Venda direta de café especial brasileiro ganha espaço

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Ter a informação e a certificação de que um determinado café especial foi produzido seguindo os passos que fazem dele uma bebida diferenciada já não é suficiente para algumas torrefadoras internacionais. Algumas empresas têm optado por comprar o café diretamente de fazendas no Brasil e, para isso, enviado seus compradores às propriedades para conhecer o produto que vão processar e comercializar.

Essa nova forma de comercialização é reflexo do aumento da exigência por parte dos consumidores e do crescimento do mercado de cafés especiais. Estimativas apontam que o consumo desse tipo de produto aumenta a taxas entre 10% e 15% por ano no mundo. Nesse cenário, o café especial brasileiro - finalmente reconhecido - ganha espaço, inclusive com a comercialização direta, que permite ao produtor vender a preços mais vantajosos.

A Carmo Coffees, de Carmo de Minas, tradicional região produtora de café do sul de Minas Gerais, é uma dos produtoras de café que têm feito a comercialização direta do grão por meio de um projeto iniciado há cerca de dois anos, o "Direct Trade". O objetivo é facilitar a venda direta das fazendas e manter uma oferta de qualidade ao comprador, segundo João Paulo Dias Pereira Filho, sócio-diretor da Carmo Coffees.

Preocupações com sustentabilidade e com a rastreabilidade do café produzido também estimulam as negociações diretas. Raphael Braune, um dos fundadores da torrefadora familiar alemã Supremo, diz que sempre vem ao Brasil visitar fazendas de café para conhecer a matéria-prima que adquire. "Acho que os consumidores poderão pagar mais se a qualidade vier acompanhada de rastreabilidade", afirma ele, que vende de 15 mil a 20 mil quilos de cafés especiais por mês na Alemanha e outros países europeus.

A Carmo Coffees foi criada em 2007 quando a família de cafeicultores buscava soluções para os problemas de comercialização que enfrentava. Os volumes exportados inicialmente eram pequenos. Nesta safra 2013/14, a Carmo Coffees deverá embarcar cerca de 80 mil sacas. Desse total, 25 mil dentro do projeto Direct Trade - na temporada 2012/13, foram cerca de 20 mil sacas.


A empresa não comercializa apenas o café que produz - também vende grãos de terceiros. Segundo Pereira Filho, um dos seus parceiros no projeto, o produtor Jesimar de Oliveira Sandi, de Conceição das Pedras, também no sul de Minas, conseguiu ágio de quase 100% sobre o valor de mercado em 2013 na venda direta de seu café, que havia sido premiado no 2º Concurso de Qualidade Cafés do Brasil "Cup of Excellence Late Harvest", no ano passado.

O cafeicultor chegou a receber, em meados de 2013, R$ 750 por uma saca de café, enquanto no mercado tradicional o produto valia R$ 380 na mesma época. Atualmente, segundo Sandi, tem sido possível obter R$ 400 a R$ 500 por saca na venda direta. Se houvesse a intermediação de uma corretora, receberia R$ 300 ou menos pelo produto, diz ele.

Não surpreende que Sandi obtenha preços altos por seu produto. Durante a venda de seus lotes vencedores do concurso em um leilão internacional por meio da internet, em março de 2013, cada saca foi arrematada por R$ 4.911,77, o maior lance do remate dado pela empresa japonesa UCC Ueshima Coffee.

Sandi aderiu ao Direct Trade depois de vencer o concurso de qualidade no ano passado e se comprometeu a vender toda sua produção à Carmo Coffees. Com isso, sempre recebe estrangeiros em sua propriedade ou manda amostras para que os compradores avaliem o seu café e façam suas ofertas.

Assim como Sandi, Cinthia Dias Villela, vencedora da edição deste ano do Cup of Excellence para cafés naturais - na qual o Valor esteve presente -, também participa do projeto Direct Trade da Carmo Coffees (ver texto ao lado). Com a parceria, o café que produz chega ao Japão e Europa.

O projeto da Carmo Coffees, que Pereira Filho diz ser pioneiro no país, abrange 75 fazendas. No modelo, o valor do produto vendido é combinado entre cafeicultores e compradores. "É uma possibilidade de o pequeno produtor vender seu produto diferenciado. Ao mesmo tempo, o comprador ter uma identificação de origem", enfatiza ele. Na comercialização, a Carmo recebe uma comissão e cobra pelas taxas para os trâmites de exportação. Esse custo, segundo ele, é pago pelo comprador.

A Bourbon Specialty Coffees, de Poços de Caldas (MG), também vende parte do café que comercializa de forma direta. Thiago Trovo, trader da empresa, diz que a Bourbon vende diretamente cerca de 10% do total (200 mil sacas por ano) de cafés especiais que embarca ao exterior.

O papel de uma empresa como a Bourbon, segundo Trovo, é fazer o meio-campo entre cafeicultores e as torrefadoras internacionais, já que, segundo ele, poucas conseguem fazer a negociação de forma direta em função dos trâmites para o comércio exterior. Mas a maior parte dos negócios da Bourbon é de comercialização indireta, na qual a empresa compra o café dos produtores e o vende para importadores, que por sua vez o revende para torrefadores.

Ainda que a maior parte das vendas externas de cafés especiais não seja feita diretamente dos produtores para os torrefadores, cerca de 70% das exportações do grão são feitas em nome das fazendas, agregando valor ao produto, de acordo com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, na sigla em inglês).
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Embora venha ganhando importância no mercado, o consumo de cafés especiais no Brasil ainda é pequeno. Das mais de 20 milhões de sacas de café consumidas internamente, apenas 500 mil sacas são dessa categoria. E das 30 milhões de sacas que o Brasil exporta, apenas entre 1 milhão e 1,5 milhão de sacas são de cafés especiais, estima Javier Faus Neto, presidente da BSCA.

No entanto, o produtor de cafés especiais tem sempre a chance de obter maior rentabilidade mesmo em tempos de preços baixos no mercado internacional, dizem especialistas. A referência para os preços também é a bolsa de Nova York, mas o café especial é sempre negociado com prêmios. Atualmente, os brasileiros conseguem uma média de 40 centavos de dólar por libra-peso de ágio sobre os preços de Nova York, ou cerca de US$ 52 por saca, segundo João Staut, diretor da Qualicafex.



Veículo: Valor Econômico


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