China é teste para ambições de domínio global da Budweiser

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Não há quase nenhum sinal do mundo ocidental nessa empoeirada cidade da zona rural da China, onde lâmpadas vermelhas pendem de postes e os restaurantes servem rabo de porco e pescoço de pato. Mas alguns ocidentais notariam algo cada vez mais comum por aqui: a cerveja Budweiser, produzida numa cervejaria de última geração.

Cartazes dessa bebida de 137 anos originária de St. Louis, capital do Estado americano de Missouri, espalham-se pelas janelas e paredes dos vários bares e restaurantes que vendem a cerveja. "É feita em Ziyang. Tenho muito orgulhoso disso", diz Li Mei, gerente de um deles.

Várias marcas americanas, de refrigerantes a tênis e cigarros, são líderes mundiais. Mas agora, depois de assistir a chamada Rainha das Cervejas cambalear por anos, a Anheuser-Busch InBev NV está tentando chegar onde nenhuma cervejaria foi até hoje - e criar a primeira grande marca global de cerveja.

Nos últimos três anos, a gigante belgo-brasileira lançou a cerveja na Rússia e na Ucrânia, relançou-a no Brasil, expandiu a distribuição em quase 90 países e dobrou o número de cervejarias fora dos Estados Unidos. Agora, a companhia está tomando uma iniciativa audaciosa na China, país cuja população consome cerca de um quarto de toda a cerveja vendida no mundo e que deve responder por mais de 40% do crescimento do setor nos próximos dez anos, segundo a Plato Logic.

A AB InBev, que espera repetir o sucesso legendário da Coca-Cola na China e em outras regiões, certamente tem poder de fogo para tanto. Formada a partir de duas grandes fusões nos últimos dez anos, e tornada ainda maior pela aquisição do Grupo Modelo SAB, do México, por US$ 20,1 bilhões, a AB InBev tem quase o dobro do tamanho de sua maior concorrente e responde por uma inédita fatia de 20% de toda a produção mundial de cerveja. Em dois anos, ela já gastou US$ 1,4 bilhão reformando cervejarias e em outros investimentos de capital na China, e planeja abrir outras nove cervejarias nos próximos anos.

Mas se por um lado essas iniciativas já geraram alguns resultados notáveis, por outro analistas dizem que a cerveja é diferente de quase todos os demais produtos de consumo por razões tanto históricas quanto operacionais, e por isso é particularmente difícil torná-la uma marca mundial. A cerveja surgiu bem antes das marcas, tendo sido produzida localmente por milhares de anos, tempo suficiente para solidificar os hábitos e as preferências dos consumidores. Do Brasil ao Japão, quem manda são as marcas locais, que geralmente são motivo de orgulho nacional.

A logística de distribuição de cervejas, baseada num produto perecível vendido em garrafas de vidro, também favorece altamente as fabricantes locais. Há muito contrárias a qualquer abordagem global, quase todas as grandes cervejarias do mundo, inclusive a segunda maior, a SABMiller PLC, continuam a investir pesadamente em centenas de marcas locais. Não por acaso, somente uma marca alcançou uma participação de 5% no mercado mundial: a Snow, uma sociedade local em que a SABMiller tem 49%, que é a cerveja mais popular da China e é vendida somente no país.

Mas nada disso parece deter a AB InBev. O brasileiro Carlos Brito, diretor-presidente da empresa, descreve o grande plano para a cerveja: "Vejo um mundo em que a cerveja pode se transformar rapidamente", diz ele. "A cultura americana é algo que se propaga. A Budweiser está se propagando com ela."

Até certo ponto, ela precisa disso. Alguns dizem que a iniciativa na China é a maior esperança da empresa para revigorar uma marca que no seu país de origem está em notável decadência. O consumo da outrora rainha das cervejas vem caindo por 24 anos consecutivos nos EUA, relegando-a à terceira posição no mercado americano, atrás da Bud Light, sua versão menos calórica, e da rival Coors Light.

A AB InBev certamente já enfrentou vários desafios ao redor do mundo à medida que avança com seu plano, desde proibições a bebidas alcoólicas no Oriente Médio e restrições a publicidade no Canadá até litígios ligados a registros de marca na Checoslováquia e outros países. Mas nada disso se compara à ginástica que um lançamento em grande escala na China, onde a AB InBev tem que cobrir uma área de 9,6 milhões de quilômetros quadrados.

Para encarar os desafio, a Bud conta com uma dona forte. A AB InBev foi formada pela fusão, em 2004, da brasileira AmBev com a belga Interbrew. Em 2008, a InBev comprou a Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser, numa aquisição hostil que quase dobrou o tamanho da companhia. Embora seja sediada em Leuven, Bélgica, ela é gerenciada em grande parte por um grupo de executivos brasileiros em Nova York. A missão da empresa é clara: fazer o mundo beber mais cerveja americana.

Isso não significa que a companhia está abandonando suas cervejas locais; ela afirma, por exemplo, que planeja continuar investindo em dezenas de "campeãs locais" com a Skol, no Brasil, e a Franziskaner, na Alemanha. Mesmo na China, a empresa lançou recentemente uma variante da Harbin, sua marca local mais forte, com ingredientes que ajudam a combater os efeitos da comida típica apimentada da região. Mas a AB InBev, que tem mais de 200 marcas, acredita que a Budweiser daria a ela economias de escala de magnitudes jamais vistas no setor.

Os retornos preliminares da campanha global, embora promissores para os executivos da AB InBev, apenas ressaltam o longo caminho a percorrer. Em 2012, as vendas mundiais da Budweiser em volume subiram 6,3%, comparado com um crescimento de 1,5% do setor, segundo a Plato Logic. Mas a participação da marca no mercado mundial só chegou a 2%. Na China, a história é a mesma: a empresa afirma que a venda em volume de suas marcas principais, incluindo a Budweiser, saltaram 22% no primeiro trimestre - mas no ano passado, a Bud ainda tinha só 1,7% do mercado. As dez maiores cervejas são todas locais, inclusive a Harbin e a Sedrin, duas marcas que pertencem à AB InBev, segundo a firma de pesquisa de mercado Euromonitor.

Alterar antigos hábitos de consumo vem sendo um das maiores barreiras. Mas a AB InBev também está só no começo de sua longa jornada para atingir consumidores fora das grandes cidades. Ela agora fabrica a Budweiser em oito cervejarias na China, comparado com duas em 2008. Sua nova cervejaria em Ziyang, na província de Sichuan, fica a mais de 1.600 quilômetros da costa. "O oeste [da China] é um novo país para a AB InBev, diz Jeff Liu, um ex-executivo da Coca-Cola que dirige as operações da AB InBev na região.



Veículo: Valor Econômico


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