Alta dos preços muda a rotina de consumo

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Alta da gasolina, da conta de energia, dos impostos e, consequentemente, do transporte. O empresário aperta, reclama, corta os gastos, ameaça demitir e repassa o ônus para os preços finais. Na outra ponta está o trabalhador, cada vez mais acuado (e assustado) com o custo de vida. De acordo com os economistas, no caso do assalariado, não há muitas alternativas: ou muda a rotina de consumo ou se torna refém da inflação. Diante do arrocho, o consumidor é forçado a baixar a qualidade do seu padrão de vida: gasta agora menos em lazer, compra substitutos de menor qualidade, além de cortar até hábitos tradicionais da vida familiar.

É o que tem feito o trabalhador soteropolitano. Não para menos: em Salvador, somente a gasolina e a energia elétrica aumentaram, em média, 13,92% e 9,18%, respectivamente, no mês passado, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com a alta do custo de vida, a costureira Iraildes Moitinho, aos 75 anos, foi obrigada a dispensar a empregada doméstica: "Além do custo com o salário, a maioria delas desperdiça muito os produtos em casa, coisa que a gente não está mais podendo bancar", conta.

Casada com um bancário aposentado, Iraildes já estava até pensando em deixar de costurar para fora, mas diante da alta dos preços, foi forçada a continuar complementando a renda familiar. Ela também já não compra mais a mesma quantidade de roupas e sapatos.

"Dou prioridade agora aos produtos essenciais, como alimentos", revela. Ainda assim, no supermercado, a costureira sempre fica atenta à possibilidade de substituições: "Se o mamão tiver caro, não levo; pego outra fruta; carne agora lá em casa, só um pouquinho mesmo, para o meu marido, que faz mais questão", diz ela, que mora ainda com dois netos, de 22 e 24 anos.

O carro

A vida dos filhos casados de Iraildes também mudou: "Agora, todo mundo vai, em um carro só, lá para casa no final de semana". O motivo? O alto custo da gasolina. O preço do combustível levou também o eletrotécnico José Augusto Cavalcanti, de 39 anos, a comprar uma moto, que consome menos gasolina, para ir para o trabalho. "Só uso o carro agora para sair com a família no final de semana", conta. Ele também cortou as viagens que fazia com frequência ao município de Esplanada, distante cerca de 150 km de Salvador. "Sempre ia ver meus parentes no interior, mas agora não dá mais", lamenta o rapaz, que é casado e tem um filho de nove anos.

Já o coronel militar aposentado Aristóteles Borges, 62 anos, diz que ainda está dando para manter o padrão de vida. "O preço de tudo aumentou, mas estou apertando o bolso para poder comprar as marcas que mais gosto", conta. O que a alta generalizada dos preços mudou na rotina dele? "Volta e meia, tenho de socorrer, com empréstimos, meus dois filhos, em início de carreira e formação de família", revela.

Efeito em cadeia

"É mesmo no bolso do assalariado que recai o peso da inflação, já que, ao contrário do empresário, ele não tem para quem repassar a alta dos preços", frisa Joilson Rodrigues, coordenador na Bahia da Supervisão de Disseminação de Informações do IBGE.

Rodrigues destaca o efeito em cadeia dos novos custos com a gasolina, óleo diesel e energia elétrica. "Não se pode alegar que os aumentos não foram destinados à faixa mais pobre da população, porque embora não se tenha o consumo diretamente, tais produtos têm interferência sistêmica na economia, com impacto na alta generalizada de preços", diz.
É isso que explica o susto quase que diário que o consumidor tem tomado nos últimos dois meses: aumentou a gasolina e, com ela, o preço do transporte coletivo, dos serviços de van escolar; do frete de todos os produtos do supermercado e, consequente, os preços de quase tudo nas prateleiras. O mesmo efeito cascata vale para a energia elétrica e o diesel.

Há ainda os reflexos da crise hídrica em São Paulo, principal centro produtivo do país, e do aumento do salário mínimo em janeiro, pago já desde o mês passado, razão alegada para o reajuste da creche das crianças, do condomínio e nos preços do açougue e do mercadinho da esquina. Na padaria, por sua vez, o preço do pãozinho também subiu, agravado ainda pela alta do dólar e os efeitos previstos na importação do trigo.

"Não tem para onde correr porque o empresário repassa o custo mesmo, o que até o leva a ter uma queda nas vendas. Mas, ainda assim, é raro que abra mão da margem de lucro", frisa Rodrigues. O técnico do IBGE lembra ainda que as dificuldades de vendas das empresas acabam levando a um outro fator negativo para o assalariado: "Alegando insegurança econômica, o empregador pouco avança nas negociações do dissídio coletivo, levando o trabalhador a pagar duplamente pelo cenário atual da economia do país", conclui.

Baiano é penalizado

A inflação acumulada em Salvador em 2015 é de 2,56%, maior que a média nacional de 2,48%. A capital baiana ainda registrou em fevereiro a maior média na alta generalizada de preços em todo o país:  1,61%.

De acordo com dados do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os produtos que mais subiram de preço na capital baiana no mês passado  foram a  gasolina (13,92%) e a energia elétrica (9,18%). Os alimentos subiram, em média, 1,46%. 

Os dados refletem a apuração  pelo  Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que avalia uma cesta de itens consumidos por famílias que ganham até 40 salários mínimos: até R$ 31.520. No caso específico de Salvador, o índice que mais reflete a realidade da maioria da população é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

"É o índice que toma como base a renda familiar de até cinco salários (até R$ 3.940) -faixa em que se encontra  mais de 60% dos habitantes da capital baiana", explica Joilson Rodrigues, coordenador de Disseminação de Informações do IBGE. Neste caso,  a inflação acumulada na capital baiana foi ainda maior: 2,59%

Somente no que se refere aos custos com alimentação, a alta dos preços tem exigido contorcionismos do orçamento do trabalhador. Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o soteropolitano tem gasto mais que um salário mínimo (R$ 788) para comprar apenas os 12 produtos que compõem a cesta básica: o custo foi de R$ 934,95, em média, no mês passado.

O Dieese estima que, para poder dar conta somente dos custos essenciais, o salário mínimo em fevereiro deveria ter sido de R$ 3.182,81, mais de quatro vezes o valor atual.

Entenda por que valores subiram tanto no Brasil

Crise política, escândalos de corrupção, contas do governo que não batem. O país precisa restaurar a credibilidade no mercado internacional para voltar a atrair recursos internacionais. "Se o país ainda apresenta déficit fiscal, o risco de investir no Brasil aumenta e afugenta os interessados". É o motivo da recente da alta dos preços no país, diz a  economista Shirley Silva.

Ela explica que o governo tem que promover o superávit nas contas públicas, ou seja, arrecadar mais do que o que gasta. Daí porque vem eliminando incentivos e reajustando preços que estavam subsidiados, afetando toda a economia. 

"Não adiante criticar o empresário como se fosse o vilão, até porque não interessa para ele a queda do poder de compra", diz Shirley. "O fato é que o governo tem buscado aumentar a receita para tentar fechar as contas, mas embora o ajuste seja necessário, certamente, precisa ser bem dosado para não comprometer a economia", alerta.



Veículo: A Tarde - BA


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