Com foco em nutrição e saúde, líder da Nestlé quer abrir novos mercados

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Quando Paul Bulcke foi nomeado diretor-presidente da Nestlé, em 2008, seu discurso foi claro: não mexa no que está dando certo. Ainda assim, Bulcke, um belga de 60 anos que entrou na Nestlé em 1979, não se via como um mero guardião da empresa suíça, que vende o número invejável de 1,3 bilhão de produtos por dia. De fato, ele vem alterando discretamente o portfólio de mais de 2 mil marcas da Nestlé para elevar os lucros e acelerar a transformação da empresa numa líder em saúde nutricional.

"Queremos ser uma empresa notável em nutrição, saúde e bem-estar", disse Bulcke em uma entrevista recente ao The Wall Street Journal na sede da Nestlé, em Vevey, Suíça.

Na prática, isso significa a extinção de marcas como Jenny Craig, Juicy Juice e PowerBar, que não se enquadravam na estratégia da Nestlé ou não ofereciam suficiente crescimento do lucro. Ao mesmo tempo, Bulcke liderou a aquisição de empresas mais alinhadas com os objetivos da empresa, como a unidade de nutrição infantil da Pfizer, em 2012. Neste ano, a Nestlé adquiriu os direitos de comercializar vários produtos estéticos e dermatológicos da Valeant Pharmaceuticals International nos Estados Unidos e Canadá.

Como resultado, a unidade de Nutrição e Ciência da Saúde da Nestlé deve ser responsável por 11% do faturamento total da empresa, estimado em 91,8 bilhões de francos suíços (US$ 95,2 bilhões). Descontando aquisições e desinvestimentos, o crescimento orgânico das vendas da unidade foi de 7,6% em 2013.

Os ajustes que Bulcke fez no porfólio não apenas abriram novos mercados para a Nestlé como elevaram sua margem de lucro. A previsão é que o lucro da Nestlé antes de juros, impostos, depreciação e amortização atinja 19% da receita este ano, comparado com 16,7% em 2007, antes de ele ter assumido o cargo.

Analistas estimam que a Nestlé lucre 10,7 bilhões de francos suíços este ano, com o lucro líquido aumentando para 11,4 bilhões de francos suíços em 2015. A receita deve crescer 6,4%, para 97,7 bilhões de francos suíços.

A Nestlé foi fundada em 1867, na Suíça, quando o farmacêutico Henri Nestlé criou um alimento infantil para substituir o leite materno. A empresa cresceu, fundiu-se com uma fabricante de leite condensado e se expandiu para o setor de laticínios. Em 1938, ela lançou o café instantâneo Nescafé e, depois, o Nestea e os achocolatados em pó. Impulsionada por aquisições, a empresa tem hoje 29 marcas de produtos que vão desde a água Perrier até o chocolate KitKat, passando pela Purina, de comida para animais. Marcas como a Nespresso já geram sozinhas vendas anuais de US$ 1 bilhão ou mais.

A Nestlé também possui uma fatia de 23,4%, avaliada em mais de 17 bilhões de euros (US$ 21 bilhões), no grupo francês de cosméticos L'Oréal.

A empresa opera 450 fábricas em 86 países e emprega 340 mil funcionários. A seleção e o treinamento de funcionários são pilares da cultura da empresa. Mais de 95% dos 1.300 cargos principais são preenchidos através de promoções internas.

Bulcke foi criado na cidade belga de Ostend. Seu pai era gerente-geral de uma empresa que fornecia as partes de concreto para os cabos de alta tensão das concessionárias de energia elétrica, um negócio que ele acabou comprando e hoje é operado por dois irmãos de Bulcke.

Depois de se formar em administração de empresas, Bulcke passou alguns anos trabalhando na subsidiária da Scott Paper na Bélgica. Mas ele e sua mulher, com quem se casou quando tinha 22 anos, queriam ver o mundo. Um amigo sugeriu que ele tentasse um emprego na Nestlé.

O executivo entrou na Nestlé em 1979 e, um ano depois, estava trabalhando como estagiário de vendas e mercadorias no Peru, que atravessava uma crise econômica e lutava para conter rebeldes comunistas. Apesar dos riscos, Bulcke e sua família cruzaram o país em um Fusca. "Vi muitas empresas irem embora em busca de situações melhores, mas a Nestlé ficou."

Ele acabou passando 16 anos na América Latina, principalmente no Equador e Chile, voltando para a Europa em 1996 como chefe de operações da Nestlé em Portugal. Depois, ele exerceu o mesmo cargo na República Tcheca e na Eslováquia.

Em 2000, mudou-se para a Alemanha para supervisionar a reestruturação da empresa durante a introdução do euro, numa época em que varejistas de desconto estavam conquistando mercado. Para Bulcke, os desafios foram revigorantes. "Fizemos muita coisa", diz.

Bulcke se mudou para a Suíça em 2004, como responsável pela região das Américas. Ele foi promovido ao cargo máximo quatro anos depois, sucedendo Peter Brabeck-Letmathe.

O carismático Paul Polman, então diretor financeiro, era o principal candidato ao posto na opinião de analistas e investidores. Foi uma surpresa quando Bulcke ganhou o comando, mas observadores dizem que ele estava mais em sintonia com a cultura da Nestlé. Polman saiu em 2008 para ser diretor-presidente da Unilever.

Ao nomear Bulcke, Brabeck citou sua experiência em mercados emergentes e desenvolvidos e o descreveu como um "líder empresarial forte e pragmático, com um registro de desempenho comprovadamente formidável".

Bulcke "é conhecido dentro de casa por sua liderança baseada em confiança e transparência e tem um alto nível de integridade pessoal", disse Brabeck, que continua como presidente do conselho de administração da Nestlé. Brabeck tem muito em comum com seu protegido. Também não é suíço - e sim austríaco - e também passou quase toda sua carreira na Nestlé. Além disso, ambos trabalharam na América do Sul e compartilham uma paixão pela aviação.

Como diretor-presidente, Bulcke está ciente da história e cultura da Nestlé e de seu papel nas comunidades onde está presente. "Apenas teremos sucesso se criarmos valor para a sociedade", diz. Ele tem orgulho das contribuições que a empresa faz e cita países como Brasil, Índia e Filipinas, onde a Nestlé está presente há mais de um século.

Fluente em seis línguas - flamengo, francês, português, espanhol, alemão e inglês -, ele se considera um "cidadão do mundo".

O sucesso da Nestlé não ocorreu sem controvérsias. Como líder global no setor de alimentos, ela é frequentemente alvo daqueles que culpam seus produtos por contribuir com dietas prejudiciais à saúde. A Nestlé tem se comprometido em reduzir os níveis de açúcar, sal e gordura saturada dos seus produtos e remover as gorduras trans. Bulcke observa que a empresa produz cereais com grãos integrais e, em países onde as dietas são pobres, ela adiciona micronutrientes como ferro e iodo aos cubos de caldo. "Somos parte da solução", diz.

As opiniões de Bulcke sobre negócios são buscadas por outros líderes. Ele é o representante suíço do Conselho Estratégico de Atratividade, um grupo de 30 líderes empresariais criado pelo governo francês para compartilhar visões sobre a atratividade dos investimentos franceses. Bulcke é "muito brutal, muito direto", e oferece avaliações que o governo pode não querer ouvir, diz Patrick De Maeseneire, diretor presidente do Adecco Group, maior empresa de recrutamento do mundo. Ele também participa do conselho.

Por enquanto, Bulcke espera comandar a Nestlé e continuar direcionando-a à saúde nutricional. Ele sonha em comprar um veleiro um dia, mas não tem pressa. "É bom ter sonhos", diz. "O dia em que comprar um veleiro, meu sonho acaba."



Veículo: Valor Econômico


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