O quase 'rei' dos genéricos enxerga longe

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Carlos Sanchez herdou de seu pai o laboratório EMS aos 26 anos de idade e construiu um império. Por Mônica Scaramuzzo, de São Paulo

Carlos Sanchez não é uma unanimidade. Mais temido do que admirado no mercado, o presidente do conselho de administração do laboratório EMS não gosta de holofotes. Seu trabalho está nos bastidores para que sua empresa, a maior farmacêutica de capital nacional e a sexta da América Latina, torne-se até o fim do ano líder na produção de genéricos do Brasil.

Seu estilo discreto contrasta com a estratégia barulhenta da EMS. A empresa colocou nas ruas um exército para distribuir, em primeira mão, as cópias da famosa pílula azul, o Viagra, da americana Pfizer, que perdeu a patente no fim do primeiro semestre do ano passado. O resultado deu certo e o genérico do Viagra caiu na boca do povo.

A ordem veio de cima para baixo. Carlos Sanchez aparece pouco, mas cobra muito. O empresário tem colocado muita pressão em cima de seus principais executivos para não perder um milímetro que seja de participação de mercado e não deixar que sua principal concorrente, a Medley, controlada pela francesa Sanofi-Aventis, dispare na liderança de genéricos.

Embora ninguém da EMS confirme esse clima de tensão no ar, todo o mercado acompanha de perto qual será o próximo passo do grupo, que decidiu pôr em prática este ano um investimento milionário para ganhar mais escala e avançar em cada espaço onde a EMS ainda não está presente. Avesso à imprensa, o Valor insistiu durante um mês, mas o empresário recusou-se a conceder entrevista.

    Companhia, com faturamento bruto de R$ 3,3 bilhões, resiste a constantes assédios de multinacionais

Serão quase R$ 400 milhões para construir três novas fábricas para fazer frente à concorrência e à crescente demanda por medicamentos. A primeira delas será erguida em Manaus, na região da Zona Franca, beneficiada pelos subsídios do Estado, com aportes de R$ 180 milhões. A estratégia é avançar no Norte do país e penetrar em todos os grotões onde a EMS ainda não conquistou. Apenas nesse local deverão ser fabricados 1,5 bilhão de comprimidos por mês. O terreno já foi adquirido e as obras deverão começar até o fim do ano.

Ao lado da sede da farmacêutica, em Hortolândia (SP), a empresa também vai levantar uma nova unidade de embalagem de medicamentos sólidos. As obras já começam neste mês e as operações estão previstas para o início de 2012.

Outros dois projetos também deverão sair do papel nos próximos meses. A EMS está estudando área para construir uma fábrica em Brasília, em local ainda a ser definido, para antibióticos e hormônios, com um investimento de R$ 150 milhões, e uma unidade menor em Jaguariúna (SP), com aporte de R$ 30 milhões, para produzir suplementos alimentares.

"O Carlinhos tem uma maneira diferente de ver as coisas." A frase que tanto pode ser um elogio como uma crítica é na verdade as duas coisas. Foi dita por um empresário do setor farmacêutico, abatido pela EMS no meio do caminho.

Polêmico, Carlos Sanchez está sempre comprando uma briga. A mais recente foi com a AstraZeneca, que foi parar na Justiça. A farmacêutica, braço de genéricos da suíça Novartis, quer impedir que a EMS comercialize a versão genérica do remédio Crestor (para colesterol). A empresa entrou na Justiça contra a Germed, uma das empresas do grupo EMS, pedindo a revogação do registro sanitário concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a fabricação do rosuvastatina cálcica (substância utilizada no medicamento). A AstraZeneca alega que a autorização fere seu direito de propriedade industrial, enquanto a Germed argumenta que a multinacional não protegeu a molécula, apenas a fórmula, e a formulação do genérico não é a mesma. Em julho, a EMS conseguiu derrubar a liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo, que impedia a venda do remédio. Mas essa disputa ainda vai longe.

É por esse e outros fatos que não são poucos os "adjetivos" atribuídos a Sanchez. "O cara é muito duro", "Tem sede de poder" e "Não tem muito amor pelas pessoas", apenas para citar alguns deles. Mas até mesmo os mais críticos reconhecem a força interna do empresário, que assumiu o grupo aos 26 anos, após a morte de seu pai, Emiliano Sanchez, em 1988. Economista, formado e pós-graduado pela USP (Universidade São Paulo), Carlos Sanchez hoje, aos 49 anos, estruturou um império nacional dos medicamentos, a sexta maior farmacêutica da América Latina, com faturamento de R$ 3,37 bilhões e cobiçada por grandes multinacionais.

Os negócios da família tiveram início nos anos 50, quando seu pai, que era farmacêutico, começou com uma pequena farmácia, a Santa Catarina, localizada em Santo André, na região do ABC paulista. Em 1964, Emiliano fundou a indústria de medicamentos EMS. A primeira fábrica da família foi instalada em São Bernardo, que continua até hoje em operação.

A EMS começou a ganhar projeção nacional no fim dos anos 90, com a aprovação da Lei dos Genéricos, em 1999. "Embora tenha muitas críticas ao modus operandi do Carlos Sanchez, uma coisa é inegável. Ele soube aproveitar o vácuo dos genéricos quando ninguém apostava que esse segmento iria dar certo", afirma um empresário do setor.

A estratégia de Sanchez foi agressiva para avançar nesse segmento, hoje a menina dos olhos de grandes multinacionais que querem expandir seus negócios no Brasil. O grupo tem sob o guarda-chuva da holding de Sanchez as empresas EMS, Legrand, Germed, Nova Química e Topz, da área farmacêutica, e ACS, de construção.

Para ganhar espaço em genéricos, o grupo utiliza suas empresas farmacêuticas para registrar um mesmo medicamento na Anvisa. Com isso, após a aprovação da agência, tem um mesmo medicamento nas mãos de várias de suas empresas. Fica mais fácil multiplicar as vendas.

"Ele herdou uma única empresa do pai e cresceu do nada", conta outro executivo concorrente. A velocidade de crescimento da companhia nos últimos dez anos foi tão grande que rivais tratam ironicamente a EMS pelo acróstico "Empresa do Ministro Serra", referindo-se a José Serra, àquela época, no fim dos anos 90, ministro da Saúde e idealizador da Lei dos Genéricos.

Em 1999, a EMS inaugurou em Hortolândia um complexo industrial de medicamentos. Três anos depois, o centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do grupo começou a operar no mesmo local. É dali que a EMS trabalha no desenvolvimento das moléculas para compor a versão genérica de seus produtos. Atualmente, a produção de comprimidos soma 40 milhões de caixas por mês apenas neste local. Na unidade do ABC, fica a produção de hormônios, e, em Jaguariúna, funciona a Topz, de cosméticos e linha de varejo e linha para bebês.

Casado e pai de dois filhos, Carlos Sanchez não participa mais do dia a dia da empresa. O empresário faz reuniões mensais com as empresas coligadas para discutir resultados. Assim, Sanchez fica mais solto, como presidente do conselho de administração da EMS, para pensar em estratégia de crescimento do grupo. No ano passado, passou por problemas de saúde e teve que fazer tratamento fora do país.

Para fazer frente aos desafios do mercado farmacêutico, que nos últimos dois anos vive um forte movimento de concentração, Carlos Sanchez cerca-se de pessoas de sua confiança para tocar os projetos de expansão. Waldir Eschberger, vice-presidente de mercado do grupo, foi pinçado do mercado para colocar a EMS nos holofotes. Há três anos na companhia, Eschberger, que passou pelo Aché e foi presidente da italiana Zambon no Brasil, é o responsável pela área de prescrição do grupo. A cargo de Luiz Borgonovi, presidente do grupo, fica a área de genéricos, que responde por 60% do faturamento do grupo.

"Em genéricos, estamos brigando para assumir a liderança até o fim do ano", diz Eschberger. "Decidimos investir em novas fábricas porque percebemos que o crescimento do grupo está acima do previsto. Em 2010, a expectativa era crescer 30%, mas tivemos uma expansão de 38%", observa. "Estamos produzindo 40 milhões de unidades de medicamentos ao mês. Se estivéssemos fazendo mais, venderíamos mais." A empresa não planeja ir à Bolsa. E é constantemente assediada por concorrentes. A gigante israelense Teva, por exemplo, vive sondando o grupo. Carlos Sanchez, no entanto, até agora, não dá indícios de que queira se desfazer do negócio.

O setor farmacêutico no Brasil movimentou US$ 20,6 bilhões em 2010, dos quais US$ 3,56 bilhões são genéricos, segundo dados da consultoria IMS Health.

No ano passado, a EMS se destacou das demais companhias do setor ao apostar pesado nas moléculas que perderam a patente. O Viagra (para disfunção erétil) pode ser até o caso mais emblemático, mas outros medicamentos também ajudaram a impulsionar suas vendas. Entre junho de 2010 a abril de 2011, o sildenafila (princípio ativo do Viagra) do EMS faturou R$ 133,1 milhões, com vendas de 7,71 milhões de unidades, de acordo com dados da empresa, com base na IMS Health. Nesse período, a fatia em reais do EMS ficou em 49,61% e, em unidades, em 50,57%.

O Lipitor (que combate o colesterol elevado), outro "blockbuster" (campeão de venda) da Pfizer, também tem rendido dividendos para a empresa. A venda da EMS do atorvastatina (princípio ativo do remédio), desde o lançamento, em agosto de 2010, até o mês de abril de 2011, ficou em R$ 40,5 milhões, com 568 mil unidades negociadas. Nesse período, a participação em reais da EMS ficou em 28,27% e em unidades comercializadas, 39,1%.

Sem considerar outros lançamentos importantes da EMS desde o fim do ano passado, que fizeram menos barulho, mas com relevância no mercado. É o caso do Olanzapina (medicamento Zyprexa, da americana Eli Lilly para esquizofrenia e transtorno bipolar), que movimenta em torno de R$ 280 milhões em vendas no país, além do Valsartana (remédio Diovan, da Novartis, para hipertensão), com faturamento de R$ 125 milhões, e o Rosuvastatina cálcica (medicamento Crestor, que resultou em processo contra a EMS), com vendas no mercado brasileiro de R$ 255 milhões.

Nos últimos dois anos, a farmacêutica EMS avançou em medicamentos que perderam a patente e geravam receita entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões ao ano no país. Em 2012, outros medicamentos com receita menor devem perder a patente.

O grupo conduzido por Carlos Sanchez não quer focar seus negócios apenas em genéricos, hoje o filé mignon da empresa. Segundo Eschberger, a EMS também quer avançar na área hospitalar, em OTC (remédios isentos de prescrição médica), na qual ainda tem participação pouco relevante, além de remédios biológicos. "Estamos indo para Manaus por causa disso. Temos parceria com várias universidades", diz o executivo.

Fora do Brasil, o grupo obteve a patente do Toragesic nos Estados Unidos no início de 2011, com certificado fornecido pelo United States Patent and Trademark Office, escritório federal do governo americano para a concessão de patentes e registros de marcas. No fim de 2009, já tinha obtido patente nos EUA para produto para tratamento de doenças gástricas. No exterior, a EMS tem 61 patentes concedidas e quer avançar ainda mais.

"Carlos Sanchez enxerga boa oportunidade e vai à luta. Seu excesso de agressividade gera ciumeira [no mercado]. Eu mesmo não nado na mesma raia que ele", diz um amigo que preferiu não se identificar.

Veículo: Valor Econômico

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