Agricultura enfraquecida

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                                       Ondas de calor e estiagens causam perdas de 10% na produção mundial de grãos, diz estudo.

As mudanças climáticas podem tornar escassos alguns itens básicos da nossa dieta. Períodos de seca e ondas de calor causaram perdas de 10% na produção de grãos no mundo, segundo um estudo realizado em 177 países e publicado, ontem, pela revista “Nature”. O milho, o arroz e outros cereais estão entre os alimentos mais ameaçados. Os esforços para mantê-los nas refeições da população exigirão investimentos em transformação genética de espécies e na dessalinização da água do mar, afirmam os responsáveis pela pesquisa.

 Em 2.800 eventos extremos registrados entre 1964 e 2007, três bilhões de toneladas de produtos agrícolas foram perdidos em decorrência de períodos de seca e temperaturas elevadas. Estiagens levaram a reduções de até 20% nas colheitas dos países da Europa e da América do Norte. Na América Latina, este prejuízo foi inferior a 5%.

Professor do Departamento de Geografia da Universidade McGill, no Canadá, e coautor do estudo, Corey Lesk alerta que as perdas na agricultura mundial serão crescentes, já que as projeções climáticas anunciam a elevação da temperatura global e secas cada vez mais prolongadas. Cerca de um terço das estiagens registradas duraram anos, enquanto cada onda de calor extremo ocorreu dentro de um único ano.

As secas podem, assim, ser mais propensas a durar o suficiente para causar a quebra total do plantio. Já os problemas relacionados ao calor reduzem os rendimentos das colheitas, mas permitem uma recuperação mais rápida.

Segundo Lesk, o levantamento enfatiza como é urgente adaptar a produção global de alimentos. O pesquisador avalia que, se os governantes entenderem como atuam a estiagem e o aumento das temperaturas, terão mais recursos para proteger as regiões vulneráveis e implementar programas de assistência aos produtores agrícolas.

— A escassez desses produtos causaria a elevação de seus preços, o que pode ser devastador para a nutrição e o bem-estar das pessoas, especialmente os mais pobres — alerta Lesk. — Os eventos extremos climáticos são inevitáveis, mas não precisam resultar em desastres. Os países devem investir em técnicas para manipulação genética dos grãos, tornando-os mais tolerantes a condições naturais adversas. E também precisam reduzir a emissão de gases de efeito estufa, responsáveis pela origem das catástrofes.

De acordo com a pesquisa, os países desenvolvidos registram maiores prejuízos porque investem em monocultura e na maximização do lucro, enquanto nagraus ções em desenvolvimento colhem uma expressiva fatia de sua economia rural em pequenas propriedades, que, em geral, dedicam-se a diversas culturas.

Hilton Silveira Pinto, professor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri-Unicamp), avalia que as dimensões continentais do Brasil proporcionam mais segurança no desenvolvimento do setor primário.

— Temos 8,5 milhões de quilômetros quadrados, que vão do clima temperado ao tropical, disponíveis para o plantio de vários produtos. Enquanto isso, diversos países desenvolvidos têm espaço apenas para uma cultura — explica o especialista. — No Brasil, há 5,5 milhões de unidades de agricultura familiar, e cerca de 20 milhões de pessoas vivem de sua exploração. Podemos dobrar nossa produtividade implantando mais tecnologia.

Segundo ele, a água — seja por seu excesso ou escassez — é responsável por até 95% dos casos de queda na produção agrícola. Agora, porém, as temperaturas exercem uma crescente influência sobre os resultados do campo.

— É difícil ter controle sobre a irrigação, que é imprescindível para as culturas agrícolas. Em um ano, pode chover muito, e, no seguinte, não cair uma gota do céu — pondera. — A temperatura, por sua vez, pode interromper o desempenho de cultivos agrícolas a cerca de 30 Celsius. Considerando que os termômetros podem aumentar mais de 2 graus Celsius, é importante investir em projetos de melhoramento genético. Desta forma, diversas culturas poderão sobreviver em locais mais quentes.

Superintendente de Conservação do WWF-Brasil, Mario Barroso acredita que a estimativa indicada pelo estudo canadense é até conservadora. Para ele, os estragos causados pelo clima à produção agrícola mundial são muito mais graves. Barroso ressalta que as estiagens e o comprometimento das safras agrícolas provocarão, entre países, intensas disputas por água.

— Antes de chegarmos a crises no setor produtivo, precisamos de alternativas, principalmente na irrigação, o que diminuiria o risco ligado às mudanças climáticas — destaca. — Mas esta busca por tecnologia para recursos hídricos pode levar a conflitos. Afinal, todos precisam abastecer aquíferos e reservatórios. As disputas podem ocorrer dentro de um mesmo país, como pelos recursos da Bacia de São Francisco, e entre nações. Em algumas regiões da África, a seca interrompeu a produção agrícola e forçou migrações.

Para defender a produtividade contra as mudanças climáticas, Barroso acredita que os agricultores deslocarão parte do cultivo para bordas das áreas que já exploram, uma prática que já seria comum na Amazônia.

 



Veículo: Jornal O Globo


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