Trigo gaúcho volta a ganhar espaço no exterior

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Rejeitado no mercado doméstico devido ao elevado nível de micotoxinas (produzidas por fungos), o trigo gaúcho colhido neste ano ganhou mercado em alguns países importadores receosos quanto à estabilidade de fornecimento por parte de Rússia e Ucrânia. Estima-se que, até o momento, cerca de 1 milhão de toneladas do cereal do Rio Grande do Sul já tenha sido negociado para exportação e que exista potencial para que esse volume aumente para pelo menos 1,2 milhão de toneladas.

Segundo as estimativas iniciais da Emater-RS, a colheita gaúcha alcançaria 3,1 milhões de toneladas. Mas as chuvas que atingiram as lavouras nos últimos meses reduziram em 42% a produtividade média, reduzindo o volume final da safra para 1,8 milhão de toneladas.

O problema adicional é que, além da menor colheita, o clima úmido e quente no período estimulou a proliferação de fungos produtores da toxina "Deoxinivalenol", mais conhecida pela sigla DON. No Brasil, a legislação permite uma concentração de até 2 partes por milhão (ppm) dessa substância - limite que, em tese, coloca à margem do mercado brasileiro 67% da colheita gaúcha de 2014, ou 1,2 milhão de toneladas, segundo estimativas da JF Corretora, com sede no município de Casca (RS).

Para uso em ração animal, muitos países aceitam níveis de DON superiores a 2 ppm. Das 1 milhão de toneladas vendidas até o momento no exterior, 700 mil têm contaminação média de 3 a 5 ppm, calcula Jairo Faccio, diretor da JF Corretora. "Apesar da concentração mais elevada da toxina, trata-se de um cereal com bom teor de glúten", afirmou.

Países localizados no norte da África e na Ásia, como Vietnã e Filipinas, estão entre os principais clientes do trigo "chuvado" do Rio Grande do Sul. Normalmente, esses países adquirem o cereal da Rússia e da Ucrânia, tradicionais fornecedores globais. O inusitado é que, devido às instabilidades geopolíticas nessa região produtora do Mar Negro, os compradores estão pagando preços "razoáveis" pelo trigo gaúcho.

Posto no navio no porto de Rio Grande, a tonelada está saindo a valores entre US$ 200 e US$ 210, praticamente o mesmo patamar do trigo russo, que está em cerca de US$ 205. As incertezas no Mar Negro impulsionaram as cotações do cereal na bolsa de Chicago nas últimas semanas. Os contratos futuros de segunda posição de entrega registraram alta de 8,2% desde 20 de novembro.

A questão, explica um trader, é que comprar desses países implica riscos elevados, pois não se sabe se poderá haver suspensão dos embarques de uma hora para outra. "Por isso, a preferência pelo produto do Brasil", diz o trader. O mesmo especialista observa, no entanto, que o trigo brasileiro não é tradicional no tabuleiro global de exportações do cereal. Portanto, se não fosse esse risco geopolítico, o trigo gaúcho teria de disputar esse mercado com uma política mais agressiva de preços. "A tonelada teria que ser ofertada a aproximadamente US$ 190", estima o trader.

Negociando via cooperativas, o produtor rural que colheu o trigo "chuvado" no Rio Grande do Sul está recebendo perto de R$ 400 pela tonelada, conforme a JF Corretora. Especialistas observam que não há mercado suficiente no Brasil para esse tipo de trigo - mas que, se houvesse, esse preço ao produtor não passaria de R$ 350.

Faccio esclarece que do total de 1 milhão de toneladas vendido para exportação, 300 mil foram de trigo com DON de até 2 ppm, que teve o incentivo dos leilões de Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro). O restante, afirma, foi vendido sem apoio. "Mesmo porque a demanda nos leilões pelo trigo gaúcho foi muito baixa".

Élcio Bento, consultor da Safras & Mercado, lembra que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) realizou neste ano, até agora, nove operações de Pepro de trigo que ofertaram 1,554 milhão de toneladas, mas que houve demanda para apenas 778 mil toneladas. Desse total, apenas 301 mil toneladas foram do Rio Grande do Sul. "O trigo gaúcho não teve muita demanda interna, pois o custo de levá-lo até o Nordeste, região mais deficitária do país, é muito elevado", afirma Bento.

A Conab, em seu relatório de novembro, previu que as exportações de trigo do Brasil em 2014 serão de 550 mil toneladas, bem acima das 47 mil toneladas de 2013. Mas, conforme especialistas, esse volume será de 1,2 milhão de toneladas, 1,1 milhão das quais de trigo gaúcho e 100 mil de cereal colhido no Paraná. Ainda assim, a previsão do mercado está muito distante do recorde atingido em 2010, quando o país embarcou 2,5 milhões de toneladas.

No Brasil, a Conab prevê que a produção nacional deverá crescer em 2014 em torno de 27%, para 7 milhões de toneladas. Mas o número ainda considera que a safra gaúcha atingirá 2,497 milhões de toneladas, e não 1,8 milhão como foi estimado pela Emater-RS.



Veículo: Valor Econômico


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