China ocupa espaço do Brasil na Argentina

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Por Marta Watanabe e Marli Olmos | De São Paulo e Buenos Aires

O mau desempenho das exportações brasileiras aos argentinos tem sido creditado à situação econômica do país vizinho, mas estatísticas oficiais do governo argentino indicam que a queda também pode ser resultado de perda de participação de mercado.

Os dados mostram que as importações argentinas originadas do Mercado Comum do Sul (Mercosul) caíram 18% no primeiro semestre de 2014, na comparação com igual período de 2013. As importações vindas da China cresceram 2% e as provenientes do Nafta, bloco formado por Estados Unidos, Canadá e México, tiveram alta de 9%. Isoladamente a China já tem fatia bem próxima à dos três países do Nafta juntos - cerca de 16% - nos desembarques totais argentinos. A importação total da Argentina em igual período caiu 8%. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, a exportação brasileira para os argentinos caiu 20,4% na mesma comparação.

Para analistas, os números são resultado de uma pauta brasileira para a Argentina altamente concentrada em automóveis, partes e peças. Além disso, a estratégia comercial, com busca por parceiros mais fortes e com facilidade de financiamento, favorece os fornecedores da China e do Nafta, em detrimento dos sócios do Mercosul.

O avanço da China é puxado por duas categorias de uso: bens de capital, com alta de 11%, e bens intermediários, com elevação de 10%. Nas duas categorias as importações argentinas do Mercosul caíram 21% e 7%, respectivamente. Os países do Nafta também conseguiram elevar a exportação de bens de capital aos argentinos, com alta de 66% de janeiro a junho.

Como resultado, os chineses e os países da América do Norte avançaram no mercado de bens de capital importados pelo sócio brasileiro no Mercosul. A importação argentina desse tipo de bem com origem no Nafta alcançou 20,9% do total de US$ 5,91 bilhões em máquinas e equipamentos importados pela Argentina no primeiro semestre de 2014.

No ano passado, a fatia dos bens de capital provenientes do Nafta era mais modesta, de 13,4%. No mesmo período, as máquinas e equipamentos feitas na China avançaram de 24,3% para 25,4%. Não foi um ganho tão grande, mas na mesma comparação o Mercosul perdeu participação, com queda de 25,7% para 19%.

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o controle das importações e da liberação de dólares favorece a compra de fornecedores com maior capacidade de financiamento próprio. Esse é o caso principalmente dos exportadores chineses. "Essa facilidade faz com que o fornecedor da China ofereça maior flexibilidade para prazos de pagamento em troca da oportunidade de ganhar mercado", diz Castro.

Os chineses conseguiram elevar em 10% a venda de produtos intermediários aos argentinos de janeiro a junho, contra iguais meses do ano passado, mesmo com a queda de 3% na importação desse tipo de produto pela Argentina, no mesmo período. A importação de intermediários com origem no Mercosul caiu 7%.

"Os dados levam a uma reflexão. Até que ponto o Mercosul é mesmo tão importante para o Brasil?", questiona Castro. A ideia que se tem, diz ele, é que o Mercosul garantiria uma espécie de reserva de mercado para o Brasil na exportação para os argentinos. "Mas não é bem isso que tem acontecido."

O Brasil, lembra Castro, perdeu espaço nas importações do país vizinho por conta da queda da importação de automóveis. O setor automotivo é um dos que mais sofrem tanto pelas restrições do governo argentino à entrada de produtos estrangeiros como pela queda de demanda provocada pela crise.

O desembarque de automóveis no país caiu 35% no primeiro semestre, em relação a iguais meses de 2013. Os carros importados do Mercosul caíram 23%. O bloco representou 77,7% das importações argentinas de veículos de janeiro a junho. A venda de intermediários e de bens de capital, diz Castro, poderia compensar para o Brasil ao menos parte da perda de divisas com exportação de carros.

"A desaceleração das vendas de veículos no mercado argentino atinge o Brasil", afirma o economista Ricardo Delgado, da consultoria Analytica, de Buenos Aires. Segundo ele, nesse caso não se trata de a China ter ocupado o espaço brasileiro nas vendas do setor. Os produtos chineses que entram no mercado argentino estão mais relacionados a eletrônicos, o que não é uma competência de países do Mercosul."

O setor automotivo foi o primeiro a sofrer com o início da recessão argentina, que começou a aparecer com a contração do PIB em 0,8% no primeiro trimestre na comparação com os últimos três meses de 2013. A produção de veículos, altamente dependente de componentes produzidos no Brasil, registrou queda de 19,8% em junho, na comparação com igual mês do ano passado. No mercado interno, as vendas das montadoras para os revendedores caíram 40%, segundo a Adefa, entidade que representa fabricantes argentinos.

Já a China vende para os argentinos produtos de menor valor agregado. Componentes para uso em eletrônicos e celulares ficaram com a maior fatia das exportações da China para a Argentina em 2013. O país sul-americano gastou US$ 4,21 bilhões com esses produtos, o que representou 37% do total de US$ 11,312 bilhões que o país asiático exportou para o mercado argentino, segundo dados da consultoria Abeceb, com base nas informações do Ministério da Economia argentino. A fatia dos eletrônicos é bem maior do que a de outros segmentos, como produtos têxteis, brinquedos, autopeças, e peças para equipamentos fotográficos, além de plásticos, com participações entre 2% e 4% cada um.

A China parece menos prejudicada dos que os outros países na política de restrições às importações do governo de Cristina Kirchner. O valor anual de embarques de produtos chineses praticamente duplicou nos seis últimos anos. Ao mesmo tempo, as exportações argentinas para o país asiático, sustentadas pela soja, ficaram estagnadas. Isso fez com que a balança comercial entre os dois países revertesse em favor dos chineses nos seis últimos anos.

"É natural que as restrições às importações tenham prejudicado mais o Brasil, que é um grande fornecedor, com produção integrada em alguns setores", diz Rodrigo Branco, pesquisador do Centro de Estudos de Estratégias de Desenvolvimento (Cedes/Uerj). Para ele, a maior entrada de bens chineses também pode ser creditada aos investimentos dos países asiáticos na Argentina, muitas vezes atrelados a compras de bens de capital e insumos da China. "De qualquer forma, a perda de participação será de difícil recuperação."



Veículo: Valor Econômico


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