Varejo e indústria tentam sincronizar encomendas

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Fim de tarde de uma sexta-feira na Grande São Paulo. Os caminhões se enfileiram na entrada do centro de distribuição (CD) de uma grande rede varejista. A entrega de um carregamento de bebidas é interrompida no departamento de recebimento. Motivo: na nota fiscal do fabricante, consta que o pedido era de 100 caixas de 20 unidades de 330 mililitros. Mas o pessoal do recebimento tem nas mãos um pedido de 100 caixas de 25 unidades de 300 mililitros. O impasse gera demora de quase uma hora.

 

Faz-se a consulta ao departamento de compras da varejista, que por sua vez procura o departamento de vendas da fabricante. A indústria explica que mudou o tamanho da embalagem de 300 para 330 mililitros e que isso gerou uma mudança também na forma de armazená-las, agora em caixas de 20 unidades. A varejista acaba liberando a entrega.

 

Enquanto isso, cresce a fila do lado de fora do CD. Se houver novos problemas, os motoristas vão ter que esperar até segunda-feira para desovar suas cargas. Àquela hora, seis da tarde, já não há mais ninguém no departamento de compras da varejista. E se o impasse envolver algum produto que entrou no folheto promocional daquele fim de semana, o consumidor não poderá comprá-lo pois o estoque das lojas vai estar vazio.

 

Esse quadro está longe de ser uma exceção. Acontece todos os dias, tanto nos CDs quanto nas lojas das grandes varejistas no momento de receber as mercadorias. A dificuldade ocorre porque não há sincronia entre as informações do varejo e as da indústria sobre um mesmo produto. Para tentar corrigir essa distorção, um grupo formado por Carrefour, Procter & Gamble, L ' Oréal, Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e GS1 (entidade global responsável pela concessão do código de barras) vai dar início a um projeto piloto para sincronizar eletronicamente, a partir do segundo semestre, os dados dos fabricantes com os do varejo e assim evitar o "retrabalho", fazer a mesma tarefa duas vezes ou mais - um "vício" que vem saindo cada vez mais caro ao setor.

 

Só no Reino Unido, mais de US$ 1 bilhão serão gastos, entre 2010 e 2014, para corrigir informações inconsistentes, segundo levantamento feito pela GS1. E o que é pior: mais de US$ 430 milhões serão perdidos em vendas porque faltou produto na gôndola. Não há levantamento semelhante no Brasil, mas por aqui a situação pode ser ainda pior. "Numa pesquisa piloto feita em uma grande fabricante de bens de consumo, encontramos inconsistência em 83% dos produtos", diz Flávia Costa, assessora de soluções da GS1 Brasil.

 

Trocando em miúdos: um mesmo produto, dentro da empresa que o fabricou, recebeu descrições diferentes. Um item medido pela GS1, por exemplo, com 230,9 gramas, recebeu na área fabril da empresa o peso de 310,15 gramas e, na área de vendas da mesma companhia, 322 gramas. "Essa discrepância pode gerar problemas para a indústria, que oferece um produto com peso diferente do que está sendo apresentado ao público", diz Flávia.

 

No mesmo levantamento, feito este ano e divulgado com exclusividade ao Valor, a GS1 encontrou outro item que media 52 centímetros de profundidade e 113,8 centímetros de altura. "Mas a empresa o apresentava com 114 centímetros de profundidade e 48 de altura", diz Flávia.

 

Isso também gera uma dor de cabeça e tanto para o varejo, diz Paulo Crapina, gerente de organização e processos do Carrefour no Brasil. "Um produto que chega ao varejo com apresentação diferente daquela que temos no nosso sistema provoca mudanças no nosso planograma, ou seja, na maneira com que organizamos o ponto de venda, a separação de produto por corredor, por gôndola e por prateleira", diz Crapina. Isso sem falar no armazenamento desse produto em estoque: se mudou o tamanho da caixa onde ele é alocado, também vai ser preciso mudar o pálete (a estrutura empregada para movimentar a mercadoria de um lado para outro do CD, nas empilhadeiras, e também para levá-la até o caminhão).

 

Segundo o executivo, dependendo do fabricante, há inconsistência em até 40% dos pedidos. Considerando que as 164 lojas e os 17 CDs do Carrefour geram 6,5 mil pedidos por dia (cada um deles com diferentes itens), pode-se ter uma dimensão do problema. "Há épocas em que o pico é de 11 mil pedidos por dia", diz Crapina.

 

Em geral, os pedidos são gerados automaticamente das lojas e dos CDs do varejo direto para o departamento de vendas da fabricante. Mas na hora de separar a entrega já começa o trabalho de conferir o que foi encomendado. Muitas coisas saíram de linha ou mudaram de apresentação, sem que o varejo saiba. Além disso, as informações sobre novos itens são cadastradas manualmente pela varejista, o que aumenta o risco de erros. Tudo isso gera retrabalho de conferência, no varejo e na indústria - tarefa dificílima dada a velocidade de lançamentos. Estima-se que, por ano, 18 mil novos produtos cheguem às gôndolas, enquanto outros 12 mil são retirados.

 

A proposta do novo projeto, batizado de Global Data Synchronization (GDS), é que a indústria adote o serviço de uma central de dados ("data pool"), que será responsável pela gestão das informações e atualizações de todos os produtos oferecidos ao varejo. Este, por sua vez, terá a autorização para consultar a central de dados e a partir daí emitir o pedido. O papel da GS1 será o de validar os dados da indústria, garantindo que as informações estão corretas. Os custos desse serviço seriam divididos entre varejo e indústria.

 

Empresas especializadas em programas de business to business (B2B) e na gestão da cadeia de suprimentos, como GXS e Neogrid, estão sendo convidadas a participar do projeto, na gestão da central de dados. A ideia é que, no início de 2011, os resultados do projeto sejam estendidos a todo o varejo e à indústria.

 

Do lado dos fabricantes, a novidade também vai evitar retrabalho. "Nosso sistema reconhece quando há alguma inconsistência no pedido do varejo, mas não avisa o que há de errado", diz Felipe Caldeira, gerente de sistema comercial da Procter & Gamble. Nesse momento, é preciso que alguém da equipe responsável pela conferência dos pedidos, formada por dezenas de pessoas, encontre o erro e entre em contato com o varejo. Pode ser uma embalagem que não existe mais ou um código de barras diferente. Só depois de resolvido o problema, o pedido é faturado. Na Procter, metade dos cerca de 500 pedidos recebidos por dia apresentam algum tipo de inconsistência.

 


Veículo: Valor Econômico


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