termos financeiros, o maior negócio foi a compra da unidade de nutrição infantil da Pfizer por US$ 11,9 bilhões. Duas outras aquisições realizadas nos Estados Unidos, cujos valores não foram revelados, também foram importantes. A Nestlé comprou a Pamlab, especialista em produtos alimentícios para pacientes que sofrem de depressão, deficiências cognitivas e condições relacionadas. E uma participação na Accera, que fabrica produtos similares voltados para pessoas que sofrem do mal de Alzheimer. Os negócios vendidos pela Nestlé incluem a Power Bar, uma fabricante de barras energéticas de alimentos, e várias marcas de água engarrafada e sorvetes na Europa e na Austrália.

Sua experiência com a Jenny Craig, empresa que opera na área de controle de peso, adquirida em 2006 e vendida com prejuízo no ano passado, mostra que a reinvenção parcial da Nestlé poderá não ocorrer tranquilamente o tempo todo. Mas nenhum investidor deveria duvidar de que é assim que a Nestlé vê seu futuro.



Veículo: Valor Econômico


Veja também

Varejistas da Capital iniciaram o ano otimistas

Os lojistas de Belo Horizonte começaram este ano bem mais otimistas do que no mesmo período do ano passado...

Veja mais
Setor de embalagens prevê alta de 1,5% neste ano

Apesar de as projeções de que o câmbio neste ano favoreça a competitividade de produtos nacio...

Veja mais
Herbalife cresce 34% no Brasil em 2013

As vendas da americana Herbalife, de produtos alimentícios para emagrecer, cresceram 34% no Brasil em 2013 em rel...

Veja mais
Odebrecht planeja dobrar carteira de concessões na AL com novo sócio

Criado há cerca de dois anos apenas, o braço do grupo Odebrecht voltado para concessões de infraest...

Veja mais
Preço do leite deve reagir em março

Aumento da demanda e o início do período de entressafra poderão pressionar a cotaçãoO...

Veja mais
Café da manhã fica mais ‘salgado’

Itens como o pão francês e o leite subiram mais que o dobro da inflação; em contrapartida, ar...

Veja mais
Brasil é destaque nas operações da Unilever

O vice-presidente de vendas da Unilever, Julio Campos, se mostrou otimista com o desempenho das operações ...

Veja mais
Venda de chocolate tende a crescer

Após dois anos de estagnação, a indústria de chocolates se mostra mais otimista em 2014, com...

Veja mais
Páscoa estará mais sofisticada com ovos de chocolate premium

As novas linhas de ovos de Páscoa que ocuparão as prateleiras do varejo este ano reforçam a aposta ...

Veja mais