Microsoft: Ervilha é a proteína da vez

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Bill Gates, fundador da Microsoft, ajuda a financiar empresa que usa ervilha amarela em vez de ovos para fazer maionese

Dentro do laboratório de pesquisa da General Mills, em Golden Valley, Minnesota, a técnica em alimentos Faith Perry está ocupada fazendo combinações para criar a nova barra energética Lärabar. Latas colocadas ao longo de uma parede contém praticamente todos os ingredientes que se poderia colocar em um produto do tipo, desde flocos de aveia até marshmallows. O ingrediente que vai dar à Lärabar seu novo nome no rótulo - ALT, de proteína alternativa - tem milhares de anos: a ervilha.

Perriy acrescenta uma dose não revelada de ervilhas amarelas em pó a um montículo de nozes, tâmaras e xarope de arroz marrom para completar uma receita que os cientistas da empresa alimentícia levaram dois anos para criar.

"Tivemos de passar por vários protótipos", diz Perry, enquanto aplana a mistura em uma panela de metal. Como as proteínas ficam coesas e endurecem, algo que afeta a textura e o tempo de vida do produto, "foi difícil mantê-lo simples", conta. "Usamos ervilhas porque não são alergênicas e têm pouco impacto no sabor."

Após anos de pesquisas em busca de novas formas de vender açúcar, sal e gordura, as empresas no mercado alimentício, que movimenta US$ 1 trilhão por ano, estão em uma jornada para criar produtos com novas proteínas. A ideia é atrair os consumidores preocupados com os benefícios à saúde, cuja aversão aos alimentos embalados tradicionais brecou o crescimento de produtos populares, como os cereais da Kellogg's e as sopas da Campbell's.

Conseguir identificar as tendências das vendas de alimentos logo no início pode ter grandes retornos financeiros. As vendas de muitos produtos com ingredientes com alto teor de antioxidantes, como o açaí e o romã, crescem três vezes mais do que o mercado de alimentos como um todo. Os iogurtes probióticos, vendidos como tendo micro-organismos que ajudam a digestão, tornaram-se um segmento que movimenta US$ 30 bilhões por ano nos supermercados e que deverá crescer 50% até 2018, para US$ 45 bilhões, segundo a firma de pesquisas Euromonitor International. E, dependendo de qual pesquisadora você levar em conta, o segmento de produtos sem glúten hoje movimenta entre US$ 500 milhões e US$ 10,5 bilhões em vendas ao ano. "A maior parte do crescimento frequentemente se dá nos primeiros momentos", diz o analista Chris Brockman, da Mintel. "Frequentemente quando os grandes participantes sobem a bordo, a tendência já está se enfraquecendo e traz menos retorno."

Esse é um dos motivos pelos quais as empresas de alimentos apressam-se para encontrar a próxima fonte de proteínas da moda, que possa ser colocada em novos produtos ou ampliar linhas antigas com novas versões - muitas vezes, a preços maiores. A General Mills voltou-se para um sabor improvável: sementes de leguminosas secas, uma família que inclui ervilhas, feijões e lentilhas secas. Elas podem dar ao produto uma aura nutritiva, trazendo amplas quantidades de proteínas, sem a gordura e o colesterol associados a produtos animais.

Tradicionalmente vendidas apenas no corredor dos alimentos nutritivos, as leguminosas secas encontraram um novo caminho nos produtos de marcas famosas, como os pretzels Newman's Own, as massas Barilla, os cereais Post e até os biscoitos Triscuit, da Mondelez International.

As firmas alimentícias dizem que isso é apenas o começo. "Os americanos estão engolindo proteínas como se não houvesse amanhã", diz Kantha Shelke, diretora de pesquisa de ciências alimentares na Corbus Blue, em Chicago. "A proteína é o novo preto".

Os processadores de alimentos gostam das leguminosas secas por sua versatilidade. Elas vêm em várias cores e tamanhos e podem ser consumidas inteiras, em farinhas ou separadas de acordo com seus três principais componentes: proteínas, fibras e amido. Têm mais proteínas e fibras do que o trigo ou arroz, além de fornecerem vitamina B, ferro e zinco. Podem ajudar no controle da pressão sanguínea. E são consideradas melhores para o ambiente, por devolver nitrogênio ao solo enquanto crescem, reduzindo a necessidade de fertilizantes, e por exigir menos água e terra do que as proteínas animais.

Assim como muitos outros ingredientes cobiçados, as leguminosas secas estão em falta. Hoje, apenas um punhado de empresas no mundo têm as instalações e a tecnologia necessárias para processar grandes quantidades de concentrados e farinhas de proteína de ervilha. Em 2013, o fornecimento cresceu tão pouco que os preços dispararam e as encomendas não foram atendidas, segundo o consultor especializado em alimentos Henk Hoogenkamp, que trabalha com proteínas há 40 anos.

Ideia é atrair aquele consumidor que se preocupa com a saúde, que busca algo nutritivo, mas sem gordura

"Há dez anos, ninguém falava sobre leguminosas secas", diz Gordon Bacon, executivo-chefe da Pulse Canada, uma associação setorial que representa os plantadores e processadores do país que o maior produtor mundial de leguminosas. "O mercado agora está muito aquecido. Estamos apresentando às empresas alimentícias um novo ingrediente que é tão velho quanto o próprio tempo".

As leguminosas secas não são perfeitas - as densas proteínas podem endurecer a textura dos alimentos, como os pesquisadores da General Mills descobriram com o Lärabar ALT, cujo tempo de vida nas prateleiras é cerca de dois meses inferior ao dos Lärabars comuns. E a digestão das leguminosas nem sempre é fácil, levando algumas vezes a desconforto e flatulência. "Algumas pessoas têm um monte de bactérias apenas esperando para digerir isso em formas que não são muito agradáveis", diz Peter Jones, diretor do Richardson Center for Functional Foods e Nutraceuticals, na University of Manitoba, em Winnipeg. "Mas sua tolerância melhora com o tempo."

O que influenciou a decisão dos cientistas da General Mills, que pesquisaram meia dúzia de alternativas à soja e laticínios antes de optarem pelas ervilhas amarelas, foi o que as leguminosas não têm: alergênicos ou organismos modificados geneticamente, que deixam muitos consumidores receosos.

Com as Lärabars, a General Mills almeja o crescente número de consumidores que evitam glúten e laticínios, especialmente os 75% de adultos que querem adicionar mais proteínas a sua dieta, mas não querem aumentar o consumo de carnes vermelhas entupidoras de artérias. As novas barras energéticas fazem parte de um setor em expansão apelidado de alimentos "livres de", que movimentou US$ 9,6 bilhões em 2013 e vai crescer para US$ 12,4 bilhões até 2018, segundo a Euromonitor. A General Mills já atende a esse segmento, com os Cheerios, livres de transgênicos, lançados em janeiro. "Antes, os únicos que ligavam para essas coisas, como glúten, eram os esquisitos na periferia [do mercado]", diz a analista Heather Jones, da BB&T Capital Markets. "Agora, a corrente predominante presta muito mais atenção a isso."

Gigantes do setor alimentício não são os únicos em cena. Os bilionários Bill Gates, Li Ka-shing e Tom Steyer ajudam a financiar a Hampton Creek, uma empresa iniciante de San Francisco que usa proteínas de ervilhas amarelas em vez de ovos para fazer maionese. O produto é vendido nas redes de supermercados Whole Foods, Safeway e em algumas lojas da Costco. A rede de restaurantes Protein Bar, que vende a "bar-itos", de quinoa orgânico, recentemente recebeu investimento da Catterton Partners, uma firma de investimento em participações que já apoiou a Kettle Foods e a Caribou Coffee. Em abril, a Post Holdings acertou a compra da processadora de alimentos Michael Foods por US$ 2,45 bilhões, o que a tornou um nome de força no segmento de proteínas.

Como a General Mills foi uma das primeiras a perceber o potencial das ervilhas, a dona da marca Bettty Crocker conseguiu armazenar estoques de fornecedores como a Alliance Grain Traders, do Canadá, criando escassez e deixando os rivais às voltas para alcançá-la. A Roquette, uma empresa francesa que faz ingredientes a base de ervilhas, dobrou sua capacidade de produção e trabalha com agricultores fora de Paris para elevar o rendimento das plantações. Fornecedores chineses também preenchem a lacuna, mas empresas americanas mostram-se relutantes em comprar-lhes, por receios com a segurança alimentar, segundo Hoogenkamp.

Na General Mills, as vendas das barras ALT, oferecidas em seis sabores, como o de torta de limão, vêm superando as metas desde o lançamento em maio passado. Em janeiro, a marca Cascadian Farm, lançou sua própria barra de proteínas. Cereais a base de leguminosas secas poderiam ser os próximos produtos a entrar no mercado, embora a General Mills não revele exatamente o que vem preparando.

As empresas de alimentos também testam ingredientes menos conhecidos - sementes de chia, quinoa e cânhamo - para desenvolver produtos que possam ser comercializados como sendo mais saudáveis. "Podemos 'limpar' os rótulos [sobre as características nutricionais] de toda uma série de produtos", diz Murad Al-Katib, executivo-chefe da Alliance Grain Traders. "Mas nossos clientes não vão substituir ingredientes apenas pela saúde. Eles precisam de sabor."

É por isso que a Alliance tem seu próprio centro de pesquisa e desenvolvimento em Saskatoon, Saskatchewan, testando ideias de produtos para levar seus consumidores a comprar mais. Recentemente, em uma manhã, uma equipe no laboratório fazia testes sobre o sabor de pão, massas, lanches, tortas e alguns bolinhos de carne. Alguns eram preparados da maneira usual, enquanto outros continuam farinha de ervilha PulsePlus V-600, da Alliance. As massas reformuladas tinham o mesmo sabor da tradicional. O pão e a torta também foram aprovados, com a vantagem de que podem ser feitos de forma mais barata com as ervilhas do que com trigo e ovos.

Mas os bolinhos de carne, com 16% menos de carne e sem migalhas de pão, ficaram secos e tinham um gosto residual ligeiramente estranho. "Há alguns problemas de sabor na boca", disse Mehmet Tulbek, chefe de pesquisa e desenvolvimento da empresa. "Mas há potencial." As firmas alimentícias apostam que ele está certo. (Tradução de Sabino Ahumada)



Veículo: Valor Econômico


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