Receio é retorno dos recém-emergentes à pobreza, o que seria retrocesso
O maior peso dos alimentos na inflação tira o poder de compra das classes C, D e E/Alisson J. Silva
A inflação tem afetado mais fortemente os consumidores de baixa renda do que os das classes A e B. Os altos preços dos alimentos, item com forte peso para a camada menos favorecida da população, tem corroído o poder de compra dessa parcela de pessoas. O receio agora é que essa situação, somada à alta dos juros, force um retorno dos recém-emergentes da classe C à pobreza, o que seria um retrocesso social e econômico, na visão de economistas.
"O comum de fato é que a inflação afete mais os mais pobres. Isso acontece porque essa classe de pessoas tem menos dinheiro disponível, o que faz com que a perda de renda tenha impacto mais forte sobre o poder de compra delas", afirma o professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas/Faculdade IBS, Mauro Rochlin.
Prova disso é que o Índice de Preços Classe 1 (IPC-C1), indicador calculado pela Fundação Getúlio Vargas que mede a inflação para famílias com renda mensal entre um e dois salários e meio, fechou o mês de janeiro em 2%. Já o IPC-BR, que mostra a inflação para todas as faixas de renda, ficou em 1,73%, o que mostra que o ímpeto inflacionária é maior nas classes mais baixas a nível nacional.
Dentre as faixas de despesa que compõem o índice da baixa renda, cinco apresentaram acréscimo na última pesquisa: transportes (de 0,72% para 5,38%), habitação (de 0,55% para 2,02%), alimentação (de 1,05% para 1,97%), educação, leitura e recreação (de 0,43% para 3,02%) e despesas diversas (de 0,24% para 2,21%). Os principais destaques partiram da tarifa de ônibus urbano (de 0,59% para 8,88%), tarifa de eletricidade residencial (de 1,14% para 8,8%), hortaliças e legumes (de 5,41% para 16,31%).
Ipead - Quando analisada a inflação de Belo Horizonte especificamente, medida pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis (Ipead/UFMG), a realidade é a mesma. O Índice de Preços ao Consumidor Restrito (IPC-R), que mede a inflação nas camadas de renda entre um e cinco salários mínimos, ficou em 0,76%. Já o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que cobre todas as faixas de renda, elevou 0,57% no mesmo período.
O gerente da pesquisa, Eduardo Antunes, explica que o impacto é maior para as classes C, D e E por causa do maior peso dos alimentos para essa camada da população. "A alimentação tem um peso significativo para essas classes. E temos que levar em conta que estamos passando por altas consideráveis dos alimentos nos últimos meses", afirma. Somente em fevereiro, ele cita como exemplos de altas: tomate, que subiu 22%; ovo de galinha, com alta de 22%; cenoura, 21%; feijão carioquinha, 14,5%; e do molho de tomate, com 13,70%.
Diante da corrosão da renda proporcionada pela inflação, parte significativa das pessoas que migraram para classes superiores nos últimos anos estão retomando às classes de origem.
"Quando ocorre migração de renda, sempre existem aquelas pessoas que ficam no limite entre uma camada e outra, ou seja no limiar de renda. Com a perda de poder aquisitivo, elas são as primeiras a descer para a classe anterior. E esse é um movimento que já está ocorrendo na prática", afirma o diretor de economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Andrew Storfer.
O economista explica que a elevação das taxas de juros agrava o quadro porque reduz ainda mais o poder de compra das classes menos favorecidas. Ele ressalta que, mais do que um retrocesso social, a mudança traz impactos econômicos. "Se o consumidor não tem dinheiro disponível, as vendas do comércio reduzem. Se as vendas caem, a produção industrial segue a mesma lógica. Então é um movimento bastante danoso à economia", afirma.
Veículo: Diário do Comércio - MG