Há duas semanas comentamos aqui a publicação do relatório "A Farra do Boi na Amazônia", de autoria do Greenpeace, que mostrou como o governo brasileiro financia a destruição da floresta amazônica por meio de empréstimos e participação em frigoríficos envolvidos em desmatamento ilegal, como Bertin, JBS e Marfrig. O estudo destrinchou os elos da cadeia produtiva da pecuária e deu nome aos bois ao indicar as empresas que involuntariamente alimentam essa produção, provavelmente por não conhecerem toda a origem da matéria-prima que utilizam ou dos produtos que distribuem - de carnes a couro. Foram citadas: Adidas, BMW, Carrefour, Eurostar, Ford, Honda, Gucci, Ikea, Kraft, Nike, Tesco, Toyota e Wal-Mart.
E, em duas semanas, houve uma reação igualmente em cadeia. O IFC, braço financeiro do Banco Mundial para o setor privado, anunciou dia 13 de junho que descontinuaria a parceria com o Bertin - acusado também de comprar gado em propriedade nos domínios de terra indígena no Pará - que incluía um empréstimo de US$ 90 milhões para expandir suas operações na Amazônia. Paulo Adário, diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace, assim como Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, aproveitaram a deixa para cobrar do BNDES postura semelhante à do IFC e cortar investimentos na expansão de atividades pecuárias na Amazônia.
Três dias depois de o IFC suspender o financiamento ao Bertin, o frigorífico anunciou a adesão ao Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, que - liderado pelo IFC -, tem como objetivo discutir e formular normas e práticas capazes de colaborar com a evolução sustentável da cadeia produtiva do gado no Brasil. Reúne representantes do setor pecuarista, membros da indústria, do comércio e finanças, da sociedade civil, de universidades e de instituições financeiras.
Em um comunicado ao público, o frigorífico se comprometeu "a adotar medidas que contribuam para influenciar no debate e na revisão de normativas socioambientais na busca da adequação de todos os elos da cadeia produtiva da carne bovina à legislação".
"Esperamos contribuir com o avanço da agenda da sustentabilidade no setor e estabelecer uma relação positiva com todas as partes envolvidas", afirmou Simone Soares, diretora de Comunicação e Sustentabilidade da Bertin.
Segundo o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, o problema da no setor é complexo e sua solução passa por medidas estruturantes de médio e longo prazos. A pecuária no Brasil ocupa mais de 172 milhões de hectares com mais de 160 milhões de cabeças de gado, onde grande parte do mercado ainda é organizada por meio da economia informal e falta um sistema público de rastreabilidade da produção, que garanta a sua origem e o atendimento à legislação e às práticas socioambientais.
Em reação aos últimos acontecimentos, o grupo marcou sua primeira assembléia geral, quando será oficializada a figura jurídica do grupo e apresentado o plano de trabalho para os próximos meses. Estão sendo convidados produtores, empresas, instituições financeiras e organizações da sociedade civil.
Nesse meio tempo, outras empresas também reagiram. Segundo nota divulgada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart decidiram suspender as compras das fazendas envolvidas no desmatamento.
O que faz pensar: por que esses comportamentos do setor empresarial e financeiro costumam ser mais reativos do que proativos? Por que não se antecipam a prováveis futuros problemas? Por que precisa do "barulho" para se provocar uma reação em cadeia? O Wal Mart, por exemplo, não teria condições de fazer investigações sobre sua cadeia de fornecedores? Era dada como certa que a bola da vez no radar das pressões socioambientais, após a soja, seria a pecuária.
Daniela de Fiori, vice-presidente de assuntos corporativos do Wal Mart, em um debate sobre responsabilidade social promovido dia 15 de junho na Conferência Internacional do Instituto Ethos, em São Paulo, afirmou que precisa um esforço enorme para se conseguir rastrear, em sua totalidade, a cadeia da carne, que chega a ser formada por nove elos - o fornecedor do fornecedor do fornecedor, e assim por diante - ainda mais em uma gama gigantesca de produtos distribuídos por sua rede de lojas. "O setor de varejo provavelmente é um dos mais expostos", disse. "Mas o relatório serviu para mostrar que o problema era ainda maior do que se imaginava".
Veículo: Portal Terra