Rússia espera elevar sua produção de alimentos, mas preços podem subir

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A Rússia proibiu a importação de um amplo conjunto de alimentos dos EUA e da Europa ontem, em resposta às sanções ocidentais, deixando os russos diante de um tipo de isolamento econômico não visto desde o fim da era soviética.

O premiê Dmitri Medvedev informou que produtos como carne bovina, suína, de aves e de peixes, frutas, vegetais, queijos, leite e outros lácteos sofrerão embargo de um ano, numa resposta radical às sanções ocidentais impostas à Rússia devido à crise da Ucrânia.

Embora a lista pareça elaborada para evitar afetar muito o consumidor comum, alguns economistas dizem que ela pode gerar efeitos negativos para a própria Rússia, como a alta dos preços domésticos de alimentos, pelo menos no curto prazo.

O premiê também anunciou um embargo de voos ucranianos que cruzam o espaço aéreo russo e alertou que a Rússia poderá emitir uma proibição semelhante para os aviões americanos e europeus. Os voos de muitas companhias americanas e europeias passam sobre a Sibéria para chegar até a Ásia.

"Nenhuma sanção é boa, eu já disse isso muitas vezes, e essa retaliação não foi fácil para nós", afirmou Medvedev. "Nós fomos forçados a isso, mas, mesmo sob essas condições, estamos certos de que conseguiremos reverter as coisas em nosso benefício."

Autoridades do alto escalão do governo do presidente Barack Obama disseram que o impacto do embargo russo na economia americana será insignificante.

A postura desafiadora da Rússia se deu diante das mais duras sanções ocidentais a atingirem a Rússia desde a contestação criada pela anexação da Crimeia por Moscou, em março. Na semana passada, em resposta à queda do voo MH17 da Malaysia Airlines que cruzava o território dominado pelos separatistas no leste da Ucrânia, o Ocidente mirou em grande parte da economia russa, incluindo os setores de finanças, petróleo e armamento.

Os líderes ocidentais exigem que a Rússia pare de apoiar os separatistas em sua guerra contra o governo ucraniano. O Kremlin, entretanto, nega que esteja apoiando os rebeldes.

O amplo embargo de alimentos marca o dramático recuo neste ano nas relações com o Ocidente da Rússia sob o comando do presidente Vladimir Putin. "É sintomático da profunda mudança econômica e psicológica que está ocorrendo, que é o isolamento imposto à Rússia", diz Charles Grant, diretor do instituto de estudos londrino Centro para a Reforma Europeia.

O embargo nas importações também serve à agenda doméstica de Putin para potencialmente impulsionar a produção agrícola do país e encorajar os consumidores a comprar bens produzidos internamente diante de um cenário econômico fraco.

Putin tem promovido uma maior autossuficiência para a Rússia, uma mensagem que anima uma base política nostálgica dos dias em que a União Soviética celebrava a produção doméstica.

"A consequência da versão autárquica de Putin do nacionalismo deve ser a maior autossuficiência econômica", diz Grant.

A Rússia importou cerca de US$ 43 bilhões de produtos alimentícios em 2013, segundo dados da alfândega russa. Os alimentos embargados representam cerca de US$ 9 bilhões das importações russas no ano passado, mostram as estatísticas.

O embargo de um ano se aplica a EUA, União Europeia (UE), Canadá, Austrália e Noruega, disse Medvedev. Segundo o primeiro-ministro, ele pode ser encerrado antes se a situação política mudar.

De acordo com analistas da indústria, a maioria dos russos normalmente não compra o tipo de produto importado mais caro que foi incluído no embargo, escolhendo as alternativas nacionais mais baratas.

É mais provável que o embargo afete os habitantes mais ricos das grandes cidades, acostumados a consumir produtos como queijo francês e linguiça alemã, uma pequena fração do eleitorado russo.

Vinhos e destilados estrangeiros - que a classe média russa frequentemente compra como presentes ou em ocasiões especiais - não foram incluídos na lista.

"A maioria da população ainda consome produtos comuns, e esses produtos são feitos na Rússia ou em países com os quais não há problemas", diz Olga Kamenchuk, diretora de pesquisa internacional da empresa estatal de pesquisa Vtsiom. "A maioria da população não sofrerá com as restrições."

Mas ela e outros alertam que esses passos ainda podem elevar os preços dos alimentos e punir uma fatia mais ampla de russos do que o estimado. A empresa de pesquisas macroeconômicas Capital Economics, de Londres, sugeriu que os produtores domésticos podem ter dificuldades para compensar o embargo no curto prazo.

As autoridades russas dizem que já falaram com fornecedores alternativos de países de fora da lista para que o fluxo de alimentos seja mantido.

Nesse sentido, o embargo ajuda a Rússia a acelerar seu esforço em se aproximar de países não ocidentais. "Nossos parceiros comerciais de outros países permanecem conosco", disse Medvedev.

Um dos prováveis países a lucrar é o Brasil, cujos produtos de carne bovina, suína e de aves podem servir como substitutos. A Nova Zelândia também pode ajudar, fornecendo queijo, enquanto a Turquia pode elevar seus embarques de frutas, vegetais e lácteos.

Para os EUA, os alimentos na lista do embargo representaram US$ 441,5 milhões em exportações para a Rússia no ano passado, segundo dados da alfândega russa. As carnes de aves representaram mais de 75% dessas exportações, em termos de valor.

O embargo deve atingir cerca de 7% dos € 75 bilhões (US$ 100 bilhões) em produtos alimentícios que a UE exportou para países fora do bloco no ano passado.

É uma fatia muito pequena das exportações totais do bloco. Mas como os produtores finlandeses de queijo e os produtores de fruta da Espanha vão ser prejudicados, os líderes europeus serão testados em sua disposição em pagar um preço político para aquilo que muitos europeus enxergam como uma distante preocupação da política externa. (Colaboraram Olga Razumovskaya, Andrey Ostroukh e Ian Talley.)



Veículo: Valor Econômico


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