Por que a coragem de assumir riscos e não demitir em momentos de crise ajuda as empresas na hora da retomada econômica.
Demitir custa caro. Recontratar e qualificar, também. Que o digam os empresários que se precipitaram na crise de 2008. Na ocasião, muitas companhias foram influenciadas pelo pessimismo global e cometeram o erro de dispensar trabalhadores. Em apenas cinco meses, no auge do pânico financeiro, o saldo foi de 506,7 mil demissões. Depois, com a forte retomada da economia em 2010, tiveram de gastar tempo e dinheiro para repor o quadro de funcionários. Ironicamente, foi aberto quase o mesmo número de vagas fechadas: 506,1 mil. As empresas perderam dinheiro na demissão, na contratação – muitas vezes por um salário maior – e no treinamento dos novos funcionários.
“Houve um grande aprendizado na crise de 2008”, diz Fábio Romão, da LCA Consultores. De fato, as lições estão frescas na memória dos executivos, que agora adotam postura diferente. Nem mesmo o crescimento lento da economia no começo do ano (alta de 0,8%) afetou a taxa de desemprego, que continua em níveis recordes de baixa, de apenas 6%. A geração de postos de trabalho é o pilar da atual política econômica, pois aumenta a renda, o consumo e a produção. Nesse círculo virtuoso, o governo está adicionando investimentos públicos. Na sexta-feira 16, no Palácio do Planalto, a presidenta Dilma anunciou uma linha de financiamento de R$ 20 bilhões do BNDES para os governos estaduais, a ser liberada em três meses, e estímulo às parcerias público-privadas.
O objetivo é acelerar as obras públicas que, num segundo momento, puxarão os investimentos privados, despertando o “espírito animal” dos empresários, destacado pelo economista britânico John Maynard Keynes, no início do século passado. Coragem, nervos de aço e tolerância ao risco se fazem mais necessários do que nunca para atravessar momento de turbulências como o atual. Alguns segmentos industriais, entretanto, vivenciam um primeiro semestre particularmente ruim, como a cadeia automobilística e algumas fábricas de eletrodomésticos – as vendas de automóveis, por exemplo, caíram 4,8% até maio. No mês passado, o governo reduziu o IPI do setor automotivo e aumentou o imposto para os eletrodomésticos e motos produzidos fora da Zona Franca de Manaus.
O foco é exatamente preservar o maior patrimônio da atual política econômica: o emprego. Especialistas avaliam que, por enquanto, a demissão de funcionários não está mesmo na agenda da imensa maioria das companhias. Aquelas que passam por dificuldade vêm tratando o assunto como um “período de transição econômica”. Portanto, adotam como prioridade a busca de acordos com os sindicatos. É o caso da MAN Latin America, que fabrica caminhões e ônibus da marca Volkswagen. A empresa registra queda de 11,6% nas vendas de caminhões e de 29,2% nas de ônibus no período de janeiro a maio deste ano.
Para evitar estoques ainda mais excessivos, a MAN tem promovido paradas na produção desde o início do ano e já deu 20 dias de férias coletivas em janeiro e outros 14 dias em junho para os quatro mil funcionários de Rezende, no Rio de Janeiro. “Esperamos que, com a redução de juros do BNDES para caminhões, anunciada no mês passado, possamos voltar a vender mais”, diz Roberto Cortes, presidente da MAN. Já a MWM International Motores, empresa de tecnologia e desenvolvimento de motores a diesel, fechou recentemente um acordo com os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo e de Canoas e Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, que prevê a redução de até 20% da jornada de trabalho e de 15% a 20% dos salários durante três meses.
Em troca, a empresa se compromete a reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas, sem redução de salários, a partir de setembro, e a dar um reajuste de 7,6% retroativo a maio. “Na crise, a primeira coisa que o empresário faz é demitir”, diz Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da cidade de São Paulo. “Mas aí nós lembramos que temos de manter os postos de trabalho para aquecer a economia.” A General Motors, por sua vez, decidiu abrir um Programa de Demissão Voluntária (PDV) na fábrica de São José dos Campos (SP). A empresa garante que está cumprindo o acordo de manutenção de emprego feito com o Ministério da Fazenda.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini, diz que algumas montadoras podem ter problemas pontuais. “Mas não é a regra do setor”, afirma. Há segmentos, no entanto, que ainda não enxergam um futuro promissor. Diante de uma queda de 4,2% nas vendas, a indústria de motos já demitiu 4,6 mil funcionários desde o começo do ano. Quem ficou, trabalha quatro vezes por semana. A Moto Honda da Amazônia acumula um saldo líquido de 300 demissões em sua fábrica na Zona Franca de Manaus, e vem executando paradas estratégicas na produção. Mesmo com a isenção de alguns impostos, as empresas da região manauara sentem o impacto da concorrência com os importados. É o caso das empresas de eletrodomésticos.
“As fábricas estão bem devagar, outras nem operam mais”, diz Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Eletroeletrônicos (Eletros). Para atenuar o prejuízo, Electrolux, LG, Whirpool e Springer Carrier firmaram um acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas de suspender 600 contratos de trabalho por três meses para os segmentos de ares-condicionados e micro-ondas. “As empresas se comprometeram a retomar as contratações até agosto”, diz o presidente da entidade, Valdemir Santana. O otimismo com a recuperação no segundo semestre ganhou algum alento com os números da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), divulgados na quinta-feira 14. Com uma alta de 0,29% no nível de emprego em maio, o setor acumula uma geração de 38,5 mil vagas neste ano.
Para o consultor em recursos humanos Gilberto Guimarães, o momento de enxugar quadros já passou. “Quem tinha que demitir já demitiu”, diz Guimarães. “O momento é de aguardar o segundo semestre, que é mais aquecido.” Ao menos por enquanto, os números do Caged reforçam a tese de analistas, empresários e do próprio governo de que o quadro de demissões é restrito a algumas empresas e que não há nenhum paralelo com a crise europeia. De janeiro a abril, o setor industrial gerou um saldo líquido positivo de 93.237 vagas formais. “Hoje em dia, as indústrias não mandam embora logo na primeira rodada de dificuldades”, diz Romão, da LCA Consultores. Elas, agora, fazem o dever de casa: não demitem, olhando para o médio e longo prazos.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro