Produção informal emperra o setor em MG

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Ela é conhecida por mais de 500 nomes e já faz parte da cultura nacional. Consumida principalmente na caipirinha e happy hours, a cachaça tem a cara do Brasil, mas a produção tem sido ameaçada pelo cipoal tributário e, também, pela informalidade que ronda o setor.

Em Minas Gerais, essa realidade é ainda mais visível com a fabricação da cachaça de alambique. Além de serem bombardeados por uma infinidade de impostos, que deixam o produto legal muito mais caro que o clandestino, os produtores ainda precisam concorrer com a cachaça industrial, feita em colunas de destilação.

"Hoje, 90% dos produtores de cachaça de alambique são clandestinos e estão colocando um produto sem fiscalização no mercado. Isso atrapalha a imagem da cachaça no país, diminui a arrecadação do governo e pode causar danos à saúde dos clientes", afirma o superintendente do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (Sindbebidas), Cristiano Lamego.

O professor de economia aplicada e empresarial da Fundação Getulio Vargas (FGV)/IBS, Raul Duarte, afirma que o país tem, hoje, cerca de 40 mil produtores legalizados mas, na prática, esse número é muito maior. Segundo ele, o que gera a pirataria são os impostos. "A carga tributária representa 80% do preço de uma garrafa de cachaça hoje.  um valor significativo e explica o porquê de muitos produtores não se formalizarem", afirma.

Duarte acredita que a solução seria mais apoio do governo. "Todo mundo perde com a venda na informalidade: o governo deixa de arrecadar e o produtor não consegue consolidar a marca. O Brasil produz cerca de 1,2 bilhão de litros de cachaça e gera 120 mil empregos por ano, então é um setor importante para o país. O governo podia abrir uma linha de financiamento para incentivar o processo de produção", defende.


Dilema - Dono da marca Peruaçú, João Carlos Ricaldone Barbosa é um dos mais novos produtores formalizados em Minas Gerais. Ele trabalhava, há oito anos, fabricando cachaça de alambique e vendendo para engarrafadores mas, no ano passado, lançou a própria marca. Recém-chegado ao mercado, ele já percebeu o peso dos impostos e a dura concorrência com os clandestinos. "Ficar na informalidade dá muito mais lucro. Para se ter uma ideia, enquanto vendo uma garrafa de 670 ml por R$ 12, o clandestino cobra R$ 5 em um litro no pet ou garrafão", denuncia. Mesmo assim, o empresário afirma que fez questão de ser um produtor formal. "Quis entrar nas regras. Além disso, sei que meu produto é bom e, com o tempo e muito trabalho, ele vai ganhar mercado", aposta. Barbosa também cobra maior conscientização dos consumidores. "Já visitei alambiques em péssimo estado de conservação. A população não imagina os danos que uma cachaça sem fiscalização pode trazer", alerta.

E o problema não atinge só os pequenos. Há 34 anos no mercado, o Grupo Germana também sofre com as mesmas questões. A marca, que produz 330 mil litros por ano, tem crescido 10% anualmente, mas não é o mercado interno que sustenta esse sucesso. De acordo com a presidente da marca, Dirlene Maria Pinto, a exportação é o que salva a produção. "Quem se formaliza só tem perdas financeiras. a Ceasa recebe carretas e carretas de cachaça informal, sem fiscalização, sem gerar imposto.  uma grande imaturidade um país deixar que a venda de bebida alcoólica aconteça assim, sem nenhum tipo de vigilância sanitária", critica.


Alternativas
- O superintendente do Sindbebidas acredita que essa é uma fase de reorganização do setor. Na opinião dele, a tendência é de que o mercado informal diminua e o número de produtores legalizados cresça. De acordo com o superintendente, um dos incentivos é o programa de certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). "Os fabricantes se sujeitam a um regulamento que exige questões como baixos níveis de cobre ou acidez no produto. Então recebem o selo de qualidade que é pregado na garrafa. Isso agrega valor à cachaça", afirma.

Além dessa certificação, os produtores também podem buscar o selo do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Um levantamento feito pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG), em 2012, mostra que ações de valorização como esses selos ajudaram no aumento do lucro dos produtores. De acordo com o estudo, o mercado de destilados teve queda na produção de 18% entre os anos de 2006 e 2011 mas, mesmo assim, rendeu mais dinheiro. Nesse mesmo período, o faturamento cresceu 23%, chegando a R$ 25,5 bilhões. "Isso prova que a cachaça está mais valorizada", comemora Lamego.



Apostar em marketing é tendência

Se os altos impostos e a concorrência com os informais não ajudam na produção, o jeito é diversificar para se manter. Pensando assim, o mercado da cachaça passou a apostar na criatividade para atrair os clientes, inovando em embalagens, produzindo linhas diferenciadas da bebida e investindo em marketing ligado ao mundo do entretenimento.

Há 27 anos no mercado de Minas Gerais, a Cachaça Salinas tem experiências positivas com a estratégia de diversificar. O proprietário da marca, Thiago Medrado, diz que, em 2009, a empresa investiu na linha envelhecida em tonéis de madeira, o que aumentou as vendas em 36%. "A linha tem a cachaça cristalina, de bálsamo, umburana e carvalho. Fizemos isso visando atender diferentes paladares e atingimos bem o mercado." No último mês, a marca fez outro lançamento: a Salinas Mix, que é um multidestilado próprio para drinques. " um produto mais voltado para jovens, que costumam fazer misturas com a cachaça", explica. Com o novo produto, o proprietário espera aumentar em 10% as vendas."

Já o Grupo Germana tem investido, cada vez mais, no design das garrafas. Atualmente, eles têm cinco embalagens diferentes, que são a Soul, própria para ser armazenada no congelador, a mbar, que tem diferentes tamanhos, a Empalhada, a Reserva de Família, que é de cristal e a Eritage, que também é de palha. Além disso, a marca vai apostar na fabricação própria de garrafas, que devem ser lançadas em outubro.

"Fomos para a China criar outros modelos, pois no Brasil as produtoras muitas vezes nos deixavam na mão. Então agora teremos a garantia da garrafa em nossas mãos e ainda seremos diferenciados", destaca a presidente da marca, Dirlene Pinto. Além disso, ela reforça a importância de investir em publicidade. "Acaba que a cachaça é o mais barato da produção porque é preciso gastar com embalagem e com comunicação. O público é jovem, então a marca precisa estar nas redes sociais e nas ‘baladas’", frisa.

A inovação nas garrafas é vista com bons olhos por Oswaldo Bernardino Júnior, dono da Savana Distribuidora, que fica no bairro Santo Antônio, região Centro-Sul de Belo Horizonte. Ele afirma que os produtos com embalagens diferenciadas são muito bem aceitos e procurados, principalmente para quem deseja presentear.

"Há 20 anos as garrafas eram iguais às de cerveja. Hoje, os produtores estão investindo na embalagem, deixando-a mais bonita. Isso é importante porque valoriza a cachaça", afirma. Apesar disso, ele lembra que o consumidor também é exigente no padrão da bebida e nem sempre aprova sofisticação exagerada. "Quando é muito requintado, alguns dizem que não tem mais cara de cachaça", comenta. O proprietário também destaca a importância de casas especializadas em bebidas alcoólicas para a valorização da cachaça. "Muitas lojas estão abrindo mais espaço para cachaça, afinal é a nossa bebida nacional", ressalta.



Cooperativas fortalecem produtores

As cooperativas de produção é outra opção para atrair os fabricantes para a formalidade. Ela consiste na junção de diferentes produtores que, sozinhos, não teriam força para criar uma marca, nem produzir cachaça de qualidade e com preço competitivo. Parecido com essa proposta há, ainda, os consórcios, que reúnem fabricantes mais consolidados e mantêm as marcas originais dos integrantes. Segundo um estudo do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG), o Brasil tem cerca de 4 mil marcas de cachaça. Para o superintendente do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (Sindbebidas), Cristiano Lamego, esse número é muito alto e o ideal é que elas diminuam. "Tantas marcas dificultam a venda que fica pulverizada", afirma.

A organização em cooperativa foi a escolha de 111 produtores de Salinas, no Norte de Minas. Convencidos de que trabalhando separadamente não tinham sucesso, eles se uniram e fundaram, em 2002, a Cooperativa dos Produtores de Cachaça de Alambique da Microrregião de Salinas (Coopercachaça) e lançaram a marca Terra de Ouro. Com oito fábricas e um setor de engarrafamento, eles produzem 700 mil litros de cachaça por ano e vendem para todo o país.

Segundo o presidente da Coopercachaça, a união aumentou em cerca de 50% a produção e em 60% a renda dos integrantes. "Havia muitos produtores clandestinos na região, então fizemos a cooperativa para atraí-los para a formalidade. Se cada um negociasse o preço da própria cachaça, o valor só diminuiria. Na cooperativa temos mais condição de barganhar", frisa.


Exportação
- Enquanto tantos produtores apostam na informalidade para fugir da alta carga tributária, alguns trabalham na outra ponta, se formalizando e se estruturando para conseguir exportar o produto e, assim, também se livrar dos impostos.

Segundo o professor de economia aplicada e empresarial da Fundação Getulio Vargas (FGV)/IBS, Raul Duarte, esse tem sido o caminho de grandes marcas, uma vez que o governo isenta o exportador do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS).

Foi o que aconteceu com o Grupo Germana que, desde 2000, exporta cachaça para diversos países, como Escócia, Inglaterra, África do Sul, França e Estados Unidos. Segundo presidente da marca, Dirlene Maria Pinto, a exportação foi a "salvação" para a empresa, que passou a crescer muito mais depois que começou a mandar o produto para fora.

Mas a solução da exportação não é para todos, conforme explica o professor de economia. Para chegar no nível de uma empresa que consegue fazer isso, o produtor precisa enfrentar uma longa jornada e, conseqüentemente, gastar muito dinheiro. "O pequeno produtor fica vedado porque não tem estrutura para conhecer o processo. Para exportar ele precisa cumprir regulamentações, ter registros no Ministério da Saúde e da Agricultura, fechar contratos, ser respeitado enquanto marca e isso tudo tem um custo elevado. Como muitos não têm apoio, acabam perdendo a oportunidade", destaca Duarte.

Conforme estimativas apresentadas no estudo "Dinâmicas e Perspectivas do Mercado de Cachaça", divulgado em 2006, o volume de exportação da cachaça de alambique fica abaixo de 2% do total produzido. Esse mesmo percentual foi apontado em 2002 pela Festa Nacional da Cachaça, quando anunciaram que a exportação chegou a 300 mil litros.


Preparo - O trabalho realizado pelo Grupo Germana para chegar ao nível de exportadora foi árduo, segundo explica Dirlene Pinto. Ela afirma que eles tiveram que aprender tudo na prática e sozinhos, pois não receberam incentivo do governo. "O produto tem que estar completamente profissionalizado para isso existe todo um processo. Preciso saber se meu produto está de acordo com a leis de bebidas alcoólicas do país e as análises da cachaça feita no exterior e no Brasil têm que bater", afirma.

Ela destaca que, assim como a maioria dos brasileiros, os estrangeiros não têm costume de tomar a cachaça pura, então o grupo trabalha com o preço, apostando no consumo por meio de drinques como a caipirinha. "Aprendemos que é preciso saber fazer preço. Não é só dizer que o produto é bom e por isso é caro: tem que ser barato para concorrer com outros destilados. A cachaça precisa ser a bebida da caipirinha no exterior", defende.

Além do longo caminho oneroso e burocrático, o presidente do Sindbebidas lembra outra barreira para a exportação: a capacidade de manter um padrão. "O mercado da exportação exige regularidade de produção. O pequeno produtor não consegue garantir isso por depender de questões como solo e clima. Por isso a formação de cooperativas são tão importantes", diz.

Dirlene Pinto afirma que esse é um grande desafio para as empresas que exportam hoje, pois o país não oferece condições adequadas para a manutenção desse padrão. "As estradas são um problema. Se der uma chuva ou acontecer uma greve, por exemplo, os caminhões não chegam a tempo e perdem o navio que ia levar a bebida. Além disso, tem a questão do câmbio. Coloco o preço do produto em dólar, mas como a moeda está sempre mudando, posso ficar no prejuízo porque não dá para ficar alterando o valor do produto", destaca.

 

Veículo: Diário do Comércio - MG


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