Morre Samuel Klein, o rei do carnê

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Samuel Klein dizia que pagava bem e não pisava em ninguém. Certa vez, numa entrevista anos atrás, comentou que não queria ser "da elite", porque a elite só compra de vez em quando, "e pobre compra sempre". Em 2003, disse para uma apresentadora de TV que, quando começou a trabalhar, nos anos 50, "comprava por 100 e vendia por 200" - uma das frases mais associadas à ele e, para alguns, um dos pilares da estratégia da maior rede de eletroeletrônicos do país, a Casas Bahia. Em fase mais recente, Samuel disse que "quem tem sócio, tem patrão" - frase que anos atrás voltou a ganhar notoriedade após a conturbada fusão de sua rede com o Grupo Pão de Açúcar (GPA). "Sempre ganhei dinheiro sozinho [...]. Quero trabalhar até os 120 anos."

Samuel Klein, o homem que "inventou" o crediário no Brasil, morreu na madrugada de ontem aos 91 anos, de insuficiência respiratória, após 15 dias internado no Hospital Albert Einstein em São Paulo. Ele foi uma das personalidades mais marcantes do varejo brasileiro - e não só pela simplicidade no trato, jeito espontâneo ou carisma (grandes comerciantes têm, naturalmente, essas características). Samuel percebeu antes que pobre gosta de bons produtos e não se importa em pagá-los em 24 vezes - a juros de mercado - em parcelas (quase) a preço de banana.

Ele e seus filhos Michael e Saul montaram uma estrutura de primeira linha, da porta da loja (na relação de confiança que vendedores criavam com os consumidores) ao fundo do estabelecimento, onde ficava a área de pagamento de carnês, estrategicamente localizada para forçar o cliente a passear pelos produtos antes. O layout dos pontos sempre foi simples, para dar a sensação de local espartano, que vende barato porque gasta pouco. As letras garrafais da frase "é só até amanhã", ainda hoje usada na comunicação da marca, nasceu na Casas Bahia de Samuel Klein.

Para empresários do varejo, a grande sacada de Samuel foi entender como conceder crédito para a população de baixa renda e como ganhar muito dinheiro com isso. Os analistas dizem que, mais do que uma rede de lojas, a Casas Bahia transformou-se, ao longo do tempo, em um banco com uma carteira de crédito de R$ 4,5 bilhões em 2009 e, dizem, até 30 milhões de clientes ativos. Em 2004, negociou parceria com o Bradesco, que se tornou financeira da rede - o que lhe rendeu soma estimada na época em R$ 500 milhões.

Numa operação deste tamanho, era tão difícil saber do empresário a taxa de juros que a rede cobrava ao mês (sempre na média de mercado, na faixa de 5% a 6% hoje), quanto era complicado descobrir a taxa de inadimplência da rede. Quando surgiam comentários no mercado sobre problemas de caixa na empresa, e dívidas em crescimento, como em 1999, Samuel negava. Dizia que pagava tudo o que devia.

Várias lendas surgiram em torno dele ao longo dos anos, como a de que perdoava débitos atrasados de clientes, porque consumidor perdoado volta a comprar na loja. Se isso acontecia, não era, necessariamente, um perdão descompromissado. "Riqueza do pobre é o nome", dizia. "A gente precisa entender que ninguém consegue nada trabalhando com rico, porque ricos têm poucos e pobres têm muitos. Tem que dançar conforme toca a música. Se você vende para um trabalhador e ele fica desempregado, não tem como pagar a prestação, nós o convidamos para vir fazer algum acordo. Tratamos o cliente bem e depois nós vendemos de novo para ele", afirmou Klein certa vez numa entrevista.

Grande sacada do empresário foi entender como conceder crédito para a população de baixa renda


O faturamento da Casas Bahia pulou de R$ 3,5 bilhões para R$ 15 bilhões de 2001 a 2009 - ano em que foi anunciado o acordo com o GPA (dono da rede Ponto Frio) para criar a Via Varejo. Na época, alguns contavam que Samuel queria saber o quanto entraria de dinheiro com a fusão. Era, em grande parte, uma troca de ações - o que acabou sendo foco de desentendimento entre as partes logo depois.

Michael Klein, o filho que manteve cadeira no conselho da Via Varejo, ainda acompanha as decisões estratégicas da companhia - os Klein são minoritários na varejista -, mas não está mais presente nas decisões cotidianas. Atualmente, o principal negócio da família Klein está nos setor imobiliário, com patrimônio calculado em R$ 5 bilhões.

Samuel Klein não era mais acionista da Via Varejo na última reestruturação societária em 2013, que dividiu as posições acionárias entre sociedades de participação da família (netos e filhos). Ele já estava distante do dia a dia da empresa havia alguns anos, segundo fontes, por causa da idade mais avançada.

Filho de carpinteiro, Samuel nasceu no dia 15 de novembro de 1923, em uma aldeota na Polônia chamada Zaklikov. A família Klein vivia com poucos recursos e, por ser judaica, as dificuldades eram ainda maiores. Eram raros os judeus que possuíam terras na Polônia e, na escola, Samuel contava que era chamado de "judeuzinho sujo". Sua família não escapou das tropas de Hitler. Em sua biografia, lançada em 2003 e escrita pelo jornalista Elias Awad, Samuel narra o dia em que foi separado de sua mãe e irmãos pelos nazistas, em 1942.

Ela e os irmãos foram levados para o campo de extermínio de Treblinka. Samuel e seu pai foram para o campo de concentração de Budzin. Em 1944, ambos foram transferidos para outro campo, em Maidanek, também na Polônia, de onde Samuel conseguiu fugir. Ficou no país até o fim da guerra e depois partiu para a Alemanha, à procura do pai. Lá, casou-se com Ana. Em 1952, decidiu emigrar para a Bolívia. Ficou pouco tempo em La Paz. No mesmo ano, desembarcou no Rio de Janeiro e, meses depois, foi para São Paulo.

Ele viria a comprar, em novembro de 1957, uma pequena loja na cidade de São Caetano do Sul, chamada "Casa Bahia", cujo dono, Aarão Wasserman, também era judeu. Os trabalhadores das indústrias do ABC formavam a sua clientela desde os tempos que mascateava com sua carroça, vendendo artigos pelas ruas de São Caetano. A lojinha adquirida por Klein possuía 800 fregueses cadastrados - 50 anos depois, em 2007, pouco antes de a rede se unir ao GPA, eram 12 milhões de clientes, sendo 8 milhões sem carteira assinada.


Personalidades destacam contribuição para o país

Autoridades e empresários divulgaram notas de pesar pela morte do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein. Destacaram sua visão de negócios, capacidade empreendedora e importância para o desenvolvimento do varejo nacional.

Em comunicado, a presidente Dilma Rousseff relembrou a trajetória de Klein, de mascate à maior varejista de eletroeletrônicos do país. "O sucesso empresarial de Samuel Klein comprova como o Brasil é um país das mais diversas oportunidades", afirmou.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, classificou Klein como visionário, "que anteviu o potencial e a honestidade dos consumidores de baixa renda". E acrescentou que seu legado foi "a democratização do consumo."

A família de Abilio Diniz, que foi sócia de Klein na Via Varejo, também o definiu como "um homem simples e visionário".

Para o presidente-executivo do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, "trajetórias de vida como a de Samuel Klein, composta de perseverança, talento e trabalho, nos ensinam a todos o valor de jamais desistir de sonhos e esperanças."

A rede Magazine Luiza e o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) afirmaram que o varejo brasileiro perdeu um de seus grandes ícones.



Veículo: Valor Econômico


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