A corrida para encontrar o sabor perfeito de picanha

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Em breve, quem sabe, o consumidor vai poder beliscar batatinhas sabor picanha, sopa instantânea de "matambre" e hambúrguer de "chorizo".


Esses sabores - todos inspirados em pratos à base de carne da culinária sul-americana - fazem parte de um portfólio lançado há pouco pelo laboratório de sabores e aromas Givaudan SA, que vem tentando agradar o paladar na América Latina e em outros mercados de alto crescimento agora que a indústria de flavorizantes enfrenta custos maiores e pouca diferenciação entre concorrentes.

Os novos sabores chegam ao mercado no momento em que grandes fabricantes de alimentos - nomes como Nestlé SA, que compram flavorizantes da Givaudan ou de rivais - ampliam a cesta de produtos na América Latina. No ano passado, por exemplo, a Nestlé lançou uma linha de águas com sabores como "horchata" e "tamarindo", tradicionais no México. A Givaudan, que controla 25% do mercado mundial de flavorizantes e aromatizantes, não revela quem são seus clientes, mas segundo analistas essa lista inclui empresas como Nestlé, Unilever PLC e Kraft Foods Inc.

Nos últimos 10 a 15 anos, fabricantes de alimentos e bebidas passaram a terceirizar cada vez mais o desenvolvimento de produtos a fornecedores de ingredientes como empresas de saborizantes. Hoje, cerca de 80% de todos os flavorizantes vêm de fora da empresa e só uns 20% são criados em casa, segundo estimativas de um analista. Do ponto de vista econômico, a terceirização faz sentido para fabricantes de alimentos, pois sabores e aromas respondem por uma parcela ínfima do custo de um produto.

Hoje, mercados emergentes somam cerca de 42% das vendas da Givaudan e devem chegar à metade até 2015, diz Jeff Peppet, diretor de comunicação e marketing da Givaudan para as Américas do Norte e do Sul. A empresa, sediada na Suíça, faturou US$ 4,1 bilhões no mundo todo em 2011.

Em busca de sabores, a Givaudan lançou equipes de especialistas em um périplo pelo continente, o que incluiu uma viagem dois anos atrás pelo Brasil e a Argentina para estudar pratos locais feitos com carne. No mercado, já havia produtos que imitavam esses sabores. A marca Ruffles, da PepsiCo Inc., lançou uma batatinha sabor picanha em 2008 no Brasil que durou pouco, mas a Givaudan achava que podia criar suas próprias versões, explicou Peppet.

A equipe visitou dez restaurantes em Buenos Aires e São Paulo para provar versões clássicas do "chorizo" argentino, uma linguiça de porco; do "matambre", uma espécie de rocambole de carne; e da brasileiríssima picanha na brasa.

"Comemos muito", disse Eduard Fontcuberta, diretor de marketing da Givaudan no Brasil, sobre o experimento.

A equipe teve de tomar notas e descrever a comida usando um vocabulário bem específico; em vez de dizer que a carne estava bem passada, usavam termos como "açúcar queimado", "crosta de pão" ou "carne cozida" para indicar o ponto exato da carne.

Depois de definir que a picanha dos sonhos era a de um restaurante em São Paulo, Xiaogen Yang, cientista da Givaudan que já não está na empresa, tirou da cartola uma engenhoca formada por uma cúpula de vidro da qual brotavam uns fios. Colocou o aparelho sobre o prato com a carne - a equipe pediu uma sucessão de picanhas, para que a carne estivesse sempre quentinha e fresca enquanto Yang capturava as moléculas aromáticas, que levou para a sede da Givaudan nos Estados Unidos para análise.

A Givaudan gasta de 6% a 8% do faturamento anual na pesquisa de sabores e cheiros. Ao contrário da indústria farmacêutica, que investe pesado em pesquisa na esperança de descobrir um produto que renda fortunas, uma divisão de flavorizantes têm pouca esperança de criar um sabor que revolucione o mercado - tanto porque o gosto é regional como porque a indústria de alimentos quer um sabor distinto, que não possa ser imitado pelas concorrentes. A Givaudan não revela quantos sabores e aromas únicos produz a cada ano; Sebastian Satz, analista de mercado do HSBC Bank PLC, calcula que a empresa faça 50 mil produtos distintos. Peppet disse que o faturamento varia muito de sabor para sabor. Em certos casos, é de milhares de dólares. Só um punhado de flavorizantes chega à casa de um milhão de dólares.

Enquanto isso, os custos da Givaudan estão mais altos. A empresa - que todo ano compra mais de dez mil ingredientes distintos, de baunilha de Madagascar, café e cítricos a temperos, gomas e cascas de árvore - registrou uma alta de 15% no custo de matéria-prima no ano passado.

A indústria de flavorizantes também vive uma comoditização crescente: quatro empresas - Givaudan, International Flavors and Fragrances Inc., Firmenich e Symrise AG - controlam cerca de 65% do mercado mundial, o que faz pressão para que criem sabores que possam competir no quesito ineditismo, não só no preço.

Daí a busca pelo gostinho exato da picanha. De volta aos EUA, Yang começou o longo processo de identificação das centenas de moléculas obtidas de cada prato. A "flavorista" Graziella Viola levou os resultados de Yang de volta ao Brasil, onde passou meses criando uma "receita" de moléculas que recriasse o sabor da picanha.

Aromas freqüentemente incluem moléculas que não têm nada a ver com o prato original. Alguns aromas de cogumelos, por exemplo, são feitos com uma molécula isolada da casca de uma árvore que cresce no Gabão; moléculas de morangos são por vezes usados para criar aromas de kiwi, disse Peppet.

O trabalho de Viola era encontrar moléculas na biblioteca da Givaudan que são aprovadas para uso alimentar e se encaixe tanto na receita quanto no orçamento. A empresa não revela sua receita do sabor de picanha.

Quando sentiu que encontrou a receita certa, Viola criou uma versão natural - ou seja, com moléculas derivadas de fontes vegetais ou animais aprovadas - e uma versão artificial, na qual as moléculas foram criadas totalmente em laboratório.

Para ajudar a promover ideias sobre possíveis aplicações do sabor, a empresa diz que vem oferecendo batatinhas sabor picanha em reuniões com clientes. Segundo a Givaudan, há negociações em curso com vários fabricantes de alimentos para uso dos novos flavorizantes, embora nenhum acordo tenha sido finalizado.

Nos últimos anos, a Givaudan também esteve na Indonésia para estudar o jasmim, em Hangzhou, na China, para examinar o chá, e no norte da Índia para provar certos tipos de pão, samosas e cordeiro picante. A empresa tenta garantir que o pessoal em equipes de pesquisa seja local e conheça bem a comida sendo estudada, disse Peppet.


Veículo: Valor Econômico






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