Atuação da publicidade no mercado atual

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Por Carlos Eduardo VALIM

A cena, que se passou no topo da sede do grupo francês Publicis, no número 133 da Avenue des Champs Elysées, em Paris, em frente ao Arco do Triunfo, poderia lembrar a época de ouro da publicidade, nos anos 1960, retratada na série americana de tevê Mad Men. Sob o sol do escaldante verão parisiense, dois dos mais poderosos homens da propaganda mundial, Maurice Lévy, presidente do conselho de administração da Publicis, e John Wren, CEO do grupo americano Omnicom, levantavam os seus copos cheios do champanhe da bicentenária casa Ruinart (nos episódios da série americana, a mais premiada das últimas décadas, são comuns as cenas em que o protagonista Donald Draper, sócio e gênio criativo de uma grande agência, e seus pares conversam com uma bebida alcoólica em mãos.
 
 
Pouco importa se a ocasião for uma reunião no começo da manhã). O encontro dos dois novos “mad men”, no entanto, não significava um brinde aos tempos românticos da publicidade. Tratava-se da comemoração de uma nova era: a das superagências com mais de US$ 20 bilhões de receita. Lévy e Wren celebravam, no domingo 28 de julho, a assinatura do acordo de fusão entre os seus grupos para a criação da Publicis Omnicom, o mais novo líder da propaganda mundial. O meganegócio forma um conglomerado com faturamento combinado de US$ 22,7 bilhões, em 2012, e com valor de mercado de US$ 35 bilhões. A transação, conduzida sob o mais rigoroso sigilo, deixou para trás o grupo britânico WPP, de US$ 16,5 bilhões de faturamento, chefiado pelo londrino Martin Sorrell, inimigo declarado de Lévy.
 
“É de fato um grande marco”, afirmou Lévy, em conferência com a imprensa, no mesmo dia. “Se você observar o nosso portfólio, ficará boquiaberto.” A transação realmente cria uma combinação única na história do setor, por abrigar sob o mesmo teto uma grande quantidade de marcas nobres da publicidade, além de agências especializadas em internet, empresas de pesquisas, relações públicas e birôs de compra de mídia. A Omnicom, que era o segundo maior grupo do setor, traz ao negócio as tradicionais redes de agências americanas BBDO, DDB e TBWA. Já a Publicis, a terceira maior, conta com nomes coroados como Leo Burnett, BBH e Saatchi & Saatchi. Em conjunto, elas empregam 130 mil pessoas.
 
 
O Brasil não passará incólume por esse “terremoto”, segundo a qualificação do próprio arquirrival Sorrel. Atualmente, dez das 30 maiores agências em operação no País são controladas pelos dois grupos. Nos últimos anos, eles incorporaram ao seu portfólio alguns dos mais conhecidos nomes da publicidade brasileira. São eles: a AlmapBBDO, DM9DDB e Lew’Lara TBWA, pelo lado da Omnicom. Já os franceses, com sua estratégia agressiva de compras em países emergentes, assumiram o controle de Leo Burnett Tailor Made, F/Nazca Saatchi & Saatchi, Neogama/BBH, Talent, Taterka e DPZ, além da própria Publicis PBC.
 
“Com essa consolidação, fica cada vez menos provável que apareçam grandes agências, como DM9 e W/Brasil, formadas no Brasil nos anos 1980”, diz Guga Valente, CEO do grupo ABC, o maior de controle brasileiro, fundado em conjunto com o conterrâneo baiano Nizan Guanaes. “Haverá espaço apenas para grandes talentos montarem butiques para atender alguns poucos clientes.” O ABC será, ao mesmo tempo, um concorrente e um parceiro do novo grupo, já que possui 40% de participação na DM9DDB, originada com a compra do controle da DM9 – criada por Valente e Guanaes – pela nova-iorquina DDB. A estimativa é que a Publicis Omnicom passe a deter 18% da verba publicitária brasileira, algo próximo de R$ 8 bilhões por ano.
 
Será o maior grupo do País, à frente do WPP, com 14%. Nos Estados Unidos, o maior mercado global, o domínio será ainda mais expressivo. Estima-se que os novos donos da propaganda mundial respondam por uma fatia de 40% do mercado americano. O que pode ser uma fonte de preocupação para os órgãos antitruste. Durante as conversas com Wren, travadas ao longo dos últimos seis meses, Lévy manteve as autoridades do governo francês do presidente socialista François Hollande a par da situação. A negociação, que foi tratada diretamente entre os dois executivos e envolveu um reduzido grupo de representantes e advogados, surpreendeu não só o mercado como também os grandes anunciantes. Eles também podem causar algumas dores de cabeça.
 
Tradicionais rivais passarão a ser atendidos pelo mesmo grupo. O exemplo mais notório é o das arqui-inimigas Coca-Cola e Pepsi, que protagonizam, desde a década de 1970, uma das batalhas mais conhecidas da história da publicidade mundial. No Brasil, a situação se repete. A AlmapBBDO atende a Pepsi e a DPZ atende a Coca-Cola. Os dois grupos também trarão para o mesmo teto outras contas importantes, como Nissan, Volkswagen, Unilever, ExxonMobil, BMW, Nike, LVMH e Nestlé. Já entre os clientes que pertencem aos dois lados da fusão estão McDonald’s, Procter & Gamble, L’Oréal e AT&T. “Não sei se o negócio representa o melhor interesse dos seus clientes e talentos”, afirmou David Jones, CEO da Havas, o segundo maior grupo francês de publicidade e que agora sobe a quinto do mundo.

 
“É um negócio que faz duas pessoas felizes e deixa desestabilizados e preocupados 130 mil outros e um punhado de anunciantes.” Lévy e Wren esperam que os clientes confiem na chamada “muralha da China”, termo usado para a completa separação de informações de uma agência para outras. Todos os representantes das agências envolvidas, ouvidos pela DINHEIRO, e que pediram anonimato, garantem que a independência será mantida, como já acontecia quando pertenciam à Publicis e à Omnicom separadamente. A explicação é de que a relação entre as agências de cada grupo sempre foi de competição. “Até agora, a acolhida dos clientes têm sido muito boa”, diz um importante executivo ligado à antiga Publicis no Brasil. “Eles já estão acostumados a ter suas contas dentro de grandes redes de publicidade e os grupos já estão acostumados a fusões.”
 
ESCALA, SINERGIA E BIG DATA – Mas se – ao contrário do que acontece em outros setores em que, nas consolidações, as empresas são fortemente integradas – a independência de cada bandeira será mantida, quais serão as vantagens da megafusão? Os motivos alegados por Publicis e Omnicom podem ser resumidos em três termos: escala, sinergia e big data. O primeiro deles é explicado pela capacidade de negociação mais forte das operações combinadas. As empresas também poderão exigir preços mais baixos por espaços de mídia. Trata-se de uma ameaça mais evidente nos mercados em que existem os birôs de mídia, empresas voltadas a negociar a compra de espaços publicitários.
 
 
“Graças a Deus isso não vale para o Brasil”, diz Valente, do ABC. Aqui são as próprias agências que decidem como alocar os anúncios que criam. Outro ganho importante está na sinergia esperada na integração entre algumas áreas administrativas dos dois grupos. Lévy afirmou que uma economia de US$ 500 milhões será obtida sem grandes dificuldades e que o plano, ainda a ser apresentado publicamente, não envolve a redução do número de funcionários. Esse é um ponto que suscita dúvidas entre os analistas. “Em termos estratégicos faz sentido, mas tenho dúvidas do ponto de vista da operação”, diz Paulo Roberto Ferreira, diretor-geral da ISE Business School. “Vai haver dificuldades em integrar uma organização caracteristicamente americana com uma francesa.”
 
Os espectros de experiências malsucedidas de Alcatel e Lucent, em telecomunicações, de Vivendi e Seagram – dona da Universal Studios – ou de Daimler Benz e Chrysler, no setor automobilístico, pairam no ar, a lembrar os riscos envolvidos nesses casamentos estratégicos. Já o big data, o terceiro grande pilar do negócio, é o conceito que envolve o volume gigantesco de dados gerados pelos consumidores na internet – em especial nas redes sociais. Essas informações podem, se devidamente digeridas e trabalhadas, imprimir mais eficácia e melhor direcionamento às campanhas publicitárias. Para que isso ocorra, requerem-se poderosos sistemas da informação e um novo tipo de talento, que Publicis e Omnicom pretendem reunir.
 
A tendência é de que os profissionais capazes de lidar com essa massa de informação bruta e transformá-la em ouro puro ganhem im­­portância dentro das empresas de publicidade (leia mais ao final da reportagem em "De Donald Draper a Sheldon Cooper). “Os caras criativos, ao estilo Don Draper, não vão desaparecer”, afirmou Wren, em entrevista à Bloomberg TV. “Queremos apenas garantir que o Don Draper do futuro saiba para quem está escrevendo um anúncio.” Restam, ainda, alguns fatores que não foram explicitados por Lévy e Wren e que também pesaram fortemente para a megafusão. O primeiro deles é fazer frente a um novo tipo de empresa, como Google e Facebook.
 
São potências que, em uma década, alcançaram um porte bilionário e têm a capacidade de estabelecer contatos diretos com os anunciantes, sem a intermediação das agências tradicionais. O Google, por exemplo, com quase 15 anos de existência, faturou US$ 50 bilhões em 2012. Quase a totalidade dessa receita vem da publicidade. Para se ter uma ideia do que isso significa, seria necessária uma fusão entre os quatro maiores grupos de publicidade, Publicis Omnicom, WPP, Interpublic e Dentsu para superar essa montanha de dinheiro. A internet é uma importante frente de crescimento para o setor. Mas outro foco são os países emergentes, espaço que a Publicis preencheu melhor do que a Omnicom, por aquisições.

O Brasil é o mais destacado deles. “Junto com Estados Unidos e Inglaterra, o País é um dos três principais em termos criativos”, diz Alexandre Gama, executivo-chefe de criação da britânica BBH em todo o mundo e criador da brasileira Neogama, adquirida pela Publicis no ano passado. Num mercado mundial estagnado, o País é, sem dúvida, uma joia. Mesmo em um ano difícil para a economia, como 2012, o bolo publicitário brasileiro aumentou 6%, para R$ 45 bilhões, segundo o Projeto Inter-Meios. Esse valor coloca o País como o quinto maior do mundo no setor. “Assim como o agronegócio, a nossa comunicação comercial é mais desenvolvida do que o PIB”, diz Ivan Marques, um dos fundadores da F/Nazca Saatchi & Saatchi.
 
Dessa forma, as agências brasileiras que fazem parte de grandes grupos conseguem atrair clientes locais importantes para os conglomerados. “Desde a formação da agência, contamos com clientes alinhados com a Saatchi & Saatchi mundialmente, mas sempre temos mais de 80% da receita vindo de contratos nacionais”, afirma Fabio Fernandes, presidente e cofundador da F/Nazca. Na verdade, algumas vezes, o País até antecipa tendências na conquista de contratos mundiais. “A Visa se tornou primeiramente um cliente nosso e depois virou uma conta global da BBDO”, diz Luiz Sanches, sócio e diretor de criação da AlmapBBDO. Outro motivo que levou à aceleração da fusão atende pela sigla WPP.

 
O grupo britânico representava uma ameaça contínua sobre as duas empresas. “A escala garante que uma delas não seja engolida. Quem não cresce se torna alvo de aquisições”, afirmou outro executivo do novo grupo no Brasil. “Sem a fusão seria difícil para o Publicis ou para a Omnicom alcançar o tamanho da WPP.” O chefão da WPP, Martin Sorrell, não se conteve e tratou de atacar a fusão tão logo ela foi anunciada, ressaltando uma suposta esperteza no fato de a Publicis, menor do que a Omnicom, ter assumido um papel preponderante no novo grupo. “Devemos aplaudir os franceses por um negócio brilhantemente construído, ainda que alguns entre nós acreditem ser difícil de fazer isso”, disse Sorrell.
 
“Temos de congratular Lévy por ter conseguido que o negócio ficasse em 50% para cada lado.” O executivo francês respondeu com o conhecido humor ferino. “Eu ficaria preocupado se sir Martin não tivesse nada de ruim a dizer sobre isso”, afirmou. “Pensaria que eu estava fazendo algo de errado.” Lévy justificou o fato de a Publicis assumir na fusão a mesma participação da Omnicom, apesar do menor faturamento, por ambas possuírem um valor de mercado em torno dos US$ 17 bilhões e lucro líquido de US$ 1 bilhão. Ou seja, os franceses conseguem ter operações mais rentáveis. De fato, além da diferença cultural entre França e EUA, os dois grupos possuem características bastante diversas.
 
 
A Omnicom é uma cria da Madison Avenue, a meca das agências nova-iorquinas e cuja abreviatura compõe o nome da série Mad Men. A empresa tem origens na BBDO, agência liderada pelo publicitário Bruce Barton, que revolucionou o setor, na primeira metade do século 20. O empresário mudou a forma de pensar a publicidade em 1925, quando lançou The man nobody knows, um dos livros de não ficção mais vendidos na história dos EUA, que apresentava Jesus Cristo como pioneiro da propaganda e da figura do homem de negócios. Já a Publicis representa a nova comunicação. Ela foi mais rápida em criar musculatura no mundo online e possui algumas das maiores agências digitais, como DigitasLBi e Razorfish.
 
Ambas atuam no mercado brasileiro ao lado das marcas próprias especializadas nos consumidores do novo milênio AG2 Publicis Modem e Publicis Red Lion. Durante os primeiros 30 meses, Lévy e Wren serão copresidentes do novo grupo. Depois desse período, Lévy, mais velho, com 71 anos, será o presidente do conselho de administração e Wren ficará sozinho na presidência. Uma posição justa para o francês, que ganhou reconhecimento na Publicis, em 1972, quando era diretor de tecnologia e correu para a agência, durante um incêndio, para salvar documentos registrados nos computadores. O caso levou o fundador do grupo, Marcel Bleustein-Blanchet, a chamá-lo de “meu leal guerreiro”. No domingo, Lévy assinou o acordo da maior fusão da história da publicidade sobre uma prancheta pessoal de Bleustein-Blanchet, salva do fogo na ocasião.
 
O publicitário Donald Draper, o cérebro criativo da agência Sterling Cooper, da multipremiada série americana de tevê Mad men, terá agora que conviver com Sheldon Cooper, o nerd do sucesso televisivo The big bang theory. Em outras palavras: as boas ideias continuarão a ser bem-vindas, mas o certo é que as agências de publicidade mergulham com tudo em uma era em que analisar dados para dar um tiro mais certeiro em seu alvo será essencial. É o que têm feito Google e Facebook, que se transformaram em empresas bilionárias. Na maior rede social do mundo, mais de um bilhão de pessoas escancaram sua vida pessoal.

A empresa de Mark Zuckerberg sabe o que cada um gosta (ou “curte”, no jargão do site), com quem se relaciona, qual é sua cidade-natal e até mesmo o biotipo físico por meio de seu preciso sistema de reconhecimento facial nas fotos. Tirar proveito de montanhas colossais de informações como essas ganhou o nome de big data, a última moda no mundo dos negócios. O aumento da capacidade de processamento dos dispositivos, somado com o fácil acesso e armazenagem de informações com a computação em nuvem, cria um coquetel perfeito de fatores para gerar lucros com esse fluxo inesgotável de dados. Essa tendência pode virar de ponta-cabeça o mercado publicitário. Nesse contexto, o descolado departamento de criação perde espaço para os nerds da tecnologia, os heróis da hora.
 
Engenheiros, matemáticos e programadores são os mestres em mostrar a publicidade exatamente para o público-alvo. Os técnicos do Google, que faturou US$ 42,5 bilhões com publicidade no ano passado, criaram o modelo de propaganda commodity com seu AdWords. Nele, qualquer um pode escrever a mensagem que deseja fazer chegar aos interessados com uma dezena de cliques. Do ponto de vista criativo, há pouco a se fazer. Os anunciantes ainda pagarão milhões de dólares para boas ideias, capazes de atrair consumidores para seus produtos. Mas eles estarão cada vez mais atentos para levar sua mensagem diretamente a quem interessa. Quem conseguir isso unirá o charme da tradicional Madison Avenue com a inovação do Vale do Silício. “Bazinga”, como diria Sheldon Cooper.


Veículo: Istoé Dinheiro


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