Novo ciclo global de crescimento deve ajudar menos o Brasil

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Se considerado apenas o crescimento de 1,5% da economia no segundo trimestre, o Brasil não fez feio. Avançou mais, em termos anualizados, do que países como Chile, África do Sul, Peru, Alemanha, Reino Unido, Hungria e Estados Unidos. O México, que tem sido visto como o novo queridinho dos mercados na América Latina, inesperadamente mostrou retração de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no período. A Tailândia entrou em recessão técnica (definida por dois trimestres consecutivos de crescimento negativo do PIB).

O mérito, no entanto, não pode ser atribuído ao Brasil, avaliam economistas, para quem há uma mudança em curso que deve levar a um novo ciclo de crescimento global, mas agora puxado pelos Estados Unidos e por outros países desenvolvidos. Embora todos se beneficiem de alguma forma da melhora do cenário externo, tendem a desacelerar com mais intensidade os dependentes das exportações de commodities e, consequentemente da China, caso da maioria dos emergentes.

O cenário para os países em desenvolvimento também ficou mais difícil a partir da sinalização do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de que deve começar a reduzir, possivelmente ainda neste ano, o volume mensal de compras de ativos, atualmente em US$ 85 bilhões, o que levou a uma corrida por ativos americanos e uma onda de desvalorização das moedas em diversos mercados emergentes. O Brasil não escapou deste movimento, que deve levar o crescimento a perder força nos próximos trimestres.

Para Tony Volpon, chefe de pesquisa para mercados emergentes nas Américas do Nomura Securities, a economia brasileira caminhava, de fato, para uma recuperação mais forte quando foi atingida pelo choque externo ditado pelo Fed, que levou a moeda brasileira a perder quase 20% em valor desde maio e os juros futuros a dispararem. Agora, "nem eu nem a maioria do mercado acredita que a economia no terceiro trimestre vai ter crescimento perto do que ocorreu no segundo".

A questão, avalia Volpon, é que o crescimento entre abril e junho foi pontual e não muda a capacidade de crescimento da economia brasileira, que enfrenta restrições de oferta e um déficit em conta corrente elevado.

O caso mexicano é diferente. Apesar do crescimento pífio no primeiro semestre, que deve levar a economia a avançar apenas 1,4% neste ano, as perspectivas lá são mais favoráveis porque o país tem maior correlação com os EUA e está promovendo reformas que devem alavancar a produtividade. Já no ano que vem o México deve voltar a avançar em torno de 4,5%, enquanto o Brasil deve crescer algo como 2%, prevê Volpon.

Como parece que é a vez dos desenvolvidos, e não dos emergentes, o México tende a ser beneficiado por ser fornecedor de bens intermediários para a indústria americana, que está se recuperando, afirma João Pedro Bumachar, economista do Itaú.

Na América Latina, outros países, como o Chile e o Peru, além do Brasil, tendem a ser mais afetados pela moderação do crescimento na China. No entanto, afirma, esse movimento não será uniforme. "Quanto melhor os fundamentos, mais capacidade tem o país de implementar política anticíclicas", afirma. Atualmente, Bumachar vê maior margem de manobra no Chile e na Colômbia, por causa da inflação baixa, que permite cortar juros mesmo com desvalorização do câmbio. No Brasil, esse espaço é bastante limitado, diz.

David Rees, economista para mercados emergentes da Capital Economics, também avalia que para além do aparente fim do "superciclo" de commodities, com impacto negativo para os países emergentes, várias economias de peso - "todos os Brics, por exemplo" - também esbarraram em questões estruturais próprias. No caso da China, o crescimento de dois dígitos foi excessivamente sustentado por investimentos, e agora é preciso migrar para um novo equilíbrio, com maior participação do consumo.

"O oposto é verdade para o Brasil", afirma, onde a expansão do PIB se baseou no avanço da demanda, estimulada pelo crédito, enquanto a indústria e os investimentos ficaram para trás. São essas questões estruturais, comenta Rees, que provavelmente desencadearam a mudança de expectativa em relação ao Brasil. Sem investimento, a economia tem potencial para crescer no máximo 3%, e não os 5% vistos em outros países em desenvolvimento.

Os países que mais sofrem, comenta Volpon, são aqueles com elevado déficit em conta corrente, caso da Índia, ou países nos quais o rombo nas transações externas é crescente, como o Brasil. "Quando tínhamos um mundo com ampla liquidez, os investidores não olhavam problemas com lupa", afirma. Quando a maré baixa, diz, o mercado fica mais seletivo, o que leva à saída de capitais que tem sido observada desde junho em diversos países.

A desvalorização das moedas em países asiáticos e o menor crescimento chinês, que prejudica exportações, levou economistas a projetarem expansão menor na região. De acordo com a Focus Economics, entre agosto e setembro as projeções para Índia, Indonésia, Malásia, Taiwan, Tailândia e Vietnã recuaram entre 0,3 (Índia) ponto e 2,4 ponto percentual (Tailândia). No caso da China, a projeção de crescimento, hoje em 7,5%, era 0,5 ponto percentual maior há três meses.

Para Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, o diferencial de crescimento entre emergentes e desenvolvidos, que havia sido ampliado na última década, principalmente após a crise global, mudou de tendência e a perspectiva é que esse hiato diminua nos próximos anos.

Os Estados Unidos e a Europa, que estavam "no buraco", dão sinais de recuperação mais sustentada. A economia americana, que ressurge da crise mais competitiva, avançou 2,5% no segundo trimestre, em termos anualizados, enquanto a zona do euro teve o primeiro resultado positivo após seis trimestres consecutivos de retração da atividade na região.

A perspectiva de alteração na dinâmica de avanço global, com melhora dos emergentes, faz com que investidores fiquem mais exigentes e reavaliem suas posições em mercados considerados mais arriscados. "O investidor aceitava qualquer desaforo, mas com perspectiva de diminuição da liquidez externa, o entusiasmo diminuiu".

Para Oliveira, no entanto, assim como a empolgação com o Brasil de 2010 era excessiva, o pessimismo que domina o mercado atualmente parece um pouco exagerado. O Brasil, diz, não está fadado ao baixo crescimento e concessões de infraestrutura bem sucedidas no segundo semestre e a injeção de competitividade na indústria via câmbio podem alavancar a economia doméstica. Para tanto, o governo tem que priorizar o compromisso com o controle de inflação e abandonar a contabilidade criativa que gerou uma série de críticas à condução da política fiscal, diz.



Veículo: Valor Econômico


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