Tropeços na busca do baixo custo

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As indústrias, em especial as que usam intensivamente mão de obra – como a têxtil –,  vão para onde o custo do trabalho é menor. Foi isso que levou muitas empresas a produzirem na China na década passada. Muitas continuam por lá, mas gradualmente as garantias trabalhistas foram se aperfeiçoando naquele país, fazendo o trabalhador encarecer. Então as empresas, inclusive as chinesas, buscaram Taiwan, depois o Vietnã, até que mais recentemente Bangladesh, ao virar uma tragédia (leia abaixo), virou o centro das atenções.

O problema é que, em geral, mão de obra barata está associada a práticas duvidosas, como cargas horárias abusivas, salários extremamente baixos e falta de garantias trabalhistas. Segundo Eduardo Terra, especialista em tendências do varejo e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), as empresas se preocupam com as condições de trabalho dos funcionários que contratam em outros países, “mas é difícil ter o controle de todos os fornecedores”.

Leia entrevista com Eduardo Terra.

Diário do Comércio – Por que uma empresa corre o risco de associar sua marca à prática do trabalho precário, como visto recentemente com grifes de moda em Bangladesh?

Eduardo Terra – Isso é resultado de um modelo atual de gestão, o global sourcing, que consiste em terceirizar serviços para outros países em busca de redução de custos. As grandes empresas, da mesma forma que possuem equipes que buscam compradores para seus produtos, também possuem equipes que buscam novos fornecedores. Claro que  procuram os melhores preços no mercado, mas também buscam nos fornecedores a qualidade, a regularidade e a legalidade nas condições trabalhistas. O problema é que a indústria da moda é muito dinâmica. É difícil ter o controle de todos os fornecedores.

DC – Como entender que empresas estruturadas como Zara ou  Benetton não controlem seus fornecedores?

ET – A cadeia da indústria têxtil é muito grande. Como são atividades especializadas em cada etapa, uma acaba terceirizando para outra. A confecção terceiriza o corte, por exemplo. Nesse processo, o problema ocorre lá no quinto elo da cadeia, fora do alcance da empresa. Além disso, é difícil permanecer muito tempo com os mesmos fornecedores pelo dinamismo da cadeia têxtil. A moda muda rápido. Então, ora é preciso encontrar alguém que trabalhe com tecido plano, ora com estampados. Não dá para manter sempre os mesmos parceiros.

DC – Uma tragédia como a de  Bangladesh prejudica as marcas envolvidas ante dos consumidores?

ET – Infelizmente ainda não vemos uma relação entre eventos desse tipo e a decisão de compra dos consumidores. As pessoas podem até ver a notícia, ficaram sensibilizadas, mas não mudam a escolha da marca. Claro que uma sucessão de eventos envolvendo a mesma marca a deixa mais exposta. Ainda assim, no geral as empresas estão mais preocupadas com as consequências legais e jurídicas decorrentes de acontecimentos como aquele do que com o impacto que sofra a sua marca.

DC – Há alguns anos o simples fato de o produto ser fabricado na Ásia já gerava desconfiança. Isso não ocorre mais?

ET – Há 15 anos, como o importado era uma exceção no mercado, quando se identificavam problemas em um produto ficava fácil associar ao país onde ele foi fabricado. O que de certa forma isentava o dono da marca. Mas hoje os importados são encontrados por todo lado. Quando se entra em um supermercado é impossível saber o que é nacional e o que é importado. Assim, quando ocorre um problema, a associação mais simples e direta passa a ser com a marca, não mais com o país de origem. Por isso existe o cuidado das marcas com a qualidade dos produtos.

Na mira do Ministério Público

Não é preciso ir tão longe, aos extremos da Ásia, para encontrar trabalhadores expostos a condições precárias. No mês passado, fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT) encontrou 29 costureiros bolivianos em condições análogas a de escravos em uma oficina na zona leste de São Paulo. As roupas que eles produziam tinham etiquetas das grifes Cori, Luigi Bertolli e Emme, que pertencem ao grupo GEP, também responsável pela entrada da norte-americana GAP no Brasil. Os costureiros tinham jornada de 11 horas. As empresas prontamente responderam à fiscalização. Informaram que grande parte da responsabilidade se devia à terceirização, mas prometeram regularizar a situação e melhorar o ambiente de trabalho. E  logo indenizaram os trabalhadores.

Casos semelhantes têm se espalhado para o interior de São Paulo, onde oficinas de costura irregulares crescem em número, em especial nas cidades de Nova Odessa, Americana e Indaiatuba. Em 2011, por exemplo, fiscais do Ministério flagraram fornecedores da grife Zara explorando bolivianos em duas oficinas de Americana.

O setor têxtil aparece entre os mais envolvidos com o trabalho precário. O setor da construção civil é o que agrega o maior número de ocorrências. Dados da Secretaria Estadual da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo mostram que em 2012 foram resgatadas 77 vítimas do tráfico de pessoas, das quais 59 eram exploradas em condições degradantes na indústria têxtil e na construção civil.

Segundo o procurador Luiz Carlos Fabre, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, cada trabalhador explorado como escravo representa uma “economia” de R$ 2,3 mil mensais para a empresa têxtil contratante. "Dessa forma, as empresas que agem dentro da legalidade ou fecham as portas ou nivelam por baixo suas práticas trabalhistas", comenta o procurador.

Segundo Fabre, o MPT tem mudado a forma de agir para ampliar o número de trabalhadores resgatados de situações irregulares. De acordo com ele, as investigações são cada vez mais concentradas no beneficiário final (como as grifes apontadas acima), o que tem elevado a eficácia das ações. "É o beneficiário final que tem a capacidade de mudar as condições da cadeia, já que tem maior poder financeiro, tendo assim a condição de aprimorar toda a cadeia", diz Fabre.

Depois da tragédia, o compromisso

No dia 24 de abril, um edifício que abrigava diversas oficinas têxteis desabou em Bangladesh causando a morte de 1.124 pessoas. A tragédia evidenciou as péssimas condições trabalhistas do setor têxtil daquele país, de onde parte grande quantidade de vestuários de marcas de grifes internacionais como a holandesa C&A, a espanhola Zara e a sueca H&M. 

Após a tragédia, que foi seguida de protestos e paralisações dos trabalhadores têxteis locais, o governo de Bangladesh anunciou que aumentará o salário mínimo e permitirá a criação de sindicatos no setor. As grifes mundiais que usam a mão de obra do país também se comprometeram a assinar um acordo sobre Segurança e Contra Incêndios para evitar novas tragédias deste tipo.



Veículo: Diário do Comércio - SP


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