Clima tenso na BRF às vésperas de mudanças

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Na última terça-feira, o "núcleo duro" do conselho de administração da BRF se reuniu durante mais de seis horas para avançar nas decisões finais sobre a reestruturação da gestão dos negócios da empresa.

Estavam presentes Abilio Diniz, presidente do colegiado, e representantes da Tarpon, da Previ e da família Fontana. Esse time é que vem orquestrando as modificações na empresa e já ficou conhecido internamente como "comitê dos quatro" - são eles, além de Abilio, Sérgio Rosa (Previ), Pedro Andrade de Faria (Tarpon) e Walter Fontana.

Faltam, porém, algumas definições, e a expectativa é que elas sejam tomadas e anunciadas, no máximo, até a segunda quinzena de agosto, segundo apurou o Valor. Na reunião de terça-feira, os quatro discutiram o diagnóstico feito pela Galleazzi & Associados, contratada por Abilio para desenhar uma reorganização gerencial da BRF a fim de torná-la mais eficiente. Essa reestruturação deve implicar mudanças na gestão, cortes de custos e alterações na direção da empresa.

As medidas apresentadas na terça serão discutidas na reunião do conselho de administração da BRF, com todos os 11 membros, na sexta-feira. Procurada, a BRF não quis comentar o assunto.

O mercado já antecipa, desde a chegada de Abilio Diniz, que a companhia buscará um aumento de eficiência e também a aceleração da expansão internacional. O preço na bolsa, como é função do mercado de ações, reflete essa perspectiva positiva, a despeito dos desafios atuais do setor.

A companhia está avaliada em R$ 42 bilhões. Pouco distante da máxima histórica alcançada em maio, quando beirou os R$ 43,5 bilhões. Quando o empresário, da família fundadora e presidente do conselho do Grupo Pão de Açúcar (GPA), assumiu seu interesse em atuar na BRF, na virada do ano, a companhia valia perto de R$ 36,5 bilhões na BM&FBovespa.

Enquanto no mercado, há otimismo com a empresa, internamente na BRF, o clima é de apreensão. A ansiedade aumentou ainda mais nos últimos dias - pois a única certeza em relação ao futuro é que mudanças virão.

O aperfeiçoamento da gestão tem sido desde sempre uma obsessão de Abilio Diniz, por ser uma área do gosto pessoal do empresário, enquanto o controle dos custos é uma ideia fixa da Tarpon, o fundo acionista da BRF que costurou a modificação no conselho de administração da empresa resultante da união entre Perdigão e Sadia. A Tarpon também foi acionista histórica da Sadia.

Como Abilio havia prometido, não houve alterações bruscas no dia a dia da companhia após sua chegada. Entretanto, a vida de quem ocupa cargos decisórios na BRF ficou mais agitada e sob tensão. Segundo apurou o Valor, executivos como vice-presidentes e diretores passaram por entrevistas e avaliações. É claro que isso fez o clima pesar, ainda mais em um momento em que a empresa enfrenta o desafio de melhorar - ou ao menos segurar - o desempenho das vendas num cenário de inflação que já reduz o ímpeto de consumo no país.

Quando assumiu, em abril, Abilio disse que o atual diretor-presidente da BRF, José Antonio do Prado Fay, seria mantido no cargo e que precisava de mais tempo para estudar o plano que previa a criação de um "headquarter" global para a BRF.

A ideia, que nasceu antes da chegada de Abilio à companhia, prevê a criação de um escritório global da BRF ao qual estariam ligadas subsidiárias regionais. Nessa estrutura, que necessitaria da aprovação do conselho de administração, Fay seria indicado ao posto de presidente global. Agora, porém, pessoas próximas à empresa afirmam que a ideia do "headquarter" está mantida (com Fay no comando) e que deve haver mudanças na presidência-executiva.

Abilio tem mostrado, desde que chegou ao conselho de administração da companhia, grande respeito pelo trabalho e pelo papel de Fay na BRF. Mas há entre acionistas quem veja a troca do executivo como uma iniciativa importante para consolidar a mudança de cultura que se pretendeu promover com a vinda do empresário do varejo.

A criação do headquarter faz parte da estratégia da BRF de se tornar uma empresa global, o que está em linha com os planos de internacionalização defendidos por Abilio. Como tem restrições para ampliar sua produção no Brasil por conta do acordo feito com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para permitir sua criação, a BRF precisa crescer no exterior e tem "olhado oportunidades".

A companhia chegou a fazer uma oferta pelas operações asiáticas da Keystone e pela Moy Park, ambas controladas pela Marfrig - numa operação estimada em R$ 2 bilhões. Não teve sucesso porque a JBS fez uma proposta melhor pela Seara, também controlada pela companhia. Com o negócio de quase R$ 6 bilhões, a Marfrig não precisou mais abrir mão de outros ativos.

A BRF vê na Ásia, no Oriente Médio e na África as melhores opções de regiões para se instalar no exterior, já que estes são mercados em crescimento, enquanto Estados Unidos e Europa já são mercados consolidados. Já olhou companhias nesses mercados que considera promissores, mas não conseguiu fazer aquisições. Prospectou, por exemplo, a Americana, no Kuwait, a mexicana Sigma, e a sul-africana Rainbow, todas empresas que atuam no segmento de processados de carnes.

A articulação para substituição de Nildemar Secches por Abilio Diniz, idealizada e conduzida pela Tarpon, maior acionista totalmente privada da BRF, gerou como consequência, na base de investidores da empresa, a ideia de que mudanças na condução dos negócios eram necessárias. Atentou ainda para o fato de que a companhia não tem um controlador - são os acionistas organizados que decidem o rumo dos negócios.

A expectativa é que Abilio traga, além de modificações na gestão de recursos humanos, uma visão sobre as necessidades do consumidor final e a sensibilidade do varejo, por conta de sua trajetória em GPA, que resultem em diretrizes estratégicas importantes.

A visão dos acionistas é que a BRF, mesmo já sendo líder e com ampla atuação externa, tem ainda muitos avanços a fazer, em especial na agregação de valor dos produtos vendidos no mercado internacional. A avaliação é de que a companhia pode melhorar a venda de industrializados fora do Brasil, como forma de valorizar a reputação que já construiu com suas marcas.

Para tanto, o processamento fora do país é tido como essencial, pois só assim é possível adaptar os produtos às necessidades de cada mercado local. Daí, a avaliação de diversas plantas internacionais.

A BRF é hoje uma companhia com receita líquida anual pouco abaixo de R$ 30 bilhões. Do total, cerca de 45% vêm do mercado externo. A elevação do dólar costuma naturalmente ampliar a participação das exportações na receita e na rentabilidade do negócio.



Veículo: Valor Econômico


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