Aos poucos, o paladar do consumidor brasileiro se apura e estimula a indústria a comercializar um café de melhor qualidade. O cafeicultor, por sua vez, aprimora seus processos de produção para atender às exigências do mercado. Por conta da mudança de hábito e da formação dessa cadeia harmoniosa, o cenário da cafeicultura brasileira se transformou. Foi no início da década de 1990 que os produtores rurais, aliados à indústria da torrefação e moagem de café, começaram a cuidar de suas lavouras para, ao final de cada ciclo, colher produto de melhor qualidade.

O número de fazendas que aderiu às novas tecnologias com o propósito de conquistar um mercado sofisticado, e disposto a pagar até o triplo do preço do produto convencional, cresce de forma acelerada, o que agrega valores socioambientais à atividade. Dados da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA na sigla em inglês) indicam um crescimento de 100% no volume da oferta dos chamados cafés gourmet entre 2008 e 2011. Há quatro anos, das 17 milhões de sacas comercializadas no mercado interno, apenas 500 mil eram especiais. Em 2011, foram consumidas 19,72 milhões de sacas, das quais, cerca de 1 milhão eram classificadas como gourmet. Boa parte desse volume foi comercializada em cafeterias, que se multiplicam pelo país, o que contribui para um novo hábito - consumir café fora de casa, em estabelecimentos especializados. O café gourmet é considerado caro para ser comprado nas prateleiras dos supermercados em larga escala.

Com a expansão do mercado, um novo nicho se amplia pelo país, uma vez que, além desse pequeno comércio, criam-se novas especialidades e profissões, como ocorre com os baristas, cuja principal missão é alcançar a "xícara perfeita". Esses profissionais se especializam e pesquisam novas formas de servir a bebida, contribuindo para a expansão do mercado.

Muitas fazendas, pela sua localização geográfica, altitude e clima sempre produziram cafés de boa qualidade. Mas o mercado brasileiro estava amarrado a regras rígidas de financiamento e comercialização ditadas pelo extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC). As normas de controle de estoques e fluxo da oferta do produto ao mercado mundial desestimulavam o aprimoramento da produção. A prioridade era sustentar preços e a participação do Brasil no mercado mundial. Com isso, a União criava condições para abocanhar parte substancial da receita com as exportações, por meio do chamado "confisco cambial". A qualidade da bebida ficava em segundo plano, uma vez que, para se enquadrar àqueles requisitos, o cafeicultor acabava misturando o bom produto ao de qualidade inferior.

Com o fim da intervenção do governo no mercado de café, as condições para o aprimoramento da produção foram criadas, inicialmente de forma tímida e aos poucos vai ganhando dimensões expressivas. A diretora-executiva da BSCA, Vanusia Nogueira, diz que apenas a partir da década de 1970, e mais fortemente na década seguinte, o mundo começou a se interessar e a valorizar os cafés finos. "Entramos atrasados, mas acredito que temos conseguido reverter essa nossa imagem de grandes produtores e baixa qualidade em muitos mercados."

Para o vice-presidente da entidade, Henrique Sloper, o Brasil vai ocupando o lugar que antes pertencia à Colômbia na liderança do mercado de cafés de elevada qualidade. A produção do país vizinho sofreu um pesado revés, pelo efeito da mudança no clima, ataque de pragas e pelas precárias condições de segurança nas fazendas. A produção colombiana, que alcançava cerca de 12 milhões de sacas de 60 quilos ao ano, deverá ficar em 7,8 milhões de sacas em 2012, segundo estimativa da Federação Nacional dos Produtores de Café da Colômbia (Fedecafé). As mesmas condições adversas afetam as colheitas dos países da América Central, também tradicionais produtores de cafés finos.

Segundo a BSCA, o consumo mundial de cafés diferenciados ou especiais cresce a um ritmo de 10% a 15% ao ano, enquanto que o consumo global aumenta entre 1,5% e 2% ao ano. Em 2011, a receita com as exportações do Brasil, maior produtor e maior exportador, somaram US$ 8 bilhões. Desse total, cerca de US$ 2 bilhões correspondem a embarques de cafés de qualidade superior, de acordo com estimativa feita pela entidade. O mercado mundial da bebida gourmet corresponde a 12% do total e o valor de venda de grande parcela do produto alcança em média um sobrepreço entre 30% a 40% em relação ao convencional.

A crescente produção de cafés de elevada qualidade é considerada uma conquista, dentre as inúmeras alcançadas ao longo da história da cafeicultura brasileira, porque detém o melhor da ciência e da tecnologia disponível e garante sustentabilidade à cultura. A produção de cafés especiais exige grande sofisticação, diz Sloper. A maioria das fazendas incorporou novas tecnologias, mas sua prioridade não é a produtividade, mas obter o melhor produto com a melhor bebida levando em conta também a sustentabilidade (uma exigência do mercado).



Veículo: Valor Econômico