Companhias se aliam ao consumidor para criar produtos

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Em caso de dúvida, chame o consumidor

Decifrar o gosto do consumidor pode ser uma tarefa demorada e cara, e algumas empresas se veem na necessidade de montar vastas equipes interdisciplinares - de especialistas em marketing a psicólogos - na hora de criar um produto. Mas, então, por que não deixar que o próprio consumidor participe diretamente do processo de elaboração de um lançamento? É o que muitas empresas começam a fazer, ao usar a internet em projetos de inovação aberta baseados na colaboração do público. A expectativa é que esse modelo seja capaz de criar um engajamento do consumidor muito maior do que simplesmente pedir que ele responda a questionários ou participe de grupos de avaliação.

Tome-se o caso de Mariana Bueno e da Natura. Relações públicas em uma agência de turismo em São Paulo, ela nunca passou perto de um laboratório de testes para cosméticos, mas acumula uma experiência como usuária que pode ser útil. "Experimento todo tipo de cosmético, e nos últimos anos tenho me preocupado mais com a forma como esses produtos interferem na saúde", diz.

Mariana faz parte de um grupo de aproximadamente mil pessoas que se cadastraram para colaborar no projeto Cocriando Natura. A iniciativa começou a ser desenvolvida no ano passado. "A companhia já desenvolveu 13 projetos de inovação no Campus Natura e mantém projetos de pesquisa com universidades, mas percebemos que isso não era o suficiente", afirma Gerson Pinto, vice-presidente de inovação da Natura.

Com 3% da receita líquida anual dirigida à inovação, o que resultou em um orçamento de R$ 158,9 milhões e 104 novos produtos no ano passado, a Natura criou um site para que voluntários possam dar sugestões de inovação. Desde o ano passado, lançou duas jornadas, com os temas "Transparência" e "Mamãe e bebê". A primeira recebeu 690 contribuições e 15 projetos de inovação. A jornada seguinte ainda está em andamento.

Além das discussões pela internet, os voluntários também participam de reuniões presenciais. A participação do consumidor concentra-se na fase inicial do processo de inovação, diz Luciana Hashiba, gerente de gestão de portfólio e redes da Natura. A formulação dos novos produtos propriamente dita é feita pela equipe da Natura.

A adoção do modelo não se restringe a produtos de consumo. Companhias de várias áreas, incluindo serviços, avaliam com cuidado essa alternativa. A Tecnisa mantém há quatro anos um site destinado a receber sugestões e projetos de inovação. Romeu Busarello, diretor de marketing da companhia, diz que de cada 100 ideias cadastradas no site 10 apresentam propostas inovadoras. Desse total, cinco dão origem a serviços para o setor imobiliário. "Além das ideias que são adotadas no negócio, esse processo permite observar novas tendências e demandas dos consumidores, o que de forma indireta também gera inovação", diz Busarello. Entre os temas preferidos pelos clientes da construtora estão sustentabilidade, segurança e redução de custos dos condomínios.

A participação direta do público em processos de inovação aberta também tem efeitos menos visíveis, mas cada vez mais valorizados na era digital. É o caso do velho "boca a boca", que ganha uma dimensão muito mais ampla com a web. "Quando um consumidor pede para que os amigos votem na sua sugestão de inovação, compartilha o projeto, ele projeta a marca, melhora a sua reputação. Existe um ganho intangível muito interessante", afirma o executivo da Tecnisa.

Em muitos setores, criar produtos dirigidos a segmentos bem específicos do público é uma necessidade, mas a internet também proporciona a possibilidade de coletar dados de consumidores de várias partes do mundo para conceber projetos de alcance global. A Fiat tem desenvolvido projetos com fornecedores, institutos de pesquisa e consumidores. O caso mais representativo foi o Projeto Fiat Mio, em 2009. A montadora italiana recebeu mais de 2 milhões de visitas no site do projeto, com 17 mil ideias sobre propulsão, materiais, segurança, ergonomia, design, entre outras propostas. Desenvolvido com base nessas sugestões, o modelo chegou a consumidores de 160 países.



Rapidez e economia com inovação aberta

Deter a propriedade intelectual sobre produtos e processos tornou-se uma obsessão global, como mostram tanto a guerra de patentes travada nos Estados Unidos e na Europa - onde se digladiam grupos com o peso da Apple e Samsung - como a espionagem industrial, que ganhou novo impulso com a internet.

Na contramão dessas tendências, porém, algumas companhias têm buscado modelos para criar inovação sob prazos mais curtos e custos mais baixos, mesmo que não se tornem detentoras exclusivas das novidades em gestação. É a inovação aberta, na qual equipes de várias origens trabalham no mesmo projeto.

A Vale tornou-se, no Brasil, uma das principais defensoras desse modelo. Entre 2009 e 2012, a companhia investiu mais de R$ 400 milhões em projetos de inovação em parceria com institutos de pesquisa. Os investimentos anuais em inovação aberta respondem por 20% a 25% dos aportes totais da Vale em ciência e tecnologia, diz Luiz Mello, diretor de tecnologia e inovação da Vale e presidente do Instituto Tecnológico Vale.

As áreas de pesquisa incluem estudos de viabilidade econômica, engenharia, exploração, mineração, ciência e tecnologia. As patentes são registradas em conjunto, mas a Vale adota apenas as patentes relacionadas à sua atividade. "Há casos em que a inovação aberta gera um produto que tem interesse comercial, mas não está ligado aos negócios da Vale. Então o direito de exploração fica com a universidade ou instituto", afirma Mello.

A preocupação no mundo da inovação aberta é definir de forma clara a divisão dos direitos de propriedade sobre o que é criado. Há várias vertentes. Uma empresa pode pagar um valor para deter o direito total sobre a inovação, compartilhar o direito de propriedade e os royalties sobre o produto, ou ceder todos os direitos à companhia parceira ou ao profissional que desenvolveu o novo produto ou processo. No caso da Vale, há iniciativas em todos os casos.

Na 3M, que também faz registros de patentes compartilhadas com outras empresas ou pesquisadores, a recomendação é ser cuidadoso. "É poético se falar em inovação aberta, mas as companhias continuam com a necessidade de proteger sua propriedade intelectual", afirma Luiz Serafim, líder de marketing empresarial da 3M no Brasil e autor do livro "O Poder da Inovação - Como Alavancar a Inovação na sua Empresa" (Saraiva).

Em seu processo de inovação, a 3M compra patentes de projetos apresentados por pesquisadores e institutos de pesquisa, licencia patentes ou as compartilha, dependendo do tipo de inovação. "A patente compartilhada é menos comum", afirma o executivo. No ano passado, a 3M registrou 3,1 mil pedidos de patentes no mundo, das quais dez foram registradas no Brasil.

Além de parcerias com empresas, universidades e institutos de pesquisa, a 3M passou a investir há dois anos em projetos de inovação aberta com a colaboração direta dos consumidores. Em um dos projetos, a companhia oferece a consumidores a oportunidade de testar produtos e sugerir inovações. Em outro, lança a cada trimestre um tema e convida clientes a pensarem sobre o assunto, sugerindo ideias sobre a questão. "O consumidor evoluiu, está mais informado e participativo. A tendência é que esses processos de inovação com colaboração de consumidores ganhem mais importância nos próximos anos", afirma Serafim.




Veículo: Valor Econômico


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