Excesso de chuva em SP faz produtor de hortaliças usar mais agrotóxicos

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Aumento da umidade e temperaturas amenas no outono e no inverno elevam os riscos de doenças em verduras e legumes no Estado, o que pode até triplicar o uso de pesticidas, afirmam especialistas; com isso, produtividade diminui e preços aumentam

 


Os efeitos do atípico período chuvoso em São Paulo desde maio - o mais intenso em quase três décadas - já impactam os produtos agrícolas consumidos pelos paulistanos. Segundo técnicos e produtores, verduras e legumes têm sido cultivados com mais agrotóxicos para compensar o inesperado excesso de umidade. O excedente da chuva também dificulta o plantio de orgânicos, que já são encontrados em menor quantidade nas feiras.

Os números só serão conhecidos em agosto, quando o Ministério da Agricultura consolidar os dados que o Plano Nacional de Controle de Resíduos Contaminantes (PNCRC) coletou até o dia 30 de junho. Mesmo assim, produtores e especialistas afirmam que tem havido um maior uso de pesticidas no cinturão verde paulista nos últimos três meses, especialmente em folhosas (alface, rúcula e brócolis) e solanáceas (pimentão e tomate).

"O outono e o inverno estão prejudicando muito a agricultura paulista neste ano. O último grande período úmido assim havia sido em 1983", afirma o pesquisador Marcelo Bento Paes de Camargo, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). "Isso se reflete na necessidade do combate químico em produtos como laranja, cana-de-açúcar e as hortaliças, que são mais frágeis."

O produtor e agrônomo Gérson Saiki, que planta em Cotia e vende na Ceagesp, nega ter compensado o decréscimo de produtividade com agrotóxicos, mas relata que em sua região produtores têm usado do artifício. "O pessoal está descapitalizado por causa do verão pouco lucrativo que tivemos e tenta salvar a produção a qualquer custo", afirma.

O inverno com temperaturas brandas em São Paulo tampouco tem facilitado a vida dos agricultores. O clima frio, segundo especialistas, auxilia no controle das doenças fúngicas e bacterianas.

"É o motivo pelo qual o inverno seco é a estação mais propícia para o cultivo de hortaliças. Mas a alta umidade, com temperaturas amenas, aumenta o risco de doenças e, assim, o uso de agrotóxicos pode duplicar e até triplicar", explica o agrônomo Carlos Lopes, da Embrapa Hortaliças.

Orgânicos. Entre os produtores orgânicos, que evitam o uso de pesticidas sintéticos, o excesso de chuva tem inibido o plantio. Com isso, itens como alface, rúcula e brócolis têm tido menos oferta, e com qualidade inferior.

Sidnei Gomes, produtor de Mogi das Cruzes, afirma que perdeu até 30% da produção de hortaliças. "Com tanta água, nem adianta plantar porque não cresce", diz o agricultor, que vende vegetais nas feiras livres do Pacaembu, Água Branca e Ceagesp.

João Evangelista, que também comercializa seus produtos orgânicos no Parque da Água Branca, afirma que há dois meses não planta rúcula. "Em épocas boas, conseguia oferecer 800 caixas de verduras e legumes por mês. Atualmente, mal tenho conseguido produzir 600", afirma.

Os agricultores que menos sentem o impacto da chuva são os que plantam em solo coberto - e cobram mais caro por isso. O comerciante João Roberto Françolim, de 47 anos, que costuma fazer compras na feira da Ceagesp, reclama dos preços. "O tomate quase dobrou de valor. Além disso, a alface está muito menor. No saco plástico que ficava cheio com uma peça, hoje cabem duas com folgas."



Ceagesp ignora quantidade de pesticidas


Maior distribuidor de produtos agrícolas do País, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) desde outubro deixou de ter controle próprio sobre a quantidade de pesticidas presentes nas verduras e legumes que passam pelo local. O centro de armazenagem alega que não tem recursos para fazer a análise de resíduos de agrotóxicos após o fim do subsídio do Ministério da Agricultura, há nove meses.

Com a opção de fazer o controle diretamente entre os produtores, em diversas partes do País, o governo limitou o pagamento de análises laboratoriais de 410 amostras anuais para 230. "Consideramos que não seria uma avaliação representativa e optamos por não fazer", afirma Ossir Gorenstein, responsável pelo Centro de Qualidade Hortigranjeira da Ceagesp. "Hoje, é inviável o pagamento com recursos próprios, pois há outras prioridades. Cada amostra custa entre R$ 500 e R$ 600."

Segundo Gorenstein, o risco maior está na saúde dos agricultores, que lidam diretamente com os produtos químicos em alta dosagem. "Temos programas de incentivo à produção sem agrotóxicos, mas é importante haver nosso próprio banco de dados. Hoje, não sabemos o estado do uso de pesticidas dos produtos que chegam à Ceagesp."

Fábio Florêncio, coordenador-geral de qualidade vegetal do ministério, afirma que a decisão de expandir a análise ocorreu por causa da falta de rastreabilidade dos produtos que entravam na Ceagesp. "Mesmo com as notas fiscais, tínhamos problemas para identificar a origem dos produtos. Optamos por fazer o trabalho mais focado no produtor e, por isso, a Ceagesp teria um número de amostras mais reduzido", explica.



Veículo: O Estado de S.Paulo


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