Torradeira também pode ser luxo

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Empresas europeias e americanas apostam no crescimento do público brasileiro disposto a gastar até R$ 5 mil em eletroportáteis


O consumidor que olha o pão recém-saído da torradeira e não se conforma com as fatias tostadas de forma irregular já tem solução para seu problema. Se está disposto a pagar pelo menos três vezes mais por uma torradeira "classe A", poderá comer só pães uniformemente tostados todas as manhãs. O mesmo vale para a dona de casa que, além de preparar o pudim na batedeira, prefere assar a sobremesa no próprio aparelho. Esse "serviço", porém, sai mais caro: o eletrodoméstico de dupla função exige um desembolso de R$ 5 mil.

Esses são exemplos de produtos com um novo conceito em um segmento onde sempre reinou a praticidade: os eletroportáteis. No cada vez mais abrangente mercado de luxo, batedeiras, cafeteiras, torradeiras, liquidificadores e espremedores de fruta também podem ser sinônimo de status. "O luxo não está ligado ao produto, mas aos detalhes", explica o professor Silvio Passarelli, coordenador do programa de MBA em gestão do luxo da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). "O sucesso depende da capacidade da empresa em despertar uma ligação emocional do cliente com sua proposta de valor."

O nicho de eletroportáteis de luxo é disputado por marcas como as americanas Kitchen Aid e Viking e a italiana De'Longhi, que tem operação comercial própria no País desde 2008. Antes disso, a De'Longhi atuou timidamente no mercado nacional por duas décadas por meio de representantes. Mas, desde que assumiu a operação, viu seu negócio praticamente dobrar todos os anos até 2011, quando atingiu R$ 90 milhões de receita. Em 2012, a expansão prevista é bem menor, de 25%. Um dos desafios, segundo o diretor geral da De'Longhi no País, Antonio Ferraiuolo, é a expansão do público cativo.

"Temos consciência de que nosso produto só se direciona a uma parte do público beneficiado pelo aumento da renda do País nos últimos anos", afirma o executivo. Ele sabe que a maioria das pessoas não vai desembolsar R$ 5 mil em uma batedeira ou quase R$ 4 mil numa cafeteira. Por isso, a ordem é investir no tratamento especial para quem está disposto a pagar bem mais para agregar funções e design a aparelhos de cozinha.

Escolha. Para se diferenciar da concorrência, a De'Longhi - grupo fundado em 1902 que hoje fatura 2 bilhões por ano - está aumentando o leque de produtos oferecido aos clientes, adicionando as escolas de design britânica e alemã à sua origem italiana, graças a duas aquisições: a inglesa Kenwood, feita em 2001, e a alemã Braun, fechada em abril deste ano.

A história por trás dos dois negócios mostra que apostar em design de eletrodomésticos nem sempre é um caminho fácil. A Kenwood estava quase falida quando foi resgatada pela De'Longhi. Já o segmento de aparelhos de cozinha e para o lar da Braun era uma nota de rodapé na lista de ativos da multinacional de bens de consumo Procter & Gamble antes de passar às mãos da De'Longhi, que por ela pagará 140 milhões, em dez anos.

A Kenwood é a arma da De'Longhi para combater concorrentes como a Kitchen Aid, conhecida por suas batedeiras multicoloridas. Ao contrário da De'Longhi - que coloca no varejo popular opções de produtos mais acessíveis, como uma máquina de café espresso de R$ 299 -, a Kenwood só será vendida em redes focadas em classes de maior poder aquisitivo, como FastShop, Spicy e Kitchens.

As marcas da De'Longhi servem a propósitos diferentes. Enquanto a linha italiana é a "ponte" entre o consumidor comum e o mercado de luxo, a britânica vai apostar na tecnologia inovadora (a tal batedeira que assa alimentos, de R$ 5 mil, é um dos destaques da Kenwood).

Já a Braun é referência mundial em design minimalista, além de inspiração declarada de Steve Jobs na criação visual dos produtos da Apple. A primeira linha da De'Longhi com a marca Braun será lançada na Europa em 2013. Mas o executivo da operação brasileira diz que o País poderá ter de esperar um pouco mais pela novidade, por causa da dificuldade em adaptar a produção ao modelo local de dupla voltagem (110 e 220 volts).

A estratégia de lojas próprias da De'Longhi já está sendo adaptada à realidade multimarcas. A unidade de Brasília, aberta em janeiro como showroom da marca principal, será transformada em um espaço Cook & Coffee, que reunirá produtos De'Longhi e Kenwood. As novas lojas, conta Antonio Ferraiuolo, permitirão ainda a realização de cursos de culinária e preparação de cafés.

Duas novas unidades deverão ser inauguradas em breve: uma em Ribeirão Preto, ainda este ano, e outra em São Paulo, na rua de comércio de luxo Oscar Freire, no início de 2013. O projeto total prevê lojas-conceito em 13 municípios brasileiros.

O aumento da presença da De'Longhi segue um movimento também percebido nas outras empresas de eletroportáteis e eletrodomésticos de luxo. A Kitchen Aid abrirá uma nova loja-conceito em São Paulo, no Shopping JK Iguatemi, até o fim deste mês (a empresa já tem uma unidade nos Jardins). A marca também oferece cursos de culinária para atrair clientes.

Produção local. Além das lojas, a De'Longhi tem um projeto de fábrica no Brasil. Ferraiuolo diz que a unidade seria uma forma de responder à crescente demanda e também de evitar interrupção no fornecimento caso o governo amplie barreiras para produtos vindos da China, onde fica a maior parte da produção da empresa.

Mas o horizonte do segmento de produtos para cozinha de alto valor agregado ainda não está claro, diz o executivo. "Mesmo com a Kenwood e a Kitchen Aid, a variedade é nula em comparação com a que existe no exterior." Sinal de que, quando o assunto é luxo na cozinha, o Brasil está apenas engatinhando.

Kenwood

A marca britânica mistura design e funções tecnológicas inovadoras, como a batedeira de R$ 5 mil que, além de preparar a massa, também assa os alimentos, dispensando o uso do forno.

Braun

Fundada na década de 20 e baseada no movimento arquitetônico Bauhaus, a empresa ficou conhecida pelo design minimalista que inspirou a concepção visual de muitos dos produtos da Apple, como o iPod.

De'Longhi

A linha de cafeteiras da marca italiana, responsável também pela produção da Nespresso, tem itens que custam de R$ 299 a quase R$ 4 mil. Parte dos produtos é vendida em grandes redes de varejo, como a Casas Bahia.



Veículo: O Estado de S.Paulo


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