O peixe ideal

Leia em 4min 30s

                                  Para garantir o melhor produto, ‘chefs’ percorrem mercados na madrugada e apostam em rede de contatos



“A César o que é de César” é um ditado que corre velado nos 40 boxes do Mercado de Peixe São Pedro, em Niterói. Bastam alguns segundos diante de uma bancada de gelo repleta de filés de badejo, salmão e outros frutos do mar para ouvir: “Hoje não tem peixe de Cesar”. Não se trata de escassez de produto. A negativa vem da confiança e da exigência construída ao longo de duas décadas entre os comerciantes locais e Cesar Harky, dono do restaurante de culinária japonesa Ten Kai.

Num setor em que qualidade depende de contatos, e um pouco de sorte, construir uma rede de fornecedores é fundamental para prosperar e fazer um bom peixe chegar à mesa de clientes cada vez mais exigentes. Harky faz isso a seu modo. Paga um café aqui, outro ali, na padaria vizinha, traz na mala 4,5 kg de vitaminas para o fornecedor de sardinhas e, assim, conquistou a confiança dos trabalhadores.

O percurso do ex-engenheiro começa horas antes de o mercado abrir às 6h, num espaço do outro lado da rua. De dia é um estacionamento de caminhões frigoríficos e outros veículos. De madrugada, um mercado atacadista que abastece as peixarias do São Pedro e alguns restaurantes de Rio e Niterói.

Ali, numa terça- feira, Harky comprou uma caixa de olho de cão a R$ 14 o quilo. Horas mais tarde, ao atravessar a rua para o mercado, o peixe já era vendido a R$ 27,90. Inflação de 100%:
— Tenho que comprar um pouco aqui e um pouco lá dentro para ninguém ficar com ciúme — diz.

A busca pelo melhor peixe da praça gera alianças improváveis. Harky, judeu de origem egípcia, e Abud Khalil, um muçulmano egípcio, tratam-se por habib, palavra árabe que significa querido. Khalil chegou ao Brasil 18 anos atrás prometido a uma prima. O casamento não deu certo e ele “vendeu roupa, apanhou em outros comércios” até começar a catar mexilhões em Niterói e vendê-los numa carroça ao estilo “burro sem rabo” no mercado atacadista em frente ao São Pedro. Ali, cresceu no ramo e hoje compra a produção de barcos fechados. Coincidentemente, o peixe mais comercializado pelo muçulmano chama-se meca.

Khalil banca os custos da embarcação e desconta do montante a ser pago pelos peixes. Para trazer à costa 70 toneladas de meca, cação e dourado, o barco fica de 15 a 20 dias em alto-mar a um custo de até R$ 70 mil. Gelo e diesel consomem boa parte do orçamento — a alta da conta de luz fez a pedra de gelo de 25 kg subir de R$ 1,40 para R$ 5. E há o custo de desembarque no cais: R$ 100 por tonelada.— Quando se compra o barco fechado, vem bagre junto com cherne e meca. Você tem que ficar com todos. Tem peixe pescado no primeiro dia do barco no mar e no último. Não dá para ter mercadoria encalhada, você regula no preço. O comércio exige jogo de cintura. A gente faz mágica com peixe.

O Mercado São Pedro, dominado por famílias de origem italiana, não é para iniciantes. Quem conhece, sabe das brigas familiares, dos primos que não se falam, do dono de peixaria que emprega a cada semana uma nova mocinha, do vendedor que deixa a balança descalibrada e do que vende peixe panga chinês por pescadinha.—É tutti buona gente, mas é como peixe: se ficar muito tempo, começa a feder — diz um cliente.

Idiossincrasias à parte, a qualidade do que é vendido ali atrai niteroienses, cariocas e donos de restaurantes, que fazem de comerciantes como Marcos Formageri, filho de um dos fundadores do mercado e dono da Peixaria Boa Sorte, aliados.— A vida de peixe é sacrifício. Hoje, já consigo saber por telefone quando um barco chega em Cabo Frio, Arraial com mercadoria boa. Mas, em geral, tenho que estar aqui a partir de 1h para conseguir o produto bom — diz Marquinhos, que tem como clientes restaurantes de comida japonesa.

Na cidade do Rio, segundo o Sindicato de Bares e Restaurantes, há ao menos 300 estabelecimentos voltados à culinária de olhos puxados, sem contar churrascarias e buffets que também servem as iguarias. Há dez, eram aproximadamente 120. A voracidade com que o mundo incorporou sushis e sashimis ao cardápio fez com que o preço de peixes como o atum disparasse.— Há 20 anos o quilo do atum era o mesmo preço do da sardinha. Hoje, posso comprar o quilo a R$ 12 na terça e na quinta a R$ 28 — afirma Harky.

Com unidades em Búzios e Rio desde os anos 1980, o Satyricon tem uma rede de contatos de 50 pescadores e dois caminhões frigoríficos que podem ser deslocados até o Espírito Santo.— A indústria do peixe mudou pouco, quem se adaptou fomos nós. Criamos uma estrutura de abastecimento constante—diz Bruno Topiakow, diretor de operações do restaurante.

Situado na torre remanescente do antigo mercado de peixes da cidade, o restaurante Albamar já tentou incorporar outros produtos ao cardápio, focado nos frutos do mar. A mudança não vingou e hoje o chef Luis Incao aposta em fornecedores variados para não repassar à mesa os altos custos:— O pescado é matéria-prima cara. Se o restaurante não pesquisa, acaba tendo prejuízo.


Veículo: Jornal O Globo - RJ


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