Vilaça alega que as três novas normas baixadas pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) há duas semanas poderão corroer de 20 a 40% dos ganhos das companhias que representa (América Latina Logística, Transnordestina, MRS e outras). Mas os usuários das linhas, representados pelo presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), Luiz Henrique Teixeira Baldez, têm uma outra visão. "Havia uma postura imperial das concessionárias antes das novas regras. Elas se portavam como donas das linhas. O 20 de julho [data em que as novas normas passaram a valer] foi um dia histórico para nós", afirmou.
Enquanto isso, a ANTF divulgou nota na qual se declara aberta a entendimento. No entanto, a nota deixa clara a oposição da entidade a aspectos econômicos e jurídicos das mudanças. "Não descartamos a hipótese de irmos à Justiça garantir nossos direitos. Só chegaremos a tanto, porém, se sentirmos que toda a possibilidade de diálogo se esgotou", afirma Vilaça.
As três resoluções que detonaram esta polêmica criam um código de direitos dos usuários das linhas (a primeira); estabelecem o direito de uso, por parte de qualquer interessado, de trechos de uma linha que não esteja sendo usada pela concessionária que a controla (a segunda); e manda que as concessionárias passem a cumprir metas de uso de trechos das linhas que administram, ao invés de apenas metas globais (a terceira). O objetivo, segundo a ANTT, é injetar competição na atividade e, com isto, baixar o preço dos fretes.
E há mais lenha para ser jogada nesta fogueira. Baldez revelou no seminário que a Anut em breve pedirá novas mudanças no marco regulatório do setor. Algumas delas: revisão das tarifas de referência (tarifas-teto) cobradas dos usuários das linhas, devolução das concessionárias de trechos não utilizados, e divisão de ganhos de produtividade obtidos pelas ferrovias de seus clientes, via queda de tarifas. Em um segundo momento, a entidade lutará pela criação de um modelo totalmente novo de concessão de ferrovia no País, em substituição ao atual.
Modais
Tanta disputa se dá porque o modal ferroviário caminha - a passos lentos, porém seguros - rumo a tornar-se o meio de transporte de carga dominante no Brasil. Hoje, 58% do que se transporta no País vão por rodovia, e 25%, por trem. Mas a expectativa do Ministério dos Transportes, representado no evento por Marcelo Perrupato, secretário de Política Nacional de Transportes, garante que no futuro não será assim: "Em 2025, perto de 40% das cargas serão levadas no Brasil via ferrovia. Rodovias transportarão 30% delas, ou menos", garante.
Desde a desestatização do setor, em 1996 e 1997, as concessionárias trouxeram para as ferrovias claros ganhos. O aumento de produtividade no sistema foi duas vezes maior que o índice de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do País no período. Houve um crescimento de 56% do volume de carga transportada. Entre R$ 22 e R$ 25 bilhões (dependendo do tipo de cálculo que se faz) foram investidos em infraestrutura e material rodante pelas empresas. Os acidentes nas ferrovias de carga brasileiras caíram 80%. O sistema passou a oferecer mais de 35.000 empregos diretos e indiretos, dobrando a base inicial de 16.700 funcionários. Por fim, o custo operacional do complexo ferroviário de carga brasileiro caiu, no período, 16%. "Reconhecemos tais avanços. Mas a questão é que estes ganhos não foram conseguidos só pelas concessionárias; os usuários também trabalharam duro para obtê-los. No entanto, na hora de dividir os frutos disto, as concessionárias guardam tudo para si, não repassam nada a seus clientes", acusa Baldez.
Com a desestatização do setor, a União, que antes perdia R$ 1 milhão ao dia com ferrovias - todas, à época, em péssimo estado - passou a arrecadar impostos do sistema. Mais precisamente, R$ 1 bilhão ao ano. A luta agora se dá, então, em torno de um negócio lucrativo, não de massa falida.
Veículo: DCI