Consumidor vai além do arroz e feijão

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Com o reforço de produtos mais sofisticados, desembolso médio nos supermercados cresceu 19% no primeiro semestre

 

O brasileiro está consumindo mais alimentos e itens de higiene e limpeza sofisticados. O gasto com produtos tidos como supérfluos cresce a um ritmo que chega a ser quase o dobro do registrado com itens básicos. Ganho de renda, emprego formal crescente, crédito farto e preços estáveis explicam o aumento de produtos no carrinho de compras. Os supermercados comemoram a tendência, pois obtêm maior lucro com esses itens.

 

Entre alimentos e artigos de higiene e limpeza considerados "não básicos", como sorvete, fralda descartável e detergente líquido para roupas, por exemplo, o desembolso médio aumentou 19% no primeiro semestre em relação a igual período de 2009, aponta pesquisa da Kantar Worldpanel. Enquanto isso, o gasto médio com produtos básicos, como óleo, açúcar e sabão em pó, cresceu 10%.

 

Segundo a pesquisa, que visita semanalmente 8,2 mil domicílios em todo o País para avaliar o comportamento de compras de 65 produtos, dos quais 23 básicos e 42 não básicos, o movimento de sofisticação do consumo é generalizado. "Todo mundo está sofisticando o consumo, especialmente as camadas de menor renda", afirma a diretora comercial da Kantar Worldpanel, Christine Pereira.

 

As classes D e E ampliaram em 23% as compras de itens supérfluos em valor no primeiro semestre na comparação com 2009, diz ela, enquanto os estratos A/B aumentaram a compra desses produtos em 17%. Na classe C, a alta foi de 19%.

 

Já a expansão do gasto com produtos básicos foi de 10% para todas as classes no mesmo período. A pesquisa considera como classes A/B as famílias com renda média mensal entre R$ 2.012 e R$ 9.733, a classe C com rendimento médio de R$ 1.587 e as classes D/E com renda média mensal familiar de R$ 950.

 

"Não há mais grandes paredões de sacos de arroz nos supermercados como no passado", diz o vice-presidente de Relações Corporativas do Grupo Pão de Açúcar, Hugo Bethlem. Ele confirma que, com o ingresso de cerca de 25 milhões de brasileiros na classe C, os consumidores passaram a buscar um cardápio mais diferenciado. Bethlem conta que a venda média na sua empresa cresceu nos últimos tempos tanto em número de itens quanto em valores absolutos.

 

Feijão e arroz. O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda, ressalta que o consumo de arroz e feijão não tem crescido no mesmo ritmo de outros alimentos industrializados. A economista do Santander Luiza Rodrigues explica que é normal que os produtos básicos não aumentem de forma acelerada quando há ganhos de rendimento. "A renda excedente tende a ser direcionada para outros setores do comércio", diz ela.

 

Para a economista, o que sustenta essa mudança é o emprego e a renda. Em agosto, último dado disponível, a taxa de desemprego medida pelo IBGE foi a menor em 15 anos, descontadas as influências sazonais. O indicador ficou em 6,7%. "Para setembro, esperamos um resultado ainda menor, de 6,5%", diz Luiza.

 

Outro pilar desse movimento, aponta, é o crescimento da massa de renda, que foi 8,8% maior em agosto deste ano na comparação com o mesmo mês de 2009, descontada a inflação do período. "É um ritmo incrível que não se via há muito tempo."

 

Fabio Romão, economista da LCA Consultores, pondera que essa mudança é resultado de combinação favorável de fatores que ocorrem há algum tempo. De 2004 a 2008, o PIB cresceu de forma sustentada. Além disso, desde 2004, o rendimento médio real dos trabalhadores das classes D e E aumentou acima da média da população.

 

Honda, da Abras, confirma o aumento da procura por produtos mais sofisticados, principalmente pelas camadas de menor renda. Mas observa que há diferenças em relação a outras épocas. No passado, diz, a economia crescia por um curto período e depois recuava. Por isso, o consumidor apenas experimentava esses itens. Agora, os produtos sofisticados foram incorporados à cesta de compras porque o ritmo de atividade tem se mantido.

 

''Refrigerante era só aos domingos''

 

Com o aumento da renda, novos produtos foram incluídos nas compras de supermercado

 

Em quase um ano, o carrinho de compras da família Fucidji aumentou. Igor e Débora casaram em novembro do ano passado e gastaram na primeira compra mensal de supermercado R$ 270. "A nossa despesa era só de produtos básicos."

 

Na sexta-feira, o casal, que comemora o nascimento da primeira filha, Luiza, de 37 dias, desembolsou R$ 350 no supermercado, quase 30% a mais do que 11 meses atrás.

 

Além das fraldas e do leite para a filha, as compras da família, que tem renda mensal de R$ 3.500, incluem salgadinhos, sucrilhos, pipoca, suco e queijo petit suisse, entre outros itens tidos como não básicos. Igor contou que, logo quando casaram, refrigerante era só aos domingos e agora já faz parte do dia a dia.

 

A mudança de comportamento de consumo ocorreu porque no ano passado ambos tinham dívidas com pagamento em atraso. Por isso, a decisão do casal para começar uma nova vida foi zerar o placar das dívidas, economizando nas compras de supermercado.

 

Quase um ano depois, Igor disse que o cenário é bem diferente: ele até pode se dar ao luxo de comprar itens supérfluos e ainda fazer uma poupança, sonhando com a casa própria.

 

As compras de supermercado também estão mudando para a estudante de educação física Angela Tatiane da Silva. Bolacha recheada, iogurte, requeijão, sorvete e pratos prontos congelados passaram a fazer parte da lista de compras, mas esporadicamente.

 

Com renda mensal de R$ 600 que recebe pelo estágio na academia na qual trabalha, Angela contou que os seus rendimentos tiveram aumento de 8% neste ano. "A renda melhorou", disse a estagiária, que mora com a mãe e é a principal renda da casa.

 

Apesar do reajuste, ela considera a sua renda muito baixa, por isso é que faz uma espécie de "rodízio" na compra de itens tidos como sofisticados. Isto é, a cada ida ao supermercado compra um desses produtos para "matar a vontade".

 

A microempresária Marcela Rodrigues ampliou as compras de alimentos e artigos de higiene e limpeza praticamente na mesma proporção do aumento da renda. Com mais clientes, o faturamento da sua empresa cresceu 30% neste ano e os gastos no supermercado, 25%.

 

Norte e Nordeste lideram compras de supérfluos

 

O macarrão instantâneo estreou na dispensa de 614 mil famílias das Regiões Norte e Nordeste das classes D e E no primeiro semestre deste ano, assim como 537 mil lares da região desses estratos sociais passaram a consumir iogurte e 460,5 mil famílias começaram a beber leite aromatizado. Já um item básico, como a margarina, saiu da lista de compras de 141,5 mil famílias dessas regiões das classes D e E.

 

Os dados fazem parte da pesquisa Kantar Worldpanel, que mostra que os consumidores das classes D e E, do Norte e Nordeste, lideraram as compras de produtos sofisticados no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2009 entre as demais regiões do País para esse mesmo estrato social.

 

Segundo a pesquisa, entre janeiro e junho deste ano, as vendas de produtos não básicos de alimentos e itens de higiene e limpeza cresceram no Norte e Nordeste 32% em valor, na comparação com igual período do ano passado, e 22% em volume.

 

A região "lanterninha" do ranking foi a Sul. Nessa região, o consumo de itens não básicos para as classes D e E cresceu só 2% em valor no primeiro semestre deste ano em relação a igual período de 2009 e 1% em volume.

 

Christine Pereira, responsável pela pesquisa, observa que a liderança do Norte e do Nordeste no consumo de itens sofisticados resulta do fato de que essas regiões reúnem o maior contingente das classes D e E.

 

Além disso, observa o economista da LCA Consultores Fábio Romão, o salário mínimo, que tem tido ganhos reais vigorosos desde 2005, com alta de 6,1% e 5,8% em 2009 e 2010, respectivamente, tem forte influência como indexador dos rendimentos nessas regiões. No Nordeste, o mínimo é o parâmetro de reajuste de 49% da força de trabalho, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008. No País como um todo, esse índice cai para 29%.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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