Câmbio eleva defasagem no preço da gasolina

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A desvalorização cambial dos últimos meses, aliada à manutenção dos preços do petróleo no mercado internacional, fez com que disparasse a defasagem, em reais e na média de julho, dos preços da gasolina e do diesel praticados no mercado interno, em comparação com aqueles adotados no exterior. Apesar de não ser novidade a Petrobras importar combustíveis e vender mais barato no mercado interno, há uma diferença no movimento atual, segundo analistas. Como a perspectiva para os próximos meses é de permanência de um cenário de menor lucratividade à estatal, há projeção de aumento em até 10% do preço do óleo diesel até o fim do ano.

Depois de a defasagem da gasolina atingir 9% na média de abril, no mês passado a distância entre preços internos e externos chegou a 23%, segundo levantamento da GO Associados. A última vez em que a diferença ficou acima dos 20%, em abril do ano passado, a distância entre preços voltou no mês seguinte ao patamar médio, que gravita em torno dos 10%. Contudo, no acumulado de fevereiro - quando houve o último reajuste da gasolina - a julho, a defasagem ficou em 13,5%, abaixo dos 21% registrados no mesmo período do ano anterior.

O diesel também foi afetado pelo dólar a R$ 2,25 na média de julho e a defasagem ficou em 10%. Em maio, o litro do combustível era vendido 4% acima do praticado no exterior, já que o barril do petróleo permaneceu estável ao redor de US$ 100 e a moeda norte-americana registrou média de R$ 2,04.

Para Fabio Silveira, economista da GO Associados, a defasagem da gasolina "atingiu nível crítico", na comparação com os preços praticados no Golfo do México. A média do litro na América do Norte é utilizada como referência para preços internacionais em função da importância da região e da proximidade com preços praticados em outras praças globais de venda e refino petróleo.

O aceno com a diminuição dos estímulos do governo norte-americano à economia do país é um dos fatores principais que compõem o cenário de manutenção ou desvalorização do real frente ao dólar até o fim do ano. "Não há nada que indique que o câmbio vai voltar a se valorizar. Já foi retirada a Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico] e aumentada a mistura de etanol na gasolina. A única forma de minimizar a diferença é o câmbio, que não vai ajudar neste ano", diz Silveira.

Quando a gasolina ou o diesel ficam mais caros lá fora em relação à venda da produção nacional, a principal perda para a Petrobras se dá no repasse às distribuidoras de combustíveis, que não pagam o total desembolsado pela estatal ao importar os produtos. De janeiro a maio deste ano - último mês com dados divulgados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) - a importação de gasolina A, utilizada pelos automóveis brasileiros, aumentou 34% em relação ao mesmo período do ano passado, chegando a mais de 14 milhões de barris. A importação de petróleo e derivados de janeiro a julho chegou a US$ 21,3 bilhões, já descontados os US$ 4,5 bilhões de registros referentes a compras externas realizadas em 2012.

A gasolina não tinha relação favorável à Petrobras desde dezembro de 2010, quando a gasolina nacional era vendida por R$ 1,05, dois centavos acima do litro vendido no Golfo do México. O controle nos preços dos combustíveis serve mais para segurar a inflação do que para aumentar o lucro da estatal, segundo Luiz Caetano, economista da Planner Corretora. "O que existe hoje é uma defasagem exacerbada pelo câmbio. Não houve grande variação dos preços em dólar da gasolina, do diesel e do petróleo cru. O futuro vai depender basicamente da variação do dólar", afirma.

A desvalorização cambial ganhou força nos últimos dois meses, período em que a Petrobras registrou aumento da produção de petróleo, que havia caído desde o início do ano em função de paradas de plataformas para manutenção e da queda de rendimento de poços maduros. Atualmente, a estatal tem produção diária de cerca de 2,1 milhões de barris.

Walter de Vitto, analista da Tendências Consultoria, diz que o apetite do mercado interno e a produção no limite das refinarias instaladas, contudo, não devem tornar dispensável o aumento no preço de pelo menos um dos combustíveis. "Obviamente que quando se fala no crescimento da distância entre os preços há reflexos no caixa da Petrobras, que vai precisar calibrar essa diferença", diz.

Como um aumento da gasolina "teria um custo político muito alto", em função da inflação perto do teto da meta e da impopularidade da medida, a consultoria estima majoração entre 5% e 10% do diesel até o fim do ano. "Apesar de chegar a todo mundo, não é um aumento de custo direto, pois ele vai ser embutido no preço do frete das mercadorias", diz Vitto.

Combustíveis sobem 2,1% no 1º semestre


Na contramão da ajuda dada aos índices de preços pela revogação dos aumentos de transporte coletivo, outro segmento que compõe o grupo transportes está pressionando mais a inflação este ano. Os combustíveis acumulam alta de 2,1% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre janeiro e junho. Em igual período de 2012, a variação do subgrupo foi negativa em 2%.

Esse movimento, no entanto, não é considerado fator de preocupação ao cenário inflacionário em 2013, tendo em vista outros importantes pontos de alívio aos preços, como o corte das tarifas de energia elétrica e o cancelamento dos reajustes de ônibus.

Com peso de 0,93% no IPCA, o etanol acumulou queda de 0,6% neste primeiro semestre, depois de recuo de 4% de janeiro a junho de 2012. A gasolina, que marcou retração de 1,8% na primeira metade do ano passado e representa quase 4% do índice, subiu 2,5% no mesmo período de 2013. O diesel, cujo impacto no IPCA é indireto e defasado e, portanto, mais fraco, avançou 8,9% este ano de acordo com a inflação oficial, ante 1,2% em igual comparação de 2012.

Esses últimos dois combustíveis têm os preços controlados pela Petrobras e foram reajustados este ano, devido ao aumento da defasagem entre os preços externos e internos. No fim de janeiro, as correções nos preços do diesel e da gasolina foram de 5,4% e 6,6%, respectivamente. Em março, o diesel teve novo reajuste, de 5%. No ano passado, o governo zerou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os combustíveis para reduzir o impacto das altas nas refinarias ao consumidor, artifício que não estava mais disponível este ano.

Fabio Romão, da LCA Consultores, calcula que os combustíveis irão contribuir com 0,18 ponto percentual da alta de 5,6% projetada para o IPCA em 2013. Em 2012, lembra, o impacto desse conjunto de preços no indicador foi negativo em 0,04 ponto percentual. Segundo Romão, a forte deflação do etanol foi uma importante ajuda à variação dos dois combustíveis em 2012. No ano passado, o percentual de álcool anidro na mistura da gasolina era de 20%, parcela elevada para 25% em maio deste ano.

Os reajustes da gasolina e do diesel aos distribuidores, por sua vez, também fizeram diferença na inflação desse segmento de preços este ano, diz o economista da LCA. "O ano passado foi ano de eleições municipais, o que pode ter postergado novos reajustes para 2013. Com as passagens de ônibus, isso acontece com mais clareza", afirma Romão. Além da questão eleitoral, ele menciona a defasagem maior em relação aos preços internacionais, o que, no caso do diesel, motivou dois aumentos em um curto espaço de tempo.

Segundo Adriana Molinari, da Tendências Consultoria, o aumento da gasolina nas refinarias provocou avanço de 4,1% desse item no IPCA de fevereiro, o que não ocorreu no ano passado, quando a desoneração da Cide zerou o repasse ao consumidor. Em 2013, diz Adriana, a transmissão da alta da gasolina ao varejo deu margem para que os usineiros elevassem os preços do álcool hidratado.

"O congelamento da gasolina funciona como barreira artificial aos preços do álcool, que não podem ultrapassar 70% do litro do combustível concorrente. O reajuste da gasolina este ano permitiu um aumento do etanol sem afetar tanto o consumo", diz Arthur Viaro, analista de agronegócios da Tendências. Outro fator de pressão, afirma, vem da participação maior do álcool anidro na mistura da gasolina, que reduz a oferta de álcool.

Pelo lado da safra, aponta Viaro, não há vetores de aceleração para os preços do etanol em 2013. No fim de maio, as chuvas afetaram a colheita da cana-de-açúcar, mas a primeira quinzena de julho já mostrou melhora da produção. Ele destaca que as usinas têm mais incentivos para produzir álcool este ano, devido às cotações pouco atrativas do açúcar no mercado internacional e também à desoneração da cobrança de PIS e Cofins sobre o biocombustível.

Mesmo com o comportamento mais desfavorável dos combustíveis nos índices de preços, Adriana ressalta que os itens administrados devem subir apenas 0,7% em 2013, após avanço de 3,6% em 2012, em função de MP 579, que reduziu os preços da energia elétrica, e da reversão dos reajustes de transporte público.

Ativismo do governo traz risco inflacionário para 2014

A política monetária, que não teve sua tarefa esgotada na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em julho, contempla eventos com riscos inflacionários imprevisíveis pela ausência de histórico comparável de projeções para a inflação que estará em nova condição em 2014 - ano eleitoral com elevada probabilidade de revelar um cenário econômico difuso. Esses eventos envolvem setores em que o governo atuou como interventor, alterando regras, acreditando estar protegendo o poder de compra dos consumidores. O preço da gasolina merece destaque.

A defasagem razoável e crescente entre os preços domésticos e internacionais do petróleo vem afetando a estrutura de custos da Petrobras. Essa defasagem apresenta um risco inflacionário incomum, porque o governo brasileiro praticamente aposentou o instrumento de ajuste no preço da gasolina que poderia evitar (como evitou) a transmissão de aumentos nas refinarias aos consumidores -Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

No passado, ajustes poderiam ser feitos a favor da estatal e sem impacto inflacionário através da Cide. Esse tributo foi criado no início da década de 2000 para servir como um amortecedor das oscilações dos preços internacionais da commodity. Mas a contribuição foi zerada há cerca de um ano tendo, antes disso, sua receita incorporada às necessidades de arrecadação federal. Em janeiro de 2002, a Cide contribuiu para os cofres públicos com R$ 60,8 milhões. Em fevereiro, com R$ 746 milhões. Daí para frente, a arrecadação passou a ter discretas variações, à exceção de períodos em que teve a alíquota reduzida. Em agosto de 2012, um resquício de arrecadação, R$ 800 mil, foi registrado.

A Cide está zerada e os reajustes de preço dos combustíveis chegarão com fôlego aos consumidores finais, nos postos de abastecimento - a não ser que o governo retome a taxação usando a própria Cide, que não desapareceu do cardápio oficial de impostos e contribuições. Apesar da zeragem dessa alíquota e redução de tantas outras, a atividade econômica não deu um salto no ano passado.

Outros dois riscos inflacionários que devem ser observados são as correções de tarifas de energia elétrica e de transportes. O custo dos transportes nas grandes capitais foi negociado (e postergado por seis meses) pelas prefeituras com o Ministério da Fazenda. Para 2014, fica a questão. As negociações sobre essas tarifas ocorrerão, levando-se em conta que o aumento deste ano, mesmo adiado e depois revertido oficialmente, foi o gatilho que promoveu o início das manifestações populares em São Paulo, em junho?

A energia elétrica teve seu custo reduzido por determinação da presidente Dilma há quase um ano. Em 7 de setembro do ano passado, a presidente anunciou, em rede de rádio e TV, a redução média de 16,2% para o consumidor doméstico e de até 28% para a indústria. Esses cortes acabaram ampliados logo em seguida. Novamente, a medida foi tomada com foco no incentivo à atividade. Mas os reajustes, assim como o aumento de custo da energia, devido ao uso maior de usinas termelétricas, são subsidiados pelo Tesouro Nacional. E os subsídios também são inflacionários, no mínimo, por diminuir a potência ou a eficácia da política monetária.

O aperto monetário iniciado em abril deste ano também joga a favor do governo e contra a alta dos preços. E ainda há trabalho a ser feito pela política monetária. Afinal de contas, o ano de 2013 não terminou em julho, quando o Copom se reuniu pela última vez. O próximo encontro do colegiado acontece em 27 e 28 de agosto.



Veículo: Valor Econômico


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