Lojistas fecham portas em ruas e shoppings de Porto Alegre

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Após 16 anos atuando no varejo de artigos esportivos, o ex-comerciante Odi Garcia lamenta ter visto seu negócio "quebrar" em 2015. Em julho, ele encerrou as atividades da loja Via Vênus para se tornar vendedor de uma marca de roupas masculinas. "O faturamento vinha caindo desde 2012", explica Garcia, associando ao fato de que o ponto onde a empresa funcionava, em um centro de compras da Capital, vinha perdendo movimento desde 2010. "Ali falta investimento em estrutura", reclama. No entanto, outros fatores contribuíram para o fim da Via Vênus, admite o ex-lojista. "O aluguel estava caro, os custos de luz e água aumentaram, os impostos são altos, e o consumo, que já estava fraco, caiu bastante."

O caso de Garcia é um exemplo do que vem ocorrendo com outros empreendedores do comércio e dos serviços da cidade. Tem sido cada vez mais comum avistar placas de "aluga-se" ou "passo o ponto", que permanecem intactas por meses. O ex-proprietário da Via Vênus conta que ficou insustentável pagar aluguel de R$ 1,5 mil por semana para permanecer no espaço de 12 metros quadrados. "Muitas vezes, as vendas não chegaram nem a este valor, e fui acumulando prejuízo", admite. Para piorar, o local onde a loja funcionava era pouco atrativo. "Sem um diferencial, e em meio a esta conjuntura econômica, não tem como ser competitivo", justifica Garcia.

Na percepção da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA), o cenário econômico está mesmo afetando de forma significativa as operações de varejo da Capital. O presidente da entidade, Gustavo Schifino, considera que o momento é crítico para o comércio. "Várias empresas fecharam este ano", destaca o dirigente. Em levantamento recente, a CDL POA verificou que o número de pontos disponíveis em shoppings centers e lojas de rua (centrais e de bairros) cresceu. "É assustador a quantidade de tapumes que se vê por aí", considera Schifino. Segundo ele, o índice de desocupação de pontos no varejo em ruas não centrais gira em 11%, segundo pesquisa realizada em maio. "No entanto, este volume pode ser ainda maior. Para poder contrastar, faremos novo levantamento em setembro", informa Schifino.

Nas ruas de alto fluxo, onde até o ano passado não havia pontos disponíveis, agora surgem inúmeros espaços vagos. "Nunca se viu tanto. No Centro, está cheio de lojas desocupadas, que fecharam suas portas, e desde o verão os pontos permanecem vazios", observa o presidente da CDL POA. Ele pondera que, em grande parte, os varejistas não estão encerrando completamente as atividades, mas sim fechando as operações mais deficitárias, onde o custo de ocupação não tem o retorno desejado. O dirigente sinaliza que é nos shoppings, "que são mais resistentes na questão de redução temporária de aluguel", onde se observa o maior número de tapumes.

A falta de perspectivas em médio e longo prazo, em vista de cenários políticos desgastados e os atrasos de pagamentos de salários do funcionalismo público no Estado, deixa tudo mais difícil, acrescenta o presidente da CDL POA. "O desemprego crescente e o diferencial de alíquota (Difa) de ICMS que precisa ser pago pelos lojistas na compra de produtos fora do Rio Grande do Sul, contribuem para o fechamento das lojas", acredita Schifino. Ele destaca que a entidade vem tentando dialogar com o governo gaúcho sobre a possibilidade de implementação de um novo Refis para empresas devedoras tentarem continuar em atividade, e quitar seus débitos. "Mesmo que muitos lojistas queiram, não estão conseguindo honrar esta dívida."

Dificuldades atingem principalmente os pequenos empreendedores no primeiro ano de atividade
Atualmente, a média de fechamento de lojas com apenas um ano de atividade no Brasil é de 80% e, no caso de empresas franqueadas, este número baixa para 10%, destaca o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Longo. "Em qualquer cenário, é preciso estar preparado para abrir um negócio." De acordo com o dirigente, a dificuldade maior é do pequeno varejo. Ele observa que com o fato de tantos pontos fecharem mostra a necessidade de se baixar os preços dos aluguéis. "É uma adequação que deve ser feita. Quem não baixar, ou ficará com o espaço vazio ou vai alugar para alguém que irá ficar pouco tempo, porque não vai conseguir se sustentar."

O dirigente faz coro às reclamações de que os custos do pequeno empresário aumentaram muito, inclusive com segurança, devido aos riscos de assalto. "No fim, estas empresas fecham, porque demoram para repassar o preço para o consumidor, em vista da grande concorrência e em pleno momento onde há perda do poder aquisitivo da população." De acordo com o presidente da AGV, Vilson Noer, atualmente o valor do aluguel chega a representar de 15% a 20% do faturamento das pequenas empresas. "Antigamente, não passava de 10%", compara.

"O varejo só se sustenta com muita movimentação, porque a margem é baixa, quando se abre um negócio ele tem que girar", explica Longo. Segundo ele, o setor supermercadista está se mantendo melhor, porque tem a possibilidade de ampliar o mix de produtos e fazer promoções.

Readequação altera o perfil dos negócios no Paseo Zona Sul


Localizado no bairro Tristeza, em Porto Alegre, o shopping Paseo Zona Sul está com 10 de suas 40 lojas fechadas. No entanto, o gerente comercial do empreendimento, Marcelo Feijó, garante que a saída dos locatários não se deu pela crise, mas sim porque o shopping está passando por um período de readequação de mix de produtos e serviços.

"Identificamos que o modelo inicial, voltado mais para serviços e gastronomia, com o passar do tempo foi se alterando, com entrada de muitos aventureiros, que abriram lojas que não deram certo", justifica. No entanto, Feijó admite que o cenário econômico está afetando a velocidade de concretização de novas locações. Até o ano passado, o tempo médio para o empreendimento fechar novos contratos de locação era de um mês, agora está demorando até quatro meses. "No momento em que a barreira está alta, são poucos que se mantém, e poucos que entram no comércio", considera. "Quem entra, tem aporte financeiro reservado para qualquer imprevisto e conhece o mercado", avalia Feijó. Segundo ele, o valor de locação no Paseo Zona Sul fica entre R$ 60,00 a R$ 100,00 o metro quadrado, sendo que a menor loja tem 37 metros quadrados e a maior chega a 300 metros quadrados.

Já quem circula pelo Shopping Total pode se questionar do porque de tantos tapumes. "Sempre teve fluxo de inauguração e fechamento de lojas, ou mesmo troca de ponto dentro do shopping. Mas neste ano está pior", comenta o gerente da Confraria Masculina, Willian Magnus. "Só este ano eu vi no mínimo 10 operações irem embora", completa. Bem ao lado da loja onde Magnus trabalha, há um tapume. "Ali funcionava a Block Sotck (de moda feminina), que saiu do empreendimento, porque quebrou", explica o gerente. Não foram apuradas quaisquer reclamações sobre estrutura ou falta de atrativos no Shopping Total, no entanto, uma circulada rápida pelo local sinaliza que algo não vai bem: são mais de 20 pontos vazios, em um universo onde anteriormente havia fila de espera para ocupação, segundo lojistas locais. Em frente à Confraria Masculina, há outro espaço fechado, "este há mais de um ano", calcula o gerente. Procurada, a Superintendência do Shopping Total não se manifestou. O gerente da loja de roupas masculina emenda: "o empreendimento é atrativo, o maior problema é que há seis meses as vendas vêm declinando".

Para o Sindilojas, não consegue se  manter quem executou má gestão


Na visão do presidente do Sindilojas POA, Paulo Kruse, o maior problema não é nem a conjuntura econômica, nem a queda das vendas, mas sim a falta de planejamento daqueles que "empreenderam mal, em tempos de bonanza". O dirigente considera que a crise no comércio não é tão expressiva. "Se analisarmos de perto, em muitos casos falta capital de giro", observa. "No primeiro trimestre, as vendas caíram 2,8%, um índice que não impacta a ponto de alguém quebrar."

Por outro lado, o cenário adverso na política e nas finanças tanto em nível nacional, como estadual, somado ao atraso nos salários dos servidores públicos, custo operacional caro e oferta "exagerada" de lojas no comércio (que para driblarem a concorrência reduzem preços) provocaram mais desaceleração nas vendas, lembra o presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV), Vilson Noer. Para ele, o "grande problema" tem sido a falta de lucratividade, principalmente dos pequenos lojistas.

Já Paulo Kruse reconhece que nesta receita de enfraquecimento do desempenho constam ainda a alta dos juros e custos de serviços públicos (como energia elétrica), além do aumento dos valores de aluguel e custos com a antecipação do pagamento do cartão de crédito para as operadoras. Mesmo assim, ele acredita que só não está conseguindo manter o negócio quem executou uma má gestão.

Não é o que pensam lojistas da zona Norte. Na galeria de lojas de comércio e serviços que funciona no prédio do Carrefour Passo D´Areia, o salão 1ª Classe também baixou as cortinas definitivamente, após 10 anos de atividade. Segundo locatários que atuam no empreendimento, o ex-proprietário entregou o ponto após vender o negócio, mas teria saído "devendo até para os funcionários". Solidários com o antigo dono do salão, alguns comerciantes da galeria reclamam que o preço da locação é alto, e que a rede de hipermercados oferece infraestrutura precária. O proprietário de uma das lojas - que prefere não se identificar - afirma que seu contrato de cinco anos de aluguel está terminando e que recebeu a notícia de que o Carrefour deverá aumentar o valor do ponto de R$ 2.589,00 para R$ 12 mil. "É um absurdo, em plena recessão." Ele reclama que as vendas andam fracas, devido "às péssimas condições (de banheiros a escada rolante e segurança) do empreendimento", que espantam clientes. "Todos que entregaram o ponto saíram quebrados", afirma o empresário.

Ao todo, há quatro espaços para lojas vagos no térreo e um no mesmo nível do hipermercado. Em nota, o Carrefour informa que a galeria comercial que integra a sua unidade do bairro Passo D'Areia "contempla dois andares onde operam diversas lojas dos mais variados setores". "A locação dos espaços comerciais está alinhada à estratégia da empresa de oferecer as marcas que melhor atendam às demandas do consumidor da loja Carrefour", diz o texto. A companhia ainda afirma que "valoriza a parceria com os lojistas e, por isso, trabalha pela melhoria contínua dos espaços oferecidos".



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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