O segredo da Souza Cruz

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O que faz a maior fabricante de cigarros do Brasil crescer - e lucrar como nunca - apesar do cerco ao seu produto

Por Rodrigo CAETANO

Quem visita a sede da Souza Cruz, na rua da Candelária, centro do Rio de Janeiro, avista logo na entrada uma placa avisando que ali é proibido fumar – ainda que ela esteja praticamente escondida atrás de uma planta ornamental. A sinalização cumpre as exigências de uma lei estadual de agosto de 2009, que aboliu o hábito de fumar em ambientes fechados, públicos ou privados. Nem o quartel-general da maior fabricante de cigarros do Brasil, que detém 77% das vendas no País, escapa do rigor da lei. A plaquinha é um exemplo acabado do paradoxo da Souza Cruz. A companhia atua em um setor amplamente regulamentado. A carga tributária sobre o cigarro é de 70%.
 
Seu produto é considerado nocivo à saúde e é vendido com advertências e fotos que desencorajam o consumo. Sujeito a campanhas antitabagistas de grupos de pressão e do governo, o fumo tornou-se uma espécie de pária na sociedade. Apesar de tudo isso, a Souza Cruz, controlada pela britânica British American Tobacco (BAT), é uma das empresas mais lucrativas do País. Nos últimos dez anos, seu faturamento mais do que dobrou, chegando a R$ 6,1 bilhões em 2012. Além da fumaça, a Souza Cruz é uma máquina de lucros. No ano passado, a última linha do balanço acusou um resultado líquido de R$ 1,64 bilhão, o maior de seus 110 anos de história. Em dez anos, os acionistas embolsaram R$ 12 bilhões em dividendos.
 
A rentabilidade sobre o patrimônio da Souza Cruz, de 73,9%, é quase o dobro da registrada pela Ambev, a empresa privada mais valiosa do Brasil. Ela é também dona de seis das dez marcas mais vendidas no País, entre elas a líder Derby. E, além de enfrentar as campanhas de saúde, tem de brigar contra o cigarro pirata. Estima-se que o mercado ilegal responda por 30% do volume total vendido no País. Qual é, então, o segredo da Souza Cruz? Publicidade, com certeza, não é. Desde 2001, os fabricantes de cigarros foram banidos da mídia. “Nossa fórmula é simples: satisfazer o fumante adulto e ganhar participação de mercado”, diz o italiano Andrea Martini, que preside a companhia desde 2012.
 
(Uma pausa rápida: Martini iniciou sua carreira na marca de massas Barilla, veio ao Brasil em 1995 e entrou para o grupo BAT dez anos depois. Não fuma, mas, às vezes, dá umas boas baforadas em charutos cubanos.) O sucesso, na visão de Martini, resume-se a uma palavra: sustentabilidade. Não, ele não está se referindo a ações de responsabilidade social – embora isso também esteja na pauta da Souza Cruz. Ele se refere à sustentabilidade do próprio negócio. “Sabemos que o consumo de cigarros vai cair”, afirma Martini. “Por isso, temos de garantir ganhos para toda a nossa cadeia.” A tática funciona para todos os elos de sua indústria – dos produtores rurais, que plantam o tabaco, até os investidores.
 
A empresa obriga, desde a década de 1970, os 30 mil pequenos produtores de tabaco de sua rede de fornecedores, localizados principalmente nos Estados do Sul, a diversificarem a cultura em suas terras, plantando também feijão, milho e hortaliças. Trata-se de uma medida que até hoje é considerada de vanguarda. “A Souza Cruz sabe que, se o negócio não for lucrativo, os filhos não darão continuidade ao trabalho dos pais”, diz José Luiz Tejon, consultor especializado em agronegócios. “Essa cadeia deveria servir de exemplo para todas as outras.” Quem investe na Souza Cruz recebe também um prêmio. A companhia é uma das melhores pagadoras de dividendos do País. Desde 1996, ela distribui, em média, 90% do seu lucro para os portadores de suas ações.
 
No ano passado, R$ 1,55 bilhão foi parar nos bolsos dos acionistas. Não por acaso, seus papéis estão entre os mais valorizados do pregão da Bovespa. Um investidor que tivesse apostado R$ 1 milhão na companhia em 2003 teria atualmente mais de R$ 16 milhões, segundo a Economática. “Sempre recomendamos a compra dos papéis da Souza Cruz”, afirma Rodolfo Amstalden, analista da corretora Empiricus Research/Investmania. “É muito difícil alguma notícia afetar seu desempenho.” Nada disso, no entanto, garante o crescimento das vendas. Essa função, segundo Martini, cabe ao sistema de distribuição da Souza Cruz, que chega a 300 mil pontos de venda.
 
A operação própria cobre todo o território nacional e mobiliza um contingente de dois mil funcionários e três mil veículos. De tão eficiente, o sistema é utilizado por outras companhias, que pegam carona em sua frota. Um exemplo é a Bic, fabricante de canetas e isqueiros. Em quatro anos, a Souza Cruz ganhou mais sete pontos percentuais de mercado. Trate-se de um desempenho espantoso numa atividade que chega a ser mais execrada do que os setores de armamentos e de bebidas. Não sem razão. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Sistema Único de Saúde gastou R$ 22 bilhões no tratamento de doenças relacionadas ao cigarro em 2011 (último dado disponível).
 
No ano passado, a arrecadação de tributos do setor foi de R$ 6,78 bilhões, segundo a Receita Federal. “A carga tributária ainda é baixa perante o prejuízo que o fumo causa à sociedade”, afirma a médica Tânia Cavalcante, secretária executiva da CONICQ, entidade ligada ao governo, responsável por implementar políticas de controle do tabaco. Para ela, o combate ao tabagismo deveria ser intensificado. Outro dado desfavorável ao cigarro é sua taxa de dependência. De acordo com o Inca, 77% dos fumantes são viciados. No caso da bebida alcoólica, apenas 6% dos consumidores podem ser considerados dependentes. Isso pode ajudar a entender como a Souza Cruz mantém as vendas em alta.
 
Elas cresceram 10% no ano passado, apesar do aumento de 20% no preço do maço do cigarro. “A previsibilidade de receita é um dos grandes trunfos da companhia”, afirma Amstalden, da Empiricus. “O fumante vai sempre comprar o cigarro.” A despeito de todas as evidências contra o fumo, a Souza Cruz tem se saído vitoriosa em processos movidos por fumantes na Justiça brasileira. Ela sofreu 648 ações desde 1995. Esses processos geraram, até agora, 849 decisões. Apenas quatro foram contrárias aos seus interesses. “Oferecemos todas as informações necessárias”, diz Martini. “Se mesmo assim um adulto toma a decisão de fumar, temos o direito de atender a essa demanda.”
 
Ele sabe, no entanto, que sua vida não será fácil nos próximos anos. A partir de 2014, os fabricantes não poderão utilizar uma série de substâncias que fazem parte do seu processo produtivo. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibiu a produção e a venda de cigarros mentolados. O objetivo é coibir o fumo entre os jovens. Na lista de componentes químicos banidos estão alguns utilizados nos cigarros comuns. “O fumo do tipo ‘American Blend’, que é vendido aqui, não poderá mais ser produzido”, afirma Martini. Para uma empresa centenária e que sobreviveu ao fim do glamour de seu produto, esse pode ser um desafio gigante, mas não intransponível.



Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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