‘A era da megamarca onipresente acabou'

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Autores do livro "As novas regras do varejo", Robin Lewis e Michael Dart acreditam que as grandes marcas terão, cada vez mais, lojas próprias, controlando a distribuição


Rodrigo Carro rodrigo.carro@brasileconomico.com.br

Para quem se habituou ao varejo tradicional, o cenário descrito no livro “As novas regras do varejo” pode parecer apocalíptico, com a extinção de um número crescente de redes e marcas. Mas os autores da obra recém-lançada no Brasil, Robin Lewis e Michael Dart, enxergam uma série de desdobramentos positivos na chamada “terceira onda do varejo”, o período atual em que o consumidor tem à sua disposição, de forma instantânea, uma variedade quase ilimitada de produtos. “Todo mundo agora tem um shopping em seu bolso na forma de um smartphone, com acesso a informação, lojas e produtos, 24 horas por dia, sete dias por semana. E a revolução tecnológica tem jogado o varejo no caos”, diz Lewis, CEO do The Robin Report, relatório especializado no mercado varejista. Embora desempenhe um papel estratégico, a tecnologia está longe de ser o único motor da transformação do varejo. “Eles (os consumidores) estão saciados e até mesmo desligados com relação a (comprar) mais coisas. Então, eles estão começando a procurar experiências, conhecimento e novidade”, analisa Dart, diretor de Private Equity e Estratégia da consultoria Kurt Salmon Associates, voltada para o varejo.

Em “As novas regras do varejo”, vocês afirmam que o varejo está chegando a um ponto de inflexão, um momento de transformação, após 150 anos de evolução. Quais são essas mudanças que estão ocorrendo?

Robin Lewis: Uma das maiores mudanças é de que, apesar de a demanda estar desacelerando, a oferta continua crescendo incessantemente. Esse excesso de capacidade - muitas coisas em lojas e sites demais - desafia as leis econômicas e a livre competição de mercado, e resultou em uma enorme mudança de poder dos produtores para os consumidores, desde aqueles que fazem para aqueles que compram. O consumidor tem mais poder do que nunca, e cada dia está ganhando ainda mais. Nós prevemos que, devido a essa tremenda mudança de poder, o setor de varejo vai sofrer mais transformações ao longo dos próximos cinco anos do que nos últimos 50. E aqueles varejistas que não mudarem usando nossas novas regras de distribuição preferencial, controle da cadeia de valor e conectividade neurológica vão se tornar irrelevantes. Estas regras tornaram-se ainda mais importante com o poder completo (do consumidor) na era digital.

Michael Dart: Outra mudança é a globalização e a evolução para um mercado mundial único, que representa uma enorme oportunidade para as empresas. O planeta inteiro está se integrando e conectando digitalmente 24 horas por dia, sete dias por semana. Estamos nos tornando um caldeirão chamado Terra, no qual os consumidores têm interesses e desejos comuns. Isto está se acelerando à medida em que a geração dos millennials (com idade aproximada entre 18 e 33) está substituindo a dos baby boomers como o grupo de consumidores dominante daqui para frente. Este grupo demográfico deverá ser responsável por 30% das vendas no varejo dos Estados Unidos no ano de 2020.

Por quê, no livro, vocês afirmam que o consumidor, na terceira onda do varejo que estamos experimentando, está em busca de valor real em vez de ostentação?

Michael Dart: Pode haver variáveis culturais envolvidas nessa questão, mas nos Estados Unidos é certo que os consumidores estão procurando algo além de apenas adquirir mais coisas e buscando experiências, comunidades e, em muitos casos, a simplicidade. Tem sido bem documentado que uma vez que as necessidades básicas das pessoas foram atendidas, não há correlação entre a acumulação de coisas materiais e maior felicidade. Os consumidores já perceberam isso. Eles estão saciados e até mesmo desligados com relação a (comprar) mais coisas. Então, eles estão começando a procurar experiências, conhecimento e novidade, e a se preocupar cada vez mais com a comunidade do que consigo mesmo. Eles estão dizendo: “Não basta tentar me vender coisas. Faça meus sonhos se tornarem realidade.”

Robin Lewis: Ao invés de conformidade, eles estão cada vez mais buscando experiências e produtos customizados. É por isso que marcas específicas de nicho e produtos como o café Nespresso, em cápsulas para uma pessoa, e a impressão 3D estão na moda. Os varejistas que oferecem uma experiência excepcional ao cliente estão ganhando participação de mercado daqueles que não o fazem.

Por que vocês afirmam que 50% dos varejistas e marcas vão desaparecer?

Michael Dart: Primeiro de tudo, acreditamos que até mesmo o termo varejista acabará por desaparecer, por isso, eventualmente, estaremos falando apenas de marcas. E, esse desaparecimento que prevemos não está no futuro, isso já está acontecendo. Todos os meses vemos um grande número de "marcas" que os varejistas oferecem, a maioria das quais são apenas rótulos, passando por uma peneira, diminuindo. À medida em que os varejistas vão implementando as novas regras do varejo, apenas as marcas que carregam significado verdadeiro na mente dos consumidores, que têm verdadeira conectividade neurológica, vão sobreviver. Vemos uma enorme mudança em direção a marcas próprias e exclusivas. Muitas marcas atuais no atacado já estão sendo espremidas para fora destes novos modelos de varejo e acabarão por desaparecer.

Por que companhias como a Apple e a P&G estão abrindo lojas próprias em vez de focarem seus esforços na fabricação de produtos?

Michael Dart: Apple e P&G não são, de fato, apenas fabricantes. São gerenciadores de marca. A manufatura é parte do que eles fazem, é claro, mas a parte mais importante do que fazem é se conectar aos consumidores para atender seus desejos, necessidade e, sim, tornar os sonhos deles realidade.

Robin Lewis: Além disso, estes são dois exemplos perfeitos de distribuição preferencial e criação de uma experiência de conexão neurológica. Por exemplo, a P&G tem que lutar por participação em prateleiras cheias de centenas de marcas concorrentes igualmente fortes, incluindo marcas próprias, e num canal (supermercado) onde o tráfego está em declínio. Agora, com as lojas Tide Dry e os lava-jatos Mr. Clean Car Wash, eles estão, literalmente, nos bairros dos consumidores, se antecipando aos concorrentes, antes mesmo de os clientes chegarem ao supermercado. E eles criam uma experiência familiar convincente para atrair o consumidor. O mesmo vale para a Apple e muitos outros gerenciadores de marca que fazem seus próprios produtos, mas agora controlam a distribuição também.

Por que, segundo vocês, no futuro, de 80% a 90% das receitas de varejistas tradicionais virão de marcas próprias?

Michael Dart: Porque isso já está acontecendo. E na velocidade da luz. A relação tradicional atacado/ varejo está entrando em colapso. Este relacionamento nasceu quando varejistas e marcas eram poderosos e a distribuição não era tão ampla: os consumidores tinham de procurar por eles. Foi também a era dos mercados e shopping centers como centros de negócios. Esse cenário não existe mais. Lojas de departamento tradicionais perderam mais de 50% do seu market share entre 1990 e 2013.

Robin Lewis: Prevemos que, dentro de poucos anos, cerca de 80% de todas as roupas vendidas nos Estados Unidos serão marcas próprias ou exclusivas. A penetração das marcas próprias está se acelerando também nos supermercados. Os consumidores estão cada vez mais buscando exclusividade, e os varejistas estão cada vez mais dando isto a eles. A era da megamarca onipresente acabou. Marcas fortes precisam estar em total controle sobre sua cadeia de valor para ter sucesso no ambiente de varejo atual. Devem construir suas próprias conexões distintas com seus consumidores, não contar com aquelas criadas por terceiros.

Dentro desse contexto, qual o futuro das marcas de luxo?

Robin Lewis: O luxo é um dos segmentos mais fortes do negócio de varejo hoje, porque essas marcas e varejistas sabem como se conectar aos seus consumidores-alvo e realmente entram no cérebro do consumidor, por assim dizer. Temos observado uma polarização crescente do varejo em segmentos de alto padrão ou luxo. E, também, o fim das commodities, produtos onde o preço é a arma da necessidade para o consumidor que busca o menor custo.

Michael Dart: Cada vez mais, os varejistas de luxo, como a Burberry, estão a implemendo a estratégia de omni-channel, e não um modelo de e-commerce puro. E, cada vez mais, as marcas de luxo estão abrindo suas próprias lojas e sites, indo diretamente até os consumidores, ao invés de vender por atacado para varejistas multimarcas.

No Brasil, temos um número crescente de investidores financeiros entrando nos setores de varejo e moda. Essa é uma tendência?

Robin Lewis:  O mesmo fenômeno vem ocorrendo nos Estados Unidos. Há uma enorme quantidade de capital em busca investimentos sólidos, e centenas, se não milhares de start-ups lutando para ser o próximo Lululemon ou Michael Kors. Adicione a isso a tecnologia, que tem sido sempre um dos segmentos favoritos entre os grupos de investidores de private equity, e você tem um ambiente financeiro muito vibrante.


Veículo: Brasil Econômico



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