Trem cobra mais caro do que caminhão, afirma produtor

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A situação enfrentada pelos produtores de soja e milho na principal região de grãos do Brasil expõe a necessidade de ampliação da malha ferroviária, ao mesmo tempo que indica que mudanças no modelo de concessão do setor poderiam beneficiar o escoamento produção agrícola. Nesta fase da safra de inverno, o Mato Grosso vive seu pico de escoamento. As limitações logísticas colocam os produtores em uma situação "preocupante", diz o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja) e do Movimento Pró-Logística, Carlos Fávaro: a ferrovia, meio de transporte que historicamente tem preço bem inferior àquele cobrado nas estradas, passou a ter, em determinadas situações, um frete mais alto que o dos caminhões.

"Quando um produtor decide negociar o transporte de sua carga diretamente com a empresa ferroviária, e não por meio de uma 'trading', como costuma fazer, é exatamente essa a situação absurda que ele encontra", comenta Fávaro. "Como a ferrovia é um monopólio, onde as regras não são transparentes, o produtor vira simplesmente um refém dessa situação."

No Mato Grosso, a única opção ferroviária de acesso aos portos de Santos (SP) ou Paranaguá (PR) se dá pela Ferronorte, malha controlada pela América Latina Logística (ALL). A empresa nega a afirmação de que cobra preço de frete acima do rodoviário. Caso o produtor não queira escoar sua safra pela ferrovia, os únicos caminhos que tem são a BR-163, que corta o Centro-Oeste até chegar a Santarém (PA), onde é possível acessar o rio Amazonas, e a BR-364, que avança até Porto Velho (RO), chegando ao rio Madeira.

Essa situação faz com que, praticamente, quase toda produção da região envolva a intermediação de uma trading. Grandes companhias, como Bunge e Cargill, compram a colheita dos fazendeiros e, por meio de um contrato já firmado com a ALL, transportam a produção até os portos do país, onde elas também detêm terminais de armazenamento. A crítica dos produtores não poupa o modelo de atuação dessas tradings.

Segundo Fávaro, da Aprosoja, essas companhias contratam um preço competitivo de frete ferroviário com a ALL, mas na hora de negociar com os produtores, o custo embutido na conta é o do frete dos caminhões, regularmente mais caro que o da ferrovia. "Quem paga o custo é o produtor. Para a formação do preço da soja ou do milho, as tradings sempre se baseiam no frete rodoviário, apesar de sabermos que, aqui no Mato Grosso, mais da metade da produção já sai pela ferrovia", diz Fávaro.

Os dados do Instituto Mato Grossense de Economia Agropecuária apontam que, entre 2003 e 2011, o preço do frete rodoviário cobrado para levar a safra do Mato Grosso até o porto de Santos mais que dobrou, indo de US$ 62,3 para US$ 130 por tonelada. Hoje estima-se que, para cada mil km, o frete das estradas oscile entre US$ 40 e US$ 55. "Como a ferrovia sabe das limitações dos caminhões, ela pratica um preço alto também", diz o presidente da Aprosoja. "Normalmente, esse frete chega a 95% do das rodovias. Se formos procurá-los diretamente, sem a participação das tradings, pode chegar a 105% do preço das estradas."

Os produtores defendem as ferrovias como a melhor opção do transporte, mas cobram mudanças no acesso a elas. "Estamos falando do melhor caminho para o escoamento, mas o problema é o modelo, a forma que essa estrutura é oferecida", comenta Fávaro.

O Valor procurou as tradings Bunge e Cargill para comentar as afirmações sobre a falta de transparência na cobrança de frete. A Bunge enviou nota informando apenas que, "considerando questões globais e de mercado, além da forte demanda atual por grãos, a Bunge avalia alguns fatores na negociação logística, tais como: projeções com os menores custos logísticos possíveis, os custos mais atrativos aos produtores e o índice de competitividade de cada modal". A Cargill não retornou ao pedido de entrevista.

Segundo dados do setor agronegócio, o segmento perde cerca de US$ 4 bilhões por ano por conta da ineficiência da infraestrutura e logística nacionais.


ALL nega preço mais alto que rodovia e defende modelo


A América Latina Logística (ALL), concessionária que responde pela Ferrovia Senador Vicente Vuolo (Ferronorte), malha que avança até Alto Garças, no Mato Grosso, nega que o preço de seu frete chegue a custar mais que o valor praticado no transporte rodoviário. Mesmo em negociações diretas com os produtores, ou seja, sem a participação das tradings, o valor nunca chega a ultrapassar o custo encontrado das estradas. É o que afirma o diretor de commodities agrícolas e novos negócios da empresa, Sergio Nahuz.

"Se há uma opção de caminhão que seja mais barata, é claro que o produtor vai atrás desse caminhão. O que faz alguém procurar a ferrovia é justamente o seu preço. Como tenho que ser competitivo, tenho que ser mais barato. É uma coisa lógica", diz Nahuz. "Se eu fosse mais caro, obviamente não teria carga. Portanto, a realidade não é essa que estão dizendo por ai. A ferrovia tem sempre um valor inferior ao da estrada."

Sobre a relação comercial que a ALL mantém com as tradings - empresas como Bunge e Cargill -, Nahuz afirma que essas companhias funcionam como "grandes consolidadoras de cargas", que compram e vendem no exterior. Segundo o executivo, o custo do frete aplicado pela ALL costuma ser, em média, 15% inferior ao preço das rodovias. O valor oscila conforme a curva de sazonalidade de colheitas e safras. "Temos um preço nosso, mas não temos o poder de atuar sobre quanto as tradings cobram dos produtores lá na ponta. Uma coisa é o que eu cobro, outra coisa é o que eles repassam para o produtor", explica o diretor da ALL.

A Ferronorte está em fase de expansão, com obras que avançarão até Rondonópolis, atingindo o centro da grande mancha produtora de grãos do país. A ALL acredita que a extensão da malha, com conclusão prevista para até dezembro deste ano, terá papel fundamental no escoamento de grande parte da safra 2012/13.

A ALL está investindo para minimizar um dos principais problemas que limitam a capacidade da Ferronorte. "A grande limitação hoje da ferrovia é a infraestrutura aeroportuária para recepção da carga. O porto é nosso grande gargalo", comenta. "Eu poderia aumentar meu transporte, mas é preciso enxergar a capacidade de carga, de trem e a capacidade do destino. Santos, por exemplo, tem gargalos de recepção ferroviária que estamos tentando tratar", afirma.

Paralelamente, a empresa firmou parceria com a Rumo Logística, para tocar o primeiro trecho de duplicação da malha que detém na Baixada Santista, ligando os municípios de Perequê a Cubatão, em São Paulo.

O projeto de duplicação, que custará R$ 26 milhões, inclui a revitalização da linha, melhorias no sistema de drenagem, elevação da plataforma ferroviária e uma nova estrutura da malha. As mudanças permitirão dobrar a capacidade de circulação, elevando de 30 para 60 o número de trens em circulação na margem direita do porto, além de melhorias na produtividade para a margem esquerda do cais em Santos. Iniciada em janeiro de 2011, a duplicação abrange uma extensão de 11,5 quilômetros.

No plano ideal, diz Nahuz, a duplicação caminha para chegar até Campinas, ponto de encontro de outras malhas com destino ao litoral paulista. "Todo volume do Mato Grosso tem que descer junto com a açúcar de São Paulo e se somar às cargas da FCA e da MRS que transitam nessa malha", explica o executivo. "Hoje conseguimos alcançar uma taxa de transporte de até 90% da produção do Mato Grosso que tem como destino a exportação. Em nenhum mercado é possível ter uma participação desse porte se você é mais caro. "

Para os produtores, assim como para a presidente Dilma Rousseff, o problema da ferrovia se chama monopólio. "Enquanto isso não mudar, o país continuará a ser prejudicado por um modelo nada transparente, que não privilegia a competitividade nacional", conclui Carlos Fávaro, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja) e do Movimento Pró-Logística



Veículo: Valor Econômico


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