Cacau polêmico pode beneficiar a indústria do chocolate

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Com um nome que lembra um droide de "Guerra nas Estrelas" e a reputação de ter um gosto ácido, o grão de cacau CCN 51 é um herói improvável da indústria do chocolate, que movimenta US$ 110 bilhões por ano.

Alguns fabricantes e agricultores se voltaram para o grão das árvores altamente produtivas do CCN 51 para combater a escassez iminente da produção de cacau, enquanto que outros juram que nunca o usarão.

A oferta global de cacau deve ficar aquém da demanda pela segunda temporada consecutiva. Fabricantes de doces estão aflitos à medida que o consumo cresce em países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, ao mesmo tempo que a produtividade das árvores de cacau estagnou e alguns agricultores migraram para outras culturas. A Mars Inc., empresa americana que fabrica o chocolate M&M, estima que o mundo vai precisar de um milhão de toneladas adicionais de cacau em 2020, 25% a mais que hoje.

Uma solução possível: uma variedade de cacaueiro conhecida como CCN 51. Desenvolvida no Equador por um agrônomo há quase 50 anos, sua produtividade pode chegar a ser cerca de quatro vezes superior à média mundial.

A produção mundial de cacau ficou abaixo da demanda em 174.000 toneladas na safra que terminou em setembro. Este ano, a demanda deve superar a oferta em 115.000 toneladas, de acordo com a Organização Internacional do Cacau, ou OIC, à medida que os consumidores de mercados emergentes abocanham um pedaço maior da oferta mundial de cacau.

O Brasil está entre os maiores produtores de cacau do mundo e, pelas estimativas da OIC, produziu 185.000 toneladas na safra de 2012/13, menos que as 220.000 toneladas da anterior.

A organização, sediada em Londres, espera que a tendência continue por cinco anos, o que amplia a necessidade de uma variedade com alta produtividade. Na quarta-feira, o cacau para entrega em maio chegou a US$ 3.025 a tonelada na bolsa americana ICE Futures, perto do recorde dos últimos dois anos e meio, embora tenha caído 1,7% ontem.

Adotar a nova variedade nos trópicos pode soar como uma decisão fácil dada a maior produtividade. Mas o CCN 51 provoca um debate acalorado entre os "chocolatiers". Os grandes fabricantes estão incorporando as novas sementes em sua produção, mas alguns vendedores especializados dizem que o chocolate feito com esses grãos não é saboroso. Alguns confeiteiros temem que as árvores do CCN 51 acabem substituindo as variedades ricas e saborosas do cacau da Bacia do Rio Amazonas, onde o produto teve sua origem.

A Lindt & Sprüngli AG, empresa suíça que faz as trufas Lindor, afirma que não usa o CCN 51. A empresa recentemente ajudou a financiar um estudo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para encontrar uma forma de testar o DNA do grão de cacau e eliminar as variedades indesejadas.

"O sabor do CCN 51 [...] é insípido", diz Francisco Javier Gómez, diretor de negócios internacionais da empresa colombiana CasaLuker AS. "É para os chamados produtos de grande escala."

Para os grandes fabricantes de chocolate, aumentar a produtividade das árvores existentes é essencial para o futuro da produção do alimento. Contrariamente a outras grandes commodities como algodão ou milho, que são culturas anuais, os cacaueiros demoram ao menos quatro anos para produzir uma colheita comercialmente viável.

"O CCN é um burro de carga", diz Howard Yana Shapiro, diretor agrícola da Mars. "É um cultivo dos sonhos que se tornou realidade." Suas árvores são altamente produtivas e as sementes no interior dos seus frutos são maiores e produzem mais manteiga de cacau que a maioria das outras variedades. A manteiga de cacau é usada para dar cremosidade ao chocolate.

A Mars e a Mondelez International Inc., fabricante da marca Cadbury, afirmam que o grão do CCN 51 pode aparecer na manteiga de cacau usada em seus produtos. A Cargill Inc. e a suíça Barry Callebaut AG, dois dos maiores processadores de cacau do mundo, informam que processam grãos do CCN 51.

Produtores equatorianos começaram a plantar o CCN 51 para valer depois que suas colheitas foram atingidas pelo mau tempo no fim dos anos 90. A produção do país dobrou nos últimos dez anos.

A hiperprodutividade peculiar do CCN 51 também é seu ponto fraco. A semente do cacau cresce dentro de frutos ovais. Quando eles são partidos ao meio, as sementes estão cobertas de polpa úmida. O que dá ao chocolate seu sabor é o processo de fermentação, quando as sementes são colocadas numa caixa por quatro a seis dias. A variedade CCN 51 produz mais sementes, mas também mais polpa. O processo de fermentação deixa o chocolate com um sabor forte demais e dá ao grão um sabor ácido e amargo.

As mudanças na indústria do cacau e do chocolate ocorrem muitas vezes em ritmos glaciais. A perspectiva do CCN 51 é um assunto delicado, principalmente na floresta amazônica, onde os produtores dizem que seus grãos têm sabores únicos e delicados. Na África, os produtores temem que uma mudança para uma única variedade, embora de alta produtividade, possa deixar a fonte de quase 70% do fornecimento de cacau do mundo suscetível a doenças.

A qualidade dos grãos CCN 51, porém, está melhorando. A fermentação foi reduzida ao longo das últimas dez colheitas. "As primeiras [colheitas] do CCN 51 tinham um sabor muito azedo e [a variedade] não era vista como uma opção viável para a fabricação de chocolate", diz Kip Walk, que está há 30 anos no setor de cacau e é diretor de sustentabilidade da Blommer Chocolate Co., sediada em Chicago, uma das maiores processadoras de cacau da América do Norte. A empresa compra grãos CCN 51 do Equador. "Esse sabor tem melhorado muito e o CCN faz parte das fórmulas de chocolate hoje," diz.



Veículo: Valor Econômico


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