Defesa do Consumidor completa bodas de prata

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Em 1990, o consumidor brasileiro, a duras penas, só contraía dívidas para itens essenciais. Mas veio a política de incentivo ao consumo e, com ela, a facilidade de captar crédito “sem medo”. As compras de produtos de necessidade básica ou supérfluos passaram a ser divididas em 48, 60, 180 vezes e, neste ano, em meio à turbulência econômica do país, estourou a conta: 40 milhões de brasileiros com dívidas vencidas. O cenário, preocupante para economia brasileira, é um dos desafios que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) deve enfrentar nos próximos anos. Na sexta-feira, o código completou 25 anos, e especialistas apontaram que o superendividamento no Brasil é a causa emergencial que a lei precisa vencer.

Promulgado em 1990 e em vigor desde 1991, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro é considerado exemplo de eficiência e referência na América Latina. Em 25 anos, a legislação consumerista se consolidou como uma das que o brasileiro mais conhece e usa. Segundo pesquisa do Data Senado, o CDC é a segunda lei da qual a população mais se beneficia no dia a dia, perdendo apenas para o seguro-desemprego. No levantamento, feito em 81 municípios, 46% dos entrevistados afirmaram que já tinham usado a norma em uma situação particular ou que conheciam algum beneficiado.

“Muitas coisas deram certo durante todo esse tempo de história, mas, para o futuro, são necessárias adaptações”, comenta o coordenador do Procon-MG, o promotor de Justiça Fernando Ferreira Abreu. Ele lembra que, antes de a legislação entrar em vigor, não existia um código voltado exclusivamente ao consumidor. “Com o CDC, muitas conquistas foram feitas, mas é preciso olhar, agora, para o futuro. E a nossa preocupação é com o endividamento”, diz. A consequência da superoferta de crédito tirou a capacidade do cidadão de avaliar com cautela quais são os impactos da inadimplência. Para se ter ideia, somente no Procon de BH, as maiores queixas este ano foram de assuntos financeiros, o que envolve as dívidas contraídas.

O promotor lembra que, ainda na década de 1990, pouco tempo depois de o código entrar em vigor, os procons eram acionados para as dívidas com eletrodomésticos. “Hoje, com a cultura do consumismo no país, devido às políticas de incentivo ao crédito, as pessoas parcelam todo tipo de compra e de serviço, sem saber direito o que isso pode lhes ocasionar. Pegam empréstimo para comprar um celular novo, por exemplo”, comenta o promotor. O assunto vem sendo debatido dentro do Projeto de Lei (PLS) 283/2012, que cuida da prevenção para o superendividamento. Tanto esse projeto quanto o PLS 281/2012, que cuida do comércio eletrônico, estão, atualmente, prontos para serem votados no plenário do Senado.

“No Projeto de Lei 283, há uma cláusula que dá ao consumidor o direito de se arrepender de um empréstimo em 14 dias. Muitas vezes, um idoso, por exemplo, é abordado e convencido que deve pegar um dinheiro emprestado, mas quando chega em casa, vê que não precisava disso. Com essa cláusula, ele terá direito de voltar atrás”, esclarece o promotor. Segundo ele, mesmo que aprovado o projeto de lei, é preciso que os governantes deem mais atenção à educação financeira dentro das escolas. “É dessa forma que vamos conseguir vencer o superendividamento. Na Europa e nos EUA, ou você tem dinheiro e adquire o produto ou você não compra. Ninguém parcela nada”, compara o promotor.

Somado ao endividamento, a outra urgência necessária para o Código de Defesa do Consumidor é o comércio eletrônico, para o qual ainda não há uma proteção específica que defenda o cliente das más práticas. O PLS 281/2012 aborda o tema e, atualmente, tramita no Senado. “Não há uma regulamentação para as compras virtuais nem para a publicidade, e isso é uma outra emergência atual”, avisa a coordenadora do Procon de Belo Horizonte, Maria Lúcia Scarpelli.

Outra prioridade destacada por ela diz respeito à clareza dos artigos. “Vinte e cinco anos depois da promulgação do código, ele continua muito moderno e forte, sendo exemplo para vários países. Mas, além do superendividamento e do e-commerce, é preciso lembrar que a lei deve ser mais clara para algumas situações, como reposições de peças no mercado. A legislação diz que as peças de um produto que saia de fabricação devem ser mantidas por um bom período de tempo, sem especificar quanto tempo”, cita.

Outro exemplo de mudança necessária para o código, segundo Scarpelli, é o rigor para o setor de telefonia, para o qual há enxurradas de reclamações nos órgãos competentes. “É um setor que ainda pratica a publicidade enganosa”, afirma. Segundo o promotor Fernando Abreu, nesse ponto, as agências reguladoras deveriam ser mais rigorosas. “A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo, mesmo com tantas reclamações, não suspende a atividade de determinada empresa. É preciso um fortalecimento das agências reguladoras e dos Procons”, cobra o promotor.

A coordenadora intistucional da Proteste (órgão nacional de defesa do consumidor), Maria Inês Dolci, também cobra mais braço firme das agências reguladoras. “Elas têm normas muito flexíveis e isso é um ponto que nos preocupa demais, já que a qualidade dos serviços móveis prestados hoje deixa a desejar”, comenta. Dolci diz que, atualmente, o Poder Judiciário é lento e não tem estrutura para agilizar os processos. “Tem casos, contra grandes empresas de telefonias ou de energia, que demoram anos para serem julgados. Um exemplo de luta da Proteste foi a do ressarcimento aos consumidores para as contas erradas de energia elétrica emitidas entre os anos de 2002 e 2009. Houve um erro na metodologia e, até hoje, não conseguimos reaver isso”, lamenta Dolci.

O que precisa mudar

Os 25 anos do Código de Defesa do Consumidor trouxeram muitos ganhos aos cidadãos, mas, segundo especialistas, é preciso melhorar muitas outras coisas. Veja algumas delas:

1) Rotulagem dos alimentos
Os rótulos dos produtos em supermercados continuam ilegíveis, não dando informações importantes para hipertensos, obesos e outros.

2) O papel das agências reguladoras
No momento em que as agências concedem aumentos às tarifas públicas e cresce a insatisfação dos clientes com os serviços de telefonia, as agências que regulamentam os setores de energia e de telefonia devem ter braços mais firmes e cortar as atividades das empresas reclamadas. A Agência Nacional de Saúde faz isso com os planos de saúde.

3) Combate ao endividamento
Este é o maior desafio do CDC daqui pra frente. Para especialistas, há uma menor preocupação da empresa que concede o crédito em saber se o orçamento do consumidor passa a estar comprometido com a dívida ao ponto de esta se tornar impagável. Aliás, quanto mais impagável ela se tornar, maior é a possibilidade de o consumidor pagar juros cada vez mais astronômicos e abusivos. Uma das saídas seria o direito de arrependimento, que daria ao consumidor um limite de tempo para se arrepender da dívida feita.

4) Educação financeira
Especialistas cobram dos governantes políticas públicas que incentivem a educação financeira dentro das escolas, como forma de incentivar o consumo consciente no país.

5) E-commerce
Sem estar no CDC, o comércio eletrônico precisa entrar no código de forma mais incisiva, para que as más práticas do mercado on-line sejam coibidas.

6) Fim do roaming
Enquanto na Europa já existe um prazo para acabar com o roaming internacional entre países do bloco, os brasileiros ainda pagam pelo deslocamento doméstico – tarifa adicional que entra em vigor quando o consumidor faz ou recebe ligação fora do local de origem –, mesmo em cidades vizinhas. A Proteste encabeça a luta para o fim da cobrança por esses serviços, mas ainda não houve vitória.

7) Limite de juros
Atualmente, há uma campanha no país para limitar a cobrança de juros, chegando ao teto máximo de 21,62% ao ano. A preocupação dos órgãos competentes é com endividamento cada vez maior da população.

Balanço de queixas em Belo Horizonte: Somente este ano, de janeiro a 9 de setembro, o Procon da capital registrou 32.555 atendimentos.

 



Veículo: Jornal Estado de Minas - MG


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