Por que as múltis de lácteos cobiçam o Brasil

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O Brasil é hoje, mais do que nunca, um país estratégico para as multinacionais de lácteos. Com um mercado ainda com forte potencial de crescimento e perspectivas positivas para a produção de leite - além, é lógico, de ter ativos à venda -, o país atrai o interesse de empresas que ainda não estão por aqui ou têm presença restrita, além daquelas que já têm uma posição consolidada no território nacional.

As recentes ofertas feitas pelos ativos de lácteos colocados à venda pela BRF e pelas unidades que serão alienadas pela LBR - Lácteos Brasil dão uma ideia da importância que o país ganhou no tabuleiro das grandes multinacionais desse segmento.

A BRF, que no início do ano pôs à venda suas operações de lácteos, recebeu ofertas da francesa Lactalis, a maior em captação de leite do mundo, da também francesa Danone, da mexicana Lala, além da canadense Saputo, conforme fontes do setor. A expectativa é de que o nome do comprador seja conhecido em breve.

Já as unidades da LBR, colocadas à venda dentro de um processo de recuperação judicial, tiveram propostas também da Lactalis, da venezuelana Unaquita, além das brasileiras Vigor (controlada pela J&F), Itambé (controlada pela Vigor e pela Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais), entre outras nacionais. Uma assembleia de credores vai analisar as melhores propostas na próxima segunda-feira.

Dentre as estrangeiras interessadas em ativos de lácteos no Brasil, a Lactalis, que em 2013 comprou a pequena de queijos Balkis, vem se mostrando a mais agressiva. Um sinal de quanto considera crucial estar em território brasileiro. A empresa, aliás, já tentou comprar o controle da LBR em 2013, antes da aprovação do plano de recuperação judicial da companhia brasileira, mas a transação não vingou.

Segundo fontes do setor, ao fazer oferta de compra por ativos tanto da BRF quanto da LBR, a empresa francesa busca ter uma boa estrutura de captação de leite e também tenta reaver a marca Parmalat, que, no Brasil, está nas mãos da LBR, sob licença, até 2017. A Lactalis é a controladora da italiana Parmalat S.p.A desde 2011, e portanto, dona da marca.

"A Lactalis já está no Brasil [indiretamente com a marca Parmalat] e quer proteger essa posição", comentou uma pessoa familiarizada com o assunto.

Por meio da Lactalis do Brasil, afiliada da Parmalat S.p.A -, o grupo francês propôs pagar R$ 150 milhões por cinco ativos da LBR, as chamadas unidades de produção isolada (UPIs): Líder, Fazenda Vila Nova, Barra Mansa, Boa Nata e Poços de Caldas. Argumentando que "a Parmalat S.P.A possui créditos em face do grupo LBR" por conta da licença da marca, a Lactalis colocou como condicionante para a compra das UPIs que todos os contratos de uso de marca Parmalat existentes hoje sejam rescindidos e todos os direitos previstos nos contratos de uso da marca sejam devolvidos para a Parmalat S.p.A. Além disso, a LBR teria de interromper o uso de todas e quaisquer marcas Parmalat (respeitados os períodos de carência estabelecidos nos contratos de uso).

Em sua proposta, a Lactalis argumentou que "após dez anos sem presença direta no Brasil, a Parmalat deseja aproveitar a oportunidade de administrar diretamente sua marca em país que representa 200 milhões de consumidores, e possui um grande potencial de desenvolvimento para a indústria de laticínios". Além disso, disse que "estabelecer uma presença relevante no Brasil, um dos cinco maiores mercados de laticínios do mundo, é fundamental para uma empresa global, como o grupo Lactalis".

É essa constatação que levou o grupo francês a fazer oferta também pelos ativos da BRF. Além de buscar garantir a posse da marca Parmalat, a Lactalis quer, acreditam especialistas, evitar que outro grande player entre - ou avance - no mercado brasileiro, o que aumentaria a disputa no segmento.

No mercado, estima-se que a área de lácteos da BRF estaria sendo negociada por até R$ 1,5 bilhão. A divisão, que registrou receita líquida de R$ 2,8 bilhões no ano passado, comercializa refrigerados lácteos e leite longa vida com as marcas Batavo e Elegê.

Conforme fontes do setor, a Lactalis teria feito proposta por toda a divisão. Já a oferta da Danone contemplaria apenas a área de refrigerados. Procurada, a Lactalis do Brasil não se pronunciou até o fechamento desta edição. A Danone não se manifestou por estar em período de silêncio. A Saputo informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que "não comenta rumores". A Lala não respondeu ao email enviado pela reportagem. A BRF disse que não comentaria "especulações de mercado".

Uma pessoa a par das negociações afirma que, com as ofertas por ativos no Brasil, Lactalis e Danone entraram em uma disputa pelo segundo lugar no mercado mundial de lácteos, sob o critério de faturamento.

Ranking do banco holandês Rabobank sobre as maiores do segmento - o Global Dairy Top 20 -, que leva em conta o faturamento das empresas com lácteos, mostra que a suíça Nestlé manteve o primeiro lugar com receita de US$ 28,3 bilhões em 2013. As francesas Danone e Lactalis vieram a seguir, com receita de US$ 20,2 bilhões e US$ 19,4 bilhões, respectivamente. Ambas também mantiveram suas posições em relação ao ano anterior no ranking que continha os mesmos 20 nomes 12 meses antes (ver quadro).

Marcelo Pereira de Carvalho, analista da consultoria Milkpoint observa que o tamanho do mercado brasileiro é um dos maiores atrativos para as empresas globais de lácteos. "É um mercado grande, que cresceu muito nos últimos anos", acrescenta. Entre o ano 2000 e 2013, o avanço do consumo per capita de lácteos foi de 50 quilos, para estimados 170 quilos per capita, de acordo com a Milkpoint.

"Se considerarmos que a renda vai continuar crescendo, o consumo deve continuar a avançar, ainda que num ritmo menor", acrescenta o analista. O consumo em outros países mostra que há potencial para aumento no Brasil. Na Argentina, por exemplo, é de 216 quilos, na França, de 219, e nos Estados Unidos, de 257 quilos per capita ano, segundo cálculos da Milkpoint.

Ele lembra ainda que as principais empresas do segmento estão na Europa, um mercado já maduro, que cresce pouco. "Para crescer, essas empresas têm de ir para países emergentes como o Brasil". O país acaba sendo um destino em potencial por conta da maior proximidade cultural que tem com a Europa se comparado a outros emergentes.

Carvalho elenca um outro fator de atração: a percepção de que há espaço para aumentar a produção de leite no Brasil com o incremento de produtividade nas fazendas. Segundo dados do IBGE, a produção inspecionada de leite em 2013 no Brasil somou 23,55 bilhões de litros, um avanço de 5,5% no ano. (Colaborou LHM, de São Paulo)



Veículo: Valor Econômico


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