Produtor de leite do Estado busca qualidade e mercado

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Na semana passada, durante a 38ª Expoleite - que ocorreu simultaneamente com a 11ª Fenasul até ontem, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio -, o presidente da Associação dos Criadores de Gado Holandês (Gadolando), Marcos Tang, recebeu a reportagem do Jornal do Comércio para fazer uma avaliação do cenário atual para o produtor. Desde o fim do ano passado, produtores queixam-se dos baixos preços e do atraso de pagamentos em alguns casos, e Tang confirma que o momento atual destoa dos anteriores. Os preços vêm se recompondo, mas ainda em velocidade abaixo da esperada. Para completar, falta mercado para o produtor, critica.

Jornal do Comércio - Entre o final do ano passado e o início deste ano, noticiamos a queixa do setor produtivo quanto aos baixos preços praticados. O mercado já recompôs os valores?

Marcos Tang - Chegamos ao final do mês de maio (em que era esperada a recuperação) em uma situação que deveria ser um pouco melhor do que estamos. A maioria dos produtores não está recebendo R$ 1,00 por litro. Com o atual custo de produção, receber menos do que R$ 1,00 por litro é difícil. Essa deveria ser a remuneração do momento. Evidentemente, temos a remuneração por qualidade: quem tem qualidade é justo e certo que recebe a mais, a remuneração tem que ser melhor. E também a remuneração a mais aos que entregam mais quantidade. Ainda tem. Mais justa é a remuneração pela qualidade. Agora, quando eu falo em preço médio, estou falando em todos os produtores. Neste momento, existem os que estão ganhando R$ 1,00 ou até mais, mas a maioria não está nesse patamar. A maior parte dos criadores está em R$ 0,80, perto dos R$ 0,90.

JC - Qual é o custo de produção do produtor?

Tang - No Rio Grande do Sul, e até no País, tem gente que está conseguindo produzir um litro de leite talvez gastando só R$ 0,50. E tem gente gastando R$ 1,00 para produzir um litro de leite. Aí, a indústria vai alegar que esse produtor que está gastando R$ 1,00 é pouco produtivo, pouco lucrativo, pouco competitivo e que vai sair do mercado. Eu até concordo, mas é que existem diferentes formas de produção leiteira, diferentes formas de explorar essa atividade. Então, tem que ver que a maioria dos nossos produtores gaúchos é um produtor familiar que tem ali seus 15 a 20 hectares. Nesses 20 hectares, para produzir mil litros de leite por dia, o produtor tem que ser muito bom e tem que semiconfinar o gado. Eu até não gosto da ideia de totalmente confinado. O processo melhor seria ter mais terra para trabalhar só com pastagem, reduzindo a suplementação, o que se reflete em menor custo de produção. Porém, não dá uma produção tão alta. O leite a pasto fica em 15 a 20 litros de vaca por dia, mas pode suplementar um pouco. Isso talvez seria o ideal. Mas para ter 50 vacas seria necessário 100 hectares. Então, temos que trabalhar com a realidade do nosso produtor. Com a dimensão de terra que ele tem, é necessário suplementar bastante no cocho. A ração aumenta todo mês. Há uma enorme quantidade de insumos que interferem no preço do custo.

JC - O produtor consegue identificar todos os custos que incidem na produção?

Tang - Eu diria que não, por dois motivos: um, que ele não para muito para pensar e fazer conta e, segundo, a conta é complicadíssima até para o melhor contabilista. É muito mais fácil fazer contabilidade em firma do que em uma propriedade leiteira. O saco de ureia muda o preço sempre. Quanto vale a terra? Muitas vezes, é herança, comprada ou arrendada. Quanto vale a semente? Quem está nos lendo sabe que o quilo da semente de qualidade está caríssima. Quanto custa o quilo de silagem? Para tudo tem que se fazer um cálculo, e esse cálculo não é o mesmo para todas as propriedades. Por isso que o custo do litro é variável. E veja que não falamos ainda em produtos veterinários e toda a sanitária que precisa ter. O leite, como estamos concluindo nesta feira, tem que ter qualidade e mercado. O consumidor há de nos entender também: produto de alta qualidade é o que merece consumir, mas qualidade tem preço.

JC - O senhor comentou que maio é um mês em que os produtores começam a ter uma condição de preço melhor, mas que, neste ano, essa recuperação está mais lenta do que o normal. O que está acontecendo?

Tang - Aí, sim, nós podemos falar em crise. Maio já não está sendo o maio que deveria ser, que eu esperava para esta Expoleite. Mas reagiu bem, porém não tanto quanto se esperava. Tem duas coisas na crise: existe o período sazonal do ano em que há a remuneração menor por conta da oferta e da procura e existe um outro cenário que é a instabilidade do País, da economia, a desconfiança do consumidor pelas várias fraudes descobertas. Soma tudo isso e pega um momento ruim, o produtor sentiu a crise, bastante, mais do que nos outros anos.

JC - Muitas famílias abandonaram ou cogitaram abandonar a atividade...

Tang - É verdade. Muitas deixaram mesmo, porque alguns laticínios faliram também, coisa que não acontecia nos outros anos. A dor ensina a gente a ter reações. Essa crise tem que ensinar que temos que mostrar a nossa qualidade, porque nós temos, sim, qualidade - esses crimes são praticados por um número mínimo de pessoas que precisam ser tiradas da cadeia. Nós temos que mostrar essa qualidade para o País e abrir novos mercados, como eu tenho insistido permanentemente.

JC - O que está por trás da saída de tantas empresas do setor?

Tang - O setor leiteiro é para apaixonados. Isso vale, inclusive, para a indústria. Ele não permite aventuras, não que as empresas que deixaram a produção fossem aventureiras. Eu acho que, para a indústria, não adianta olhar o leite como um segmento para ganhar dinheiro: tem que entender muito sobre o setor, ter produtos e conseguir agregar valor. Quando se agrega esse valor, tem que ter mercado, e esse mercado, às vezes, esbarra em situações de divisa político-administrativa. Para exportarmos o nosso leite, temos que ter uma política global do País, ou pelo menos do Estado. Aí é que entra sanidade, qualidade do leite, indústria. O que eu quero dizer é que no Brasil, com essa grande área territorial, temos o 8 e o 80. Temos gente fazendo coisas tão bem quanto americanos e europeus, e até melhor, e temos gente fazendo coisas que não são cabíveis mais na cadeia leiteira, do produtor que precisa se modernizar. Só que a gente percebeu que isso também aconteceu com a indústria. Temos poucas plantas industriais habilitadas a exportar. Então, a indústria também tem que dar a sua contribuição. Se o produtor passou lá do balde no poço para o tanque de expansão (e estou concordando com isso) e se ele tem que ter ordenhadeira canalizada para não ter contato com o leite, nisso ele investiu muito. Então, o problema do produtor não é só o de estar ganhando pouco pelo litro, é que ele vem com contas, teve que se modernizar, se endividou muito. Ele está querendo pagar essas dívidas com a sobra do leite, mas não está tendo sobra. Esse que é o problema.

JC - A falta de mercado é, então, um entrave para todos...

Tang - O produtor fez tudo isso, ou a grande maioria deles. E aí ele vê que poucas indústrias estão habilitadas para exportar. A pergunta é: será que a indústria também fez o tema de casa, ou ela também está obsoleta nas suas plantas industriais? Se ela ficou para trás é porque não faz leite em pó, porque não dá muito lucro, mas a única coisa que se exporta é o leite em pó. Então, fica um jogo de empurra-empurra. Evidentemente que a indústria também precisa do governo, de incentivo, políticas de comércio exterior. É algo complexo. Agora, eu, como produtor, fico bastante chateado com isso, quando vejo que poucas plantas estão prontas para exportar. Elas deveriam estar prontas. Eu sei que várias se habilitaram, e que algumas têm conseguido, mas mostra que também a razão da saída de algumas empresas: algumas fecharam talvez por não entenderem que não era a área de investimento, mas algumas faliram também por isso. Você, hoje, como indústria, tem que agregar valor, ter produto que ofereça coisa boa para o consumidor e ter marketing.



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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