Bolsa pode receber R$ 200 bilhões de grandes fundos

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São Paulo – Quem quis aplicar no Brasil a velha teoria de que o melhor momento para comprar ações é quando há uma crise e todo mundo corre da bolsa está perdendo dinheiro há um bom tempo. Nos últimos três anos, a grande maioria dos investidores, nacionais e estrangeiros, reduziu drasticamente suas aplicações no mercado local de ações.
 
De 2013 a 2015, o Ibovespa caiu 30%. Hoje, a participação do Brasil nos principais índices que acompanham as bolsas de países emergentes é inferior à da África do Sul, que tem um mercado muito menor. Para a maioria dos analistas, a perda de relevância do Brasil significa o seguinte: quem queria sair do mercado local já saiu. O que existe hoje, em contrapartida, é um número crescente de gestores analisando se vale a pena voltar a comprar ações aqui, e eles têm dezenas de bilhões de reais que podem ser investidos na Bovespa.
 
Uma análise feita pelo banco JP Morgan mostra que os fundos brasileiros de ações, multimercados e de previdência investem hoje aproximadamente 9% do patrimônio na bolsa. A média do intervalo compreendido entre 2002 e 2015 foi de 14%. A situação é parecida com a dos fundos de pensão: atualmente, a aplicação em bolsa corresponde a 19% do patrimônio, enquanto a média histórica é de 30%.
 
Se esses gestores decidirem voltar à média, o fluxo de recursos para a Bovespa poderá atingir cerca de 200 bilhões de reais, o que corresponde a 10% do valor de mercado de todas as empresas brasileiras de capital aberto. Ou seja, o dinheiro poderia levar a uma nova onda de valorização das ações.
 
“Há ainda o pote de ouro, que são os fundos globais de ações, que têm cerca de 16 trilhões de dólares em ativos e investem pouco no Brasil. Qualquer movimento desses fundos poderia mexer com a bolsa”, diz Pedro Martins, estrategista-chefe de ações na América Latina do JP Morgan.
 
Mas por que esses gestores colocariam dinheiro na Bovespa agora? Para analistas como Martins e alguns gestores de fundos, as ações estão mais baratas do que parecem. O motivo, segundo eles, é o fato de as projeções para o lucro das empresas serem pessimistas demais. A previsão do mercado é de uma queda de 25%, em média, no segundo trimestre deste ano.
 
Os analistas do banco UBS usaram dados tributários para mostrar que a estimativa deve estar errada. De acordo com o banco, o pagamento de impostos pelas empresas aumentou 14% em abril e maio, o que indica que elas estão faturando mais do que no passado (a inflação no período foi de 1,4%). Ao medir a relação histórica entre os pagamentos de impostos e os resultados das empresas, o UBS concluiu que o lucro deve ter crescido em torno de 10% no segundo trimestre.
 
“Pela primeira vez em muito tempo enxergamos uma chance de melhora no lucro de muitas empresas, e isso se deve à valorização do real e também ao fato de a economia ter parado de piorar. Por isso, voltamos a comprar ações brasileiras”, afirma William Landers, gestor para a América Latina da BlackRock, maior gestora de fundos do mundo. Seu fundo investiu apro­ximadamente 500 milhões de reais na Bovespa no começo deste ano.
 
A bolsa também poderá ser beneficiada pela esperada queda dos juros — as estimativas mais recentes indicam que a taxa Selic, que está em 14,25% ao ano, pode começar a baixar em outubro e chegar a 11% no fim de 2017. Nem sempre juros menores são bons para as empresas e, portanto, para investimentos em ações.
 
Se as taxas caem na marra (como aconteceu em 2012), a consequência é o aumento da inflação, que prejudica a economia como um todo. Mas não é isso que se espera do atual comando do Banco Central. Por isso, a expectativa é otimista. Um levantamento feito pelo Bank of America Merrill Lynch, que analisou o comportamento da bolsa durante quatro ciclos de redução dos juros de 2003 a 2011, mostra que o Ibovespa subiu de 11% a 91% nesse período.
 
“Estamos otimistas em relação à bolsa brasileira para os próximos 12 meses”, afirma Felipe Hirai, estrategista de ações para a América Latina do Bank of America. “Aliás, os índices de confiança dos empresários já começaram a melhorar.”
 
A maioria dos investidores, porém, não parece convencida de que vale a pena apostar em peso na bolsa. A experiência dos últimos oito anos não ajuda. O Ibovespa atingiu seu recorde de pontuação em maio de 2008 — 73 516 pontos — e nunca mais voltou a esse patamar. De lá para cá, caiu 30%, enquanto o CDI rendeu 130%.
 
Se tivesse sido corrigido apenas pela inflação, o índice deveria estar nos 123 000 pontos hoje. Houve uma recuperação entre março e junho deste ano, e muitos fundos aproveitaram para comprar ações, o que fez o Ibovespa valorizar 20%. Depois disso, porém, decidiram esperar para ver o que acontece.
 
No Brasil, as principais dúvidas são quando a economia vai começar a se recuperar de fato e se o governo será capaz de aprovar medidas para conter o déficit público. Também há incertezas em relação ao desempenho de algumas das maiores economias do mundo — China, Estados Unidos e Europa, após a saída do Reino Unido da União Europeia.
 
“Estamos razoavelmente otimistas, mas um ambiente de baixo crescimento do PIB, que é o mais esperado para o Brasil nos próximos anos, não costuma ser bom para a bolsa”, afirma Marcello Siniscalchi, diretor de investimentos da gestora de recursos do banco Itaú.
 
O americano Robert Arnott, dono de uma empresa que desenvolve estratégias de investimento para algumas das principais gestoras do mundo, costuma dizer que, no mercado financeiro, “o que é confortável raramente é lucrativo”. Tradução: para ter ganhos, é necessário correr riscos.
 
O Brasil atual, claro, é uma exceção: aqui, nada tem sido mais confortável e lucrativo do que aplicar na renda fixa. A bolsa está em segundo plano. Mas isso pode começar a mudar. Comprar ações agora é um risco. Quem esperar a economia se recuperar para investir na bolsa deve conseguir escolher as empresas com mais clareza — mas, provavelmente, pagará mais caro por isso.
 
 
Veículo: Exame


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