Produção leiteira passa por momento promissor

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Diálogo entre elos da cadeia e ações de estímulo inserem setor em um cenário positivo para expansão da produção e busca da qualidade


Com perspectivas prósperas, a bacia leiteira do Rio Grande do Sul nunca foi alvo de tantos debates e prognósticos positivos. As projeções do Ministério da Agricultura (Mapa) são de que se consiga aumentar em 50% a exportação do leite nos próximos 10 anos. O Mapa destaca que as grandes apostas são nas melhorias para que o pequeno produtor possa aumentar a produtividade e na expectativa de aumento do consumo interno do leite. “A expectativa não podia ser melhor”, avalia o superintendente federal da pasta, Francisco Signor. “Tínhamos um prognóstico muito ruim e, para nossa surpresa, o leite melhorou nos quesitos qualidade e preço”, destaca.

Com o melhor preço pago ao produtor desde 2007, a cadeia é favorecida pelo contexto internacional e vê a possibilidade de aumento do consumo interno, dentro desse cenário, como um dos grandes impulsionadores do segmento. Dados da Emater apontam que, de 2008 a 2012, a produção nacional tem ficado abaixo da expectativa de consumo, que registra aumento. Isso porque, ao mesmo tempo em que o mercado de consumo interno é potente, os preços pagos ao produtor não estimulavam. “Neste momento, os preços internacionais estão lá em cima. É um bom cenário para o produtor se organizar ainda mais e fazer o caixa”, sinaliza o assessor técnico da Emater Lauro Edilson Bernardi, que ressalta que este é o melhor momento para investir.

O leite é um alimento cada vez mais representativo no Rio Grande do Sul, estado que ocupa o segundo lugar no ranking nacional em volume. “A produtividade gaúcha é mais alta, o clima é mais adequado e permite trabalhar com mais qualidade com o gado holandês, então, tudo indica que seremos os grandes produtores de leite do Brasil”, prevê o presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Laticínios (Apil), Clovis Marcelo Roesler. Para o dirigente, em poucos anos, o Rio Grande do Sul vai superar Minas Gerais, que é, no momento, o maior produtor.

A cadeia como um todo passa por um momento muito positivo, mas o assessor de política agrícola da Fetag, Airton Hochscheid, alerta que, no entanto, há desafios a serem vencidos. A implantação de medidas anunciadas pelo governo estadual e, principalmente, a qualificação para o produtor são fundamentais para garantir maior produtividade e qualidade ao produto gaúcho. “Em termos de linhas de financiamento, estamos muito bem servidos. Precisamos, agora, ampliar e qualificar a assistência técnica para que aquele produtor que deseja fazer investimento possa obter o retorno que ele espera”, argumenta. O presidente da Apil lembra que, nesse aspecto, a qualificação é mais promissora do que o próprio investimento financeiro.

Embora a produção gaúcha ainda tenha questões a superar, a atual situação da cadeia desenha um dos períodos de maior perspectiva de crescimento e as oportunidades acompanham os prognósticos positivos. O consultor da Câmara Setorial do Leite da Secretaria da Agricultura Oreno Ardêmio Heineck ressalta que os produtores têm garantida a compra do leite pelas indústrias por conta da ociosidade produtiva. “Para os transportadores (não atravessadores), há garantia de frete ascendente; para as indústrias, a possibilidade de expansão natural de 40% no mercado nacional e de conquista de um mercado externo hoje inexplorado no País; e, para os fornecedores de máquinas, equipamentos e insumos, a disponibilização da clientela de uma cadeia produtiva que agora está se estruturando, se organizando e se qualificando”, acrescenta sobre as perspectivas num horizonte de 10 anos.
Setor recrudesce ações de combate à fraude

A Operação Leite Compensado, que completa três meses, evidenciou a ocorrência de uma adulteração até então desconhecida pelo setor. Durante a fase de transporte do leite cru para a indústria, fraudadores adicionavam água e ureia com formol ao produto – a primeira para elevar a quantidade de proteína da mistura e o formol para mascarar a presença de ureia. “A operação foi necessária para dar visibilidade às distorções ainda existentes, especialmente no segmento coleta e transporte, no qual havia, e está sendo enfrentado, um certo vazio de ação do Estado”, detalha o secretário adjunto da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa), Cláudio Fioreze. Além de adotar a Instrução Normativa 62 do Ministério da Agricultura estabelecer programas de qualidade da coleta e transporte, entre outras ações, a Seapa prevê para este ano a contratação de 130 novos fiscais estaduais agropecuários – 110 destinados à inspeção sanitária agropecuária.

“O mundo inteiro desconhecia essa fraude”, menciona o presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat-RS), Wilson Zanata. “Estamos com uma agenda positiva junto ao Ministério da Agricultura para que as análises sejam transparentes e eficientes”, acrescenta. Trabalhando em conjunto, Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SFA/RS), Seapa, Sindilat e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) promovem ações de orientação aos produtores, detalhando as condições em que o leite deve ser entregue e transportado até a indústria.

“Acredito que vamos demorar muito tempo, agora, para ter problema de fraude. O Mapa vai exigir cada vez mais das empresas que cuidem daquilo que recebem, conforme determina a legislação”, assegura o superintendente federal do Ministério da Agricultura, Francisco Signor. “Esse diálogo sempre existiu e tem sido fortalecido. Somos a favor da fiscalização e da transparência. Ninguém brinca com isso”, salienta Zanata.
Poder público, produtores e indústria debatem propostas

Com o objetivo de dobrar a produção de leite em 10 anos, a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa) divulgou, ainda no contexto da crise, uma série de iniciativas para impulsionar o setor. As medidas, conforme o consultor da Câmara Setorial do Leite da Secretaria da Agricultura Oreno Ardêmio Heineck, devem estar implantadas em setembro, segundo estimava do secretário-adjunto da Seapa, Cláudio Fioreze.

Duas propostas têm foco direto no estímulo ao produtor. O programa Mais Água Mais Renda, que assegura subsídio total (considerando carência, prazo, juros fixos e subvenção de 30% do governo estadual) de 60% a 70% no financiamento de sistema completo de irrigação, diz Fioreze, tem o objetivo de aumentar a produtividade. Dados da Emater apontam que a produtividade pode chegar a mais de 20 mil litros de leite por hectare utilizando irrigação e pastoreio rotativo.

Com foco no incentivo ao uso de resfriadores de expansão direta e de ordenhadeiras, o programa Mais Leite de Qualidade foi lançado em março, tendo como meta colocar 44 mil resfriadores no Estado em quatro anos, praticamente zerando o déficit estimado para esses equipamentos. “Até aqui, está em fase de estruturação e formalização de convênios com fabricantes, laticínios, bancos e entidades representativas do setor”, pontua o secretário adjunto.

Outros três mecanismos independentes visam a criar um modelo de produção sistematizado: o Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite no Rio Grande do Sul (Prodeleite/RS), o Fundo de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite (Fundoleite) e o Instituto Gaúcho do Leite (IGL). O Prodeleite é um projeto de lei, que, de acordo com Fioreze, será encaminhado para a Assembleia Legislativa até o fim do mês e estrutura “seis áreas de ação: políticas públicas, sanidade animal e qualidade do leite, genética, alimentação animal, gestão da propriedade rural, comercialização do leite e seus derivados”.

Já o IGL terá o papel de preparar projetos estratégicos para o desenvolvimento da cadeia do leite, que o Fundoleite irá financiar. Ao mesmo tempo, o banco de dados hoje inexistente se transformará em um centro de inteligência e em organismo de apoio à gestão da cadeia. “É muito similar ao Instituto Brasileiro do Vinho, no qual nos inspiramos”, detalha o secretário adjunto.

Em tramitação na Assembleia Legislativa, o Fundoleite é um dos pontos mais controversos até o momento. Descrito por Fioreze como um fundo constituído por recursos públicos estaduais e privados, mas majoritariamente públicos, e destinado a financiar os projetos indicados pela cadeia produtiva, ele tem sido alvo de debate quanto à gestão. “Se o fundo tiver parte do recurso oriundo da iniciativa privada, não faz sentido que seja gerido pelo poder público”, critica Wilson Zanata, presidente do Sindilat-RS. Zanata pondera que o diálogo tem avançado e que deve chegar a um bom termo para todos.


Cadeia é a mais estimulante para permanência no campo

Com uma produção média diária de 2 mil litros de leite, Cláudio Schiefelbein, integrante do conselho de administração da Cooperativa Agrícola Mista General Osório (Cotribá), de Ibirubá, é um entusiasta da cadeia e já venceu 25 concursos de produção leiteira no Estado. A produtividade é garantida por um rebanho de 70 vacas, número que garante média de 30 litros por animal. A receita do sucesso, garante, está no tripé manejo, alimentação e reprodução, sendo este último um dos aspectos que considera mais relevantes. “O investimento no processo de reprodução é alto, não é rápido, mas é um processo importante e, com certeza, graças ao investimento em reprodução, em poucos anos vamos ter grandes vacas no Rio Grande do Sul”, assegura.

Schiefelbein ressalta o potencial da cadeia leiteira no Estado e estende as oportunidades às gerações futuras. “Hoje, todos os produtores têm computador e até Facebook, é o produtor do século XXI, que está muito bem informado. Eu conheço bem a área e digo que esse setor vai crescer muito”, sentencia. Segundo ele, os produtores vão melhorar muito a qualidade e aumentar a quantidade de leite produzido no Estado. Aos produtores que se dedicarem também ao investimento em genética, o cenário é ainda mais promissor. “Além de vender leite, tem que vender a genética”, reforça. “Isso com certeza estimula produtores e a família a permanecer no campo.”

Pai de três filhos, Schiefelbein vê, dentro da própria casa, o interesse dos jovens em permanecer no campo. Os jovens estão na universidade, dois com pretensão de atuar em propriedades rurais. “Tenho uma filha cursando Medicina Veterinária, um filho cursando Agronomia e uma outra filha que estuda Odontologia”, comenta. “Hoje, se fala muito da sucessão familiar e eu acredito nisso. Há anos atrás, o êxodo rural foi grande e, agora, estamos preparando nossos filhos para permanecer na propriedade. Espero que não seja assim só comigo e que outras famílias também mantenham os filhos nas propriedades, porque é bom”, destaca.

“A produção de leite é aquela atividade que tem potencial de contemplar cada vez mais pessoas e é a atividade mais direcionada para agricultura familiar e a mais viável para permanência no campo”, reforça o superintendente federal do Ministério da Agricultura, Francisco Signor. Entre as características que colaboram para que a produção leiteira seja estimulante para permanência no campo, Signor ressalta que o leite é produzido praticamente em todo Rio Grande do Sul. “Hoje, a cadeia do leite, especialmente para o pequeno produtor, é a mais rentável e tem outra vantagem que, é a garantia de renda mensal. Com a tecnologia que se tem, o serviço no campo é brando”, complementa o presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Laticínios (Apil), Clovis Marcelo Roesler.



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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