Adoção de práticas de confiança traz resultado concreto para o varejo

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Considerado o papa da gestão organizacional e do ensinamento de adoção de práticas bem-sucedidas de desenvolvimento de pessoas, o americano Stephen M.R. Covey deu um salto significativo em sua carreira ao publicar o livro "The Speed of Trust" (A velocidade da confiança, em tradução livre). Filho do também escritor Stephen R. Covey - autor do best seller "7 Habits of Highly Effective People" ("Sete hábitos de pessoas altamente eficientes"), a base filosófica de Covey sobre o tema confiança permeou a quase totalidade das 35 palestras ocorridas na semana passada durante o 30º Congresso e Feira de Negócios em Supermercado, na capital paulistana.

Covey, que apresentou uma das mais concorridas palestras do evento, mostrou de forma empírica que a confiança é algo difícil, porém real e quantificável. E que ela afeta de maneira mensurável a velocidade e os custos de uma empresa. Para ele, como função do caráter e da competência, a confiança pode ser criada e destruída, efetivamente ensinada e aprendida. Na maioria dos casos, a confiança perdida pode até ser restaurada.

Poucos dias antes de desembarcar em São Paulo para o Congresso promovido pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), Stephen Covey concedeu uma entrevista exclusiva ao Valor. O autor é também o co-fundador da CoveyLink e líder global de práticas de velocidade da confiança da FranklinCovey. A seguir os principais trechos da conversa.

Valor: O senhor poderia explicar como funciona na prática a filosofia que criou e disseminou pelo mundo todo a respeito de 'liderar na velocidade da confiança'?

Stephen Covey: Nossa prática se concentra em ajudar os líderes e as organizações a obter resultados superiores por meio da criação e aproveitamento de uma cultura de alta confiança, que permite que uma empresa possa obter melhores resultados mais rapidamente, com menos custo, com mais engajamento, e, ao mesmo tempo, ter mais diversão e satisfação ao longo do caminho. Em uma cultura de alta confiança, as organizações são mais capazes de atrair e reter pessoas, trabalhar de forma colaborativa, associar, unir, inovar, executar, gerar mudança, vender mais, e mover-se com maior velocidade. A confiança é a única coisa que muda tudo.

Valor: Por que a adoção de tais práticas pode realmente fazer a diferença para as empresas?

Covey: Há economias muito reais na adoção das práticas de confiança. Confiança sempre afeta dois resultados mensuráveis: velocidade e custo. Quando a confiança cai em uma organização, ou em uma equipe, ou em um relacionamento, a velocidade com que as coisas acontecem também cai (tudo leva mais tempo para fazer) e o custo sobe (tudo custa mais). Este é o fardo da baixa confiança. Felizmente, é o mesmo para o oposto: quando a confiança sobe, a velocidade das decisões e práticas sobe com ela (tudo acontece mais rapidamente), enquanto o custo cai (tudo custa menos). Este é um dividendo da alta confiança. É tão simples assim, tão real, tão previsível - e isso se desenvolve em todos os lugares.

Valor: Como é possível mensurar esta questão?

Covey: Um estudo da Watson - Wyatt (agora TowersWatson) mostra que as performances das organizações de alta confiança e o retorno que dão aos acionistas (preço das ações mais dividendos) superam as de organizações de baixa confiança em 286%. Isso é quase três vezes maior! Por que? Porque as empresas de alta confiança operam com maior velocidade e menor custo, e por fim esta confiança é monetizada no mercado. Um estudo semelhante das 100 Melhores Empresas para Trabalhar da revista "Fortune" e do The Great Place to Work Institute mostra que essas empresas (das quais a confiança é de dois terços dos critérios) tiveram uma performance melhor de mercado em 288% a cada ano em um período de 13 anos do que o resto da média da concorrência. Existem inúmeros outros estudos que mostram como a confiança irá conduzir o engajamento, fortalecer a inovação, acelerar a execução, aumentar a lealdade, incrementar a retenção, melhorar as parcerias e crescer as vendas.

Valor: E isso é fácil de se conquistar? E de perder?

Covey: Confiança é simples, mas não é fácil. É simples porque a confiança, em seu núcleo, tem a ver com duas coisas: credibilidade e comportamento. Credibilidade inclui tanto nosso caráter quanto nossa competência. Existem 4 núcleos de credibilidade - dois dos quais pertencem ao caráter (integridade e intenção) e dois ligados à competência (capacidades e resultados). Já o comportamento está ligado ao que fazemos e como o fazemos. O que faz toda a diferença. Nós identificamos 13 comportamentos específicos de alto aproveitamento que ajudam os líderes e as organizações a aumentar a confiança. São eles: falar de forma direta, demonstrar respeito, criar transparência, corrigir erros, mostrar lealdade, entregar resultados, se tornar melhor, enfrentar a realidade, clarear as expectativas, prática de responsabilidade, escutar primeiro, manter compromissos e ampliar a confiança. Cada um dos comportamentos tem um oposto, que destrói a confiança. A razão pela qual a confiança não é fácil de se alcançar é porque não é fácil mudar o comportamento - que é simples de entender, e muito difíceis de fazer. Muitas vezes as pessoas ficam presas no que chamamos de "comportamento falsificado". Assim como o dinheiro falsificado, parece real, mas não é. Por exemplo, falar de forma direta significa dizer a verdade. O oposto disso é mentir. Falsificar o ato é "enrolar" e postular. E este comportamento tende a ser a norma cultural na maioria das organizações hoje (enrolar em vez de falar diretamente. Agendas ocultas em vez de criar transparência. Promessas demais com sub entregas). Como resultado, neste caso, a confiança vai para baixo. Por isso, é simples demonstrar e evidenciar que, se adotados corretamente, esses 13 comportamentos vão aumentar a confiança. E o oposto deles vai diminui-la.

Valor: Quão vulnerável pode ser a mensuração desses dados?

Covey: A confiança é uma percepção e podemos medir as percepções. É importante que tal medição seja realizada com uma pesquisa anônima. Ela se torna mais útil quando há um enquadramento comum e consistente para que possamos medir a confiança ao longo do tempo. Também é relevante avaliar não só os níveis de confiança, mas também os componentes que ela carrega.

As pessoas ficam presas no "comportamento falsificado". Assim como o dinheiro falso, parece real, mas não é.

Valor: Como o caráter de uma pessoa pode ajudar ou dificultar o processo da confiança?

Covey: O ponto de partida da confiança é a credibilidade. E o fundamento da credibilidade é o caráter (nossa integridade e intenção). Então caráter é vital para a criação e manutenção de confiança. Mas somente o caráter, embora necessário, é insuficiente. Competência (capacidades e resultados) também é necessário. A combinação de caráter e competência é a base em que a credibilidade é construída e sustentada.

Valor: É possível resgatar a credibilidade perdida?

Covey: Na maioria dos casos - não em todos -, acreditamos que a confiança possa ser restaurada. Mas, não é fácil. Temos uma expressão em que dizemos: "Você não pode escapar de um problema com palavras que seu comportamento criou". As palavras são necessárias, mas no final, elas precisam ser reforçadas por ações, por comportamentos consistentes e sustentáveis. Isso sim pode permitir que uma pessoa ou empresa recupere e restaure a confiança. Mas nunca é fácil e, em alguns casos, impossível. Há três fatores que demonstram como será difícil restaurar a confiança (ou mesmo se será possível): 1) qual era a natureza da perda de confiança? (perder a confiança por causa de uma falta de caráter é geralmente mais difícil de restaurar do que perdê-la por incompetência); 2) o quanto é importante a relação para cada lado? (é transacional ou é fundamental - como um membro da família); e 3) a vontade dos dois lados para restaurar a confiança. Um lado pode estar disposto a pagar o preço e restaurá-la por seu comportamento, mas o outro também tem que estar a fim e permitir que isso aconteça.

Valor: Como o senhor pode provar essa teoria cientificamente?

Covey: Há muitos estudos referenciados que falam sobre a economia que a confiança gera. Além disso, há 7 pontos organizacionais de baixa confiança que são extremamente caros para a empresa (redundância, burocracia, política, desengajamento, volume de negócios, rotatividade e fraude) e há 7 dividendos organizacionais de alta confiança que rendem resultados extraordinários, tornando-a um "multiplicador de desempenho" (aumento de valor, crescimento acelerado, reforço à inovação, melhor colaboração, parceria mais forte, melhor execução, lealdade elevada). Como apenas um exemplo, o custo do desengajamento foi estimado em mais de US $ 250 bilhões - e nada desencanta mais as pessoas como uma cultura de baixa confiança. Da mesma forma, há estudos de casos que validam a realidade de que a confiança pode ser (e tem sido) restaurada.

Valor: Quantas empresas adotam esta filosofia hoje nos EUA? E quanto ao Brasil e resto do mundo?

Covey: Cada vez mais as organizações acreditam no poder da cultura de alta confiança corporativa. Nós, da FranklinCovey, temos centenas de clientes que seguem esta filosofia. E existem milhares de outras organizações que adotam abordagem semelhante. Dê uma olhada em qualquer uma das empresas da lista das 100 Melhores Empresas do instituto Great Place to Work e verá as empresas que acreditam na confiança como uma melhor forma de liderar. Warren Buffett, da Berkshire Hathaway, opera com a premissa do que ele chama de "confiança merecida". O que lhe permite fazer negócios com mais rapidez e com menores custos, e operar com alta eficiência - é o que dois professores de Stanford têm chamado de "a menor proporção de despesas gerais corporativas para capital do investidor entre todas as grandes corporações do mundo". O Tony Hsieh, da varejista on-line Zappos.com, opera com confiança, tanto com seus clientes (frete grátis em ambos os sentidos) quanto com seus funcionários (sem engessamento em suas centrais de atendimento). Isadore Sharpe construiu a Four Seasons, cadeia de hotéis, com a confiança como seu código e bússola, e esta foi "a principal razão para o [seu] sucesso". Pierre Omidyar fundou o eBay seguindo a premissa de que a maioria das pessoas são basicamente boas e podem ser confiáveis, o que lhe permitiu criar um negócio em que o comprador e vendedor "aprenderam que podem confiar em uma pessoa não conhecida". Líderes da Google, SAS Institute, a Southwest Airlines, Virginia Mason Medical Center, W.L. Gore, IBM, Whole Foods, e inúmeros outros operam com a crença explícita de confiança com funcionários e clientes. E assim também acontece em algumas empresas no Brasil.




Veículo: Valor Econômico


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