Consumidor emergente pisa no freio

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As mulheres do Leste Europeu estão comprando menos produtos de maquiagem e os homens estão bebendo menos cerveja. Estes são apenas dois dos reveses mostrados pela mais recente safra de balanços.

Mas estes são os mesmos mercados que - particularmente para o altamente exposto setor de produtos de consumo - se tornaram um sinônimo de crescimento e depositários de grande parte da alocação de capital e recursos.

O grupo de cosméticos L'Oréal e a Reckitt Benckiser soaram mais alto os sinais de alerta.

Rakesh Kapoor, o novo presidente-executivo da companhia farmacêutica e de produtos de uso doméstico, disse a investidores: "A verdade é que este ano o crescimento dos mercados [emergentes] está sendo menor que nos anos anteriores".

De sua parte, a L'Oréal anunciou uma queda de 1,5% nas vendas no Leste Europeu no terceiro trimestre, em comparação ao mesmo período do ano passado, além de uma "desaceleração" no Brasil. Empresas de vendas diretas como a Avon e a Natura também registraram uma desaceleração no maior mercado da América Latina, embora em parte devido a interrupções extraordinárias.

Os consumidores brasileiros estão mais endividados - um mau prenúncio para itens caros como TVs e carros

"Definitivamente há sinais de desaceleração no crescimento dos mercados emergentes", diz Eva Quiroga, analista do UBS. Ela prevê que o crescimento geral desses mercados - que respondem por entre 30% e 50% das vendas dos grupos europeus de produtos de consumo, mas geralmente menos para as companhias americanas do setor - será de 12% a 15%.

O mercado do Leste Europeu vem representando um obstáculo em particular. Os fabricantes de cerveja, que enfrentam um grande aumento dos impostos na Rússia, como parte dos esforços do país para conter o abuso das bebidas alcoólicas, também falam sobre o retraimento do consumidor.

Jorgen Buhl Rasmussen, presidente-executivo da Carlsberg, da Dinamarca, aponta para a inflação dos alimentos básicos como o pão, macarrão e arroz.

"Isso vem mantendo os consumidores um pouco retraídos em 2011", disse o executivo, após anunciar uma queda de 9% no volume orgânico de cerveja vendido no leste da Europa no terceiro trimestre.

Até mesmo a Unilever - decana das campeãs nos mercados emergentes, que realiza mais de metade de suas vendas nos países em desenvolvimento e gerou um forte crescimento na região no terceiro trimestre - emitiu uma nota de cautela em relação ao Leste Europeu.

A fabricante do xampu Dove e da margarina Flora chamou a região de o mercado emergente mais desafiador, observando as condições "duras" na Rússia em particular, com a inflação a taxas anualizadas de 9% a 10% e um alto nível de aumento dos preços.

A inflação alta também está por trás do crescimento moderado no Brasil, segundo analistas. Os consumidores brasileiros estão mais endividados - o que não é um bom prenúncio para itens mais caros como televisores e automóveis, segundo observa Michael Steib, analista do Morgan Stanley.

De modo oposto, ele acredita que o aumento do salário mínimo no ano que vem será traduzido em mais vendas de produtos de consumo como xampus e cerveja - um ponto também enfatizado pela AB InBev, a maior fabricante de cerveja do mundo, que tem uma participação de quase 70% no mercado brasileiro.

Enquanto isso, a SABMiller viu seus volumes de venda caírem na China no segundo trimestre, 1% em relação ao terceiro trimestre de 2010, em comparação a um crescimento de 14% no trimestre anterior. Entretanto, os números trimestrais são irregulares e problemas climáticos também cobraram seu preço.

Embora Steib concorde que, como um todo, os mercados emergentes terão uma desaceleração no ano que vem, ele observa que o desempenho vai variar muito de país para país, com a Índia, Indonésia e China ainda mostrando crescimentos vigorosos.

Mais preocupante para ele é a "competição irracional" enfrentada pelo setor, da qual o exemplo mais antigo e evidente é a guerra dos sabonetes na Índia entre a Procter & Gamble dos Estados Unidos e a Unilever. As duas companhias estão brigando pela supremacia no mercado indiano de detergentes, usando cortes de preços agressivos, campanhas publicitárias e medidas legais.

Mas no geral a concorrência está esquentando, uma vez que "todo mundo está perseguindo aquele último consumidor indiano e chinês porque as empresas não estão conseguindo crescer na Europa Ocidental", afirma Steib.

Isso está criando vários pontos de pressão na cadeia de fornecimento. A demanda crescente significa custos maiores de mídia e logística, além de custos com talentos, com tudo isso espremendo as margens de lucro - uma tendência já em evidência na última safra de balanços.

Isso é um testemunho da ascensão dos concorrentes domésticos. Modelos financeiros diferentes sempre possibilitam a eles operar com margens muito pequenas, dando-lhes mais flexibilidade nas guerras de preços.

Mesmo com descontos, observa outro analista sobre os estímulos proporcionados na última safra de resultados pelos aumentos de preços, adotados para compensar o aumento dos custos dos insumos.

Como muitos preços de insumos estão agora se revertendo, poderá ser difícil repetir isso - deixando o crescimento das linhas mais sofisticadas mais dependente do crescimento do volume. "Além disso, a questão será, em um ambiente de consumo enfraquecido, será que esses caras continuarão aumentando os preços?", diz Quiroga.


Veículo: Valor Econômico


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